Há 329 anos, em 20 de novembro de 1695, Zumbi dos Palmares era assassinado, após ser capturado em uma emboscada organizada pelo bandeirante André Furtado de Mendonça. Último chefe do Quilombo dos Palmares, Zumbi liderou a defesa da comunidade por quase duas décadas, convertendo-se em um símbolo da resistência e da luta contra o regime escravocrata que perdurou por séculos no Brasil.
O nome de Zumbi está inscrito no Livro de Aço dos Heróis Nacionais e sua memória é evocada a cada aniversário de morte, quando se celebra o Dia da Consciência Negra e a necessidade de superar o racismo e as desigualdades raciais persistentes na sociedade brasileira.
Zumbi nasceu por volta de 1655, em um dos mocambos do Quilombo dos Palmares — o maior e mais longevo dos quilombos estabelecidos durante o Período Colonial. Localizado na Serra da Barriga, em Alagoas (à época Capitania de Pernambuco), Palmares chegou a agregar cerca de 30 mil habitantes, a maioria dos quais negros escravizados fugidos dos engenhos da região, tornando-se um dos maiores núcleos de povoamento do Brasil Colônia.
Baseando-se nos costumes das sociedades bantus, os palmarinos estabeleceram seus próprios modelos de organização política, econômica e social. Eles plantavam seus alimentos, fabricavam suas ferramentas e possuíam um regime de cooperação mútua, ainda que marcado por uma rígida estrutura hierárquica e militarizada. O centro político do quilombo era o Mocambo do Macaco, onde vivia quase um terço da população palmarina.
As fontes primárias mencionando Zumbi dos Palmares são raras e não se conhece quase nada sobre sua juventude. Segundo a tradição, Zumbi seria neto da princesa Aqualtune, filha do rei do Congo, escravizada e enviada ao Brasil após a derrota dos congoleses na Batalha de Mbwilla. Zumbi seria, portanto, filho de Sabina e sobrinho de Ganga Zumba e Ganga Zona, chefes militares dos mais proeminentes mocambos de Palmares.
Alguns historiadores, entretanto, aventam a possiblidade do parentesco ser apenas uma referência simbólica, remetendo ao fato de Zumbi ser um dos protegidos de Ganga Zumba. A denominação “Zumbi” provavelmente deriva do idioma quimbundo (“nzumbi”) e significa “fantasma” ou “espectro”. Segundo algumas interpretações, o termo poderia evocar um título ou uma posição de liderança dentro da estrutura política do Quilombo dos Palmares.
O único relato sobre a juventude de Zumbi dos Palmares foi produzido pelo jornalista Décio Freitas. Zumbi teria nascido livre dentro de Palmares, mas foi sequestrado durante um ataque ao quilombo e criado por um padre que o batizou como Francisco e o alfabetizou. Na adolescência, Zumbi teria fugido e retornado ao quilombo, assumindo uma posição de liderança. Não existem, entretanto, registros documentais que sustentem a narrativa de Freitas, uma vez que o autor jamais disponibilizou as cartas que supostamente embasariam o relato.
Uma das mais antigas menções documentadas a Zumbi ocorre em uma carta escrita pelo rei Pedro II de Portugal (1648-1706), em que o monarca se propõe a “perdoar” os atos praticados pelo líder quilombola em troca de sua sujeição à coroa portuguesa. Na carta, Pedro II menciona a esposa e os filhos de Zumbi. Relatos posteriores identificariam a esposa de Zumbi como uma guerreira chamada Dandara. Não há, entretanto, comprovação documental dessa hipótese.
O crescimento do Quilombo dos Palmares incomodava as autoridades coloniais, alarmadas com o estímulo à fuga dos escravizados e com a potencial ameaça ao sistema econômico, totalmente dependente da mão de obra escrava. Assim, entre 1671 e 1677, o governo da capitania organizou uma série de expedições militares visando destruir o quilombo.
Graças ao sistema defensivo composto por mocambos fortificados com estacas e aos guerreiros bem treinados, Palmares conseguiu resistir à maioria dos ataques. Em 1677, entretanto, a expedição de Fernão Carrilho logrou ocupar o mocambo de Aqualtune, matando um dos filhos de Ganga Zumba, então líder de Palmares, e capturando outros dois.
A vitória dos portugueses forçou Ganga Zumba a se engajar nas negociações de paz com Pedro de Almeida, governador de Pernambuco. Em 1678, os portugueses propuseram um armistício desvantajoso: comprometiam-se a cessar os ataques contra o quilombo e a conceder a liberdade a todos os negros que tivessem nascido em Palmares. Em contrapartida, o quilombo teria de se submeter à autoridade da coroa portuguesa e todos os escravizados que fugiram deveriam retornar aos seus senhores. Ganga Zumba aceitou o armistício, mas o acordo foi rejeitado por grande parte dos palmarinos, que se recusavam a retornar à condição de escravizados.
Zumbi rompeu com Ganga Zumba e se comprometeu a continuar lutando pela liberdade dos quilombolas. No mesmo ano, Ganga Zumba foi assassinado. Não se sabe se foi morto pelos portugueses ou pelos próprios palmarinos. Alguns historiadores apontam que Zumbi teria ordenado seu envenenamento. Após subjugar a resistência de Ganga Zona, Zumbi assumiu a liderança do Quilombo dos Palmares e rejeitou definitivamente o armistício proposto pelos portugueses. Ao longo das décadas seguintes, Zumbi liderou o exército de Palmares e coordenou a resistência do quilombo, repelindo com sucesso os ataques das milícias enviadas pelas autoridades coloniais e pelos senhores de engenho.
Em 1691, seguindo instruções da coroa portuguesa, a capitania de Pernambuco começou a preparar uma campanha militar para aniquilar o Quilombo dos Palmares. O primeiro ataque foi levado a cabo por um exército de mil soldados, mas foi repelido pelos palmarinos. Em 6 de fevereiro de 1694, entretanto, o bandeirante paulista Domingos Jorge Velho, liderando uma tropa de quase dez mil soldados bem armados, conduziu um massivo e derradeiro ataque que dizimou o Mocambo do Macaco, levando à desarticulação do quilombo. Ferido, Zumbi conseguiu fugir, embrenhando-se na mata fechada da Serra Dois Irmãos.
Zumbi permaneceu escondido por mais de um ano e meio, articulando algumas escaramuças e tentando reorganizar o exército palmarino junto aos sobreviventes. Em 1695, entretanto, seu esconderijo foi revelado por um quilombola chamado Antônio Soares, preso e torturado pela milícia do governo pernambucano. O bandeirante André Furtado de Mendonça organizou então uma emboscada, capturando Zumbi e outros vinte guerreiros palmarinos em 20 de novembro. Zumbi foi torturado e teve sua mão decepada. Em seguida, foi decapitado e teve sua cabeça enviada para Recife, onde o governador Caetano de Melo e Castro ordenou sua exposição em praça pública, fincando-a em uma lança no Pátio do Carmo.
O vilipêndio do cadáver de Zumbi visava não apenas amedrontar os escravizados, mas também desmentir as lendas populares sobre a sua imortalidade, que começavam a surgir na região. Alguns cativos contemporâneos chegaram atribuir a Zumbi dons sobrenaturais, creditando sua força, resiliência e coragem à intervenção dos orixás. Vilanizada ao longo de todo período colonial e desumanizada durante o Brasil Império, a figura de Zumbi só foi retomada sob uma perspectiva mais positiva a partir do fim do século XIX, quando o líder quilombola passou a ser associado às aspirações emancipadoras do abolicionismo.
Ao longo do século XX, Zumbi se converteu em um legítimo herói da cultura afro-brasileira, sendo exaltado em livros, canções, peças de teatro e filmes. Tornou-se não apenas um símbolo da luta por liberdade, mas uma referência basilar do movimento negro e da luta antirracista. Em 1995, sua data de morte foi adotada como Dia da Consciência Negra e em 1997 seu nome foi inscrito no Livro de Aço dos Heróis e Heroínas da Nação.
Nas últimas décadas, Zumbi tornou-se alvo de ataques da extrema-direita, sendo submetido a campanhas revisionistas que o acusam de ser um escravizador ou um assassino cruel. Esse movimento é parte de uma reação ao avanço das políticas de inclusão étnico-raciais e visa desconstruir as referências antirracistas e negar a contribuição histórica da população negra. Tais alegações são anacrônicas e desprovidas de evidências historiográficas, mas avançam em paralelo com a popularização de teses obscurantistas. Zumbi, entretanto, segue resistindo aos ataques contra sua memória, mantendo-se há mais de três séculos como um dos maiores heróis populares do povo negro do Brasil.