Diego Moraes, escritor manauara e um dos idealizadores da FLIPOBRE, é conhecido como o Bukowski da Amazônia. Sua escrita febril baseada nas líricas urbanas, sobretudo das madrugadas e de todo imaginário que envolve a boemia, foi rapidamente associada ao autor norte-americano, cuja trajetória interessa a Diego na mesma linha que tantos autores concebem suas referências, ou seja, pelo ponto de vista estético e talvez histórico. No entanto, a chancela parece mais uma estratégia de subalternização de um autor nortista fantasiada de elogio, comprovando mais uma vez a dificuldade de identificação de escritores das margens, periferias, negritudes, como sujeitos autônomos capazes de organizar as próprias ideias e vetores criativos assim como qualquer escritor dos grandes centros econômicos.
Sob esta mesma alcunha, Bukowski da Amazônia, Diego Moraes tem sido há pelo menos dois anos linchado nas praças públicas das mídias sociais. Todos os elementos que sugerem as diferenciações raciais, de classe, de geografia estão presentes nos discursos que reiteradas vezes agridem a pessoa de Diego, a fim de sufocar qualquer tentativa de reabilitação social e comercial do autor, gerando consequentemente uma impossibilidade de defesa ou retratação no âmbito das denúncias espalhadas.
Tais acusações dizem respeito a uma série de pedidos de empréstimos financeiros e de vendas de livros não entregues realizados por Diego através das redes sociais em um dos períodos em que o autor estava profundamente envolvido com a dependência química e alcoólica. As narrativas quando cruzadas revelam em comum as técnicas de persuasão: Diego afirmava possuir doença grave e por essa razão precisava de recursos para o tratamento. As pessoas prontamente auxiliaram Diego, afinal ele era – na época positivamente – o Bukowski da Amazônia, tinha um contrato com a editora Record, e estava incensado nas redes como um gênio da literatura marginal no país.
Quando a mentira para conseguir dinheiro foi descoberta, a ira das pessoas enganadas se manifestou na mesma proporção da bajulação anterior: Diego foi profundamente exposto nas redes e em sites de jornalismo cultural, enxovalhado sob dizeres xenofóbicos e racistas como “vergonha do norte” e “ladrãozinho da Amazônia”.
Os aspectos de sua escrita imediatamente começaram a ser ridicularizados e Diego, além de golpista, tornou-se uma grande mentira como escritor segundo a compreensão de um grupo de leitores, críticos e autores furiosamente perdidos entre a legítima indignação diante dos acontecimentos e a sede voraz pela punição de uma pessoa que, movida por dependência de álcool e drogas, não apenas roubou dinheiro, mas também destituiu de véus românticos os sistemas de relação de trabalho na literatura brasileira – talvez o maior crime cometido por Diego, haja vista que de todas as centenas de linchadores curiosamente apenas uma pessoa de fato exigiu judicialmente seu direito à indenização.
No prefácio do mais recente livro de poemas de Diego, “Quem Abraça o Mundo com Muita Força Vira Poeta ou Perde os Braços” (Faça Você Mesmo, 2022), o editor Matheus Peleteiro constata um paradoxo importante: o autor tem sido sumariamente “boicotado em um meio literário que vive a pregar a separação entre autor e obra, ao mesmo tempo que condena o indivíduo por trás das palavras no primeiro deslize – ou na primeira recusa a um inconveniente convite ou clamor por elogio”.
À compreensão de Peleteiro somam-se exemplos concretos de autores, em sua maioria brancos, do sul ou do sudeste, oriundos de classes econômicas favorecidas, que já tomaram atitudes similares às de Diego como a venda de exemplares de livros que não foram enviados ou quebras unilaterais de contratos com editoras em projetos já remunerados. Outras modalidades mais graves de contravenção também encontraram sua absolvição no perdão seletivo do senso comum: estupro, assédio sexual, pedofilia, são alguns dos exemplos detectáveis na história da literatura mundial.
O racismo no contexto brasileiro salta aos olhos no caso Monteiro Lobato, protagonista de um longo debate que nunca se encerra, no qual há a presença constante do raciocínio de que apesar de tudo, seus livros precisam ser lidos por serem muito bons.
As tecnologias de poder dentro da questão que envolve separar ou não separar o autor da obra correspondem à força das abstrações de mercado que criam a sensação de livre arbítrio no leitor: se os livros de tal autor que comete infrações são muito lidos – ou seja, vendem muito – então ele merece ser perdoado. Se não há retorno econômico que justifique a existência de um pária sob as palavras escritas então detonam-se as próprias palavras, de tal sorte que Diego após ter sido festejado como uma voz original do norte, passou a ser acusado de plágio, autor superestimado, uma farsa.
Aqui neste artigo não pretendo dar cartaz ao subjetivismo da maioria das análises virulentas sobre a qualidade da escrita de Diego, não é de interesse meu dizer se Diego é um bom ou mau poeta, porque afinal todo o episódio nunca tratou de fato de questões estéticas, ainda que essas mesmas questões tenham sido usadas como a argamassa para o constrangimento público e contínuo promovido contra Diego Moraes. O ápice da exposição do autor se deu em matéria do UOL publicada em agosto de 2019, escrita por Maurício Duarte, intitulada “Fome, doença e prisão: escritor é acusado de enganar leitores por dinheiro…”.
Junto ao Matheus Peleteiro, escritor e editor que acompanhou de perto todo o processo, realizei uma conversa com Diego na qual tentamos os três organizar um espaço de direito de resposta, considerando as questões que se impõem quando partimos da ideia central de que Diego cometeu falhas graves, mas desatrelados de certo binarismo moral que separa heróis de vilões. Nesse diálogo tentamos verificar as contradições implicadas em um processo de expiação coletiva virtual em que o gozo movido pela humilhação de Diego se sobrepõe ao exercício da ética, da justiça e da legalidade.
Paloma Franca Amorim: Diego, de onde veio essa nomeação, o Bukowski da Amazônia?
Diego Moraes: Já havia esse preconceito de me rotular como literatura marginal, mesmo sendo um cara extremamente livre, né? E nem todos os contos tinham essa temática de rua, né? Meu livro “A Fotografia do Meu Antigo Amor Dançando Tango” (2012) já tinha essa pegada totalmente cinematográfica né? Tem muito lance de cinema na parada, de teatro. Então já tinham essa ideia de me rotular como marginal, como imitador de Bukowski, né? E como a FLIPOBRE tinha uma temática de discutir uma literatura fora do eixo Rio-São Paulo, que pra mim até hoje não fede nem cheira, pra mostrar que autores de Belém, do Acre, Macapá, da casa do cacete no nordeste também produziam uma boa literatura mesmo não publicando por editora grande, né?
Então não foste tu que começaste a te chamar dessa forma?
Nunca foi. Primeiro, porque é vergonhoso, porque eu lutei muito, eu considero a minha literatura original, sabe? Eu acho que o meu estilo é original. Eu demorei muito pra moldar o meu estilo, né? Com o tempo, né? Então, a pessoa vai e te coloca como o Bukowski da Amazônia como se tu fosse um merda, sabe? Ah, ele é só o Bukowski da Amazônia, isso alimenta muito preconceito, muito preconceito, muito preconceito, e isso alimenta também muita fake news, está entendendo? E criam narrativas ficcionais, como por exemplo, tem gente que eu nunca vendi livro, que eu nunca tive contato no momento que eu surtei e tal, do lance lá do álcool, que até hoje diz que me deu quinhentos, me deu mil, deu isso, me deu, isso nunca rolou, pô. Sabe? Aí vem isso. Eu realmente tive uma recaída, eu vinha passando por situações familiares muito ruins e do campo emocional também muito escrotos e eu acabei surtando mesmo e o dinheiro que eu peguei nenhum eu comprei um bem material, e não foi muito dinheiro, na maioria das vezes eram três livros aqui, dois livros aqui, um livro ali de uma pessoa e não entregava mesmo. E eu acho que foi pra poucas pessoas que eu acho que talvez eu tenha inventado que eu estava doente, alguma coisa assim, pra conseguir ter um momento de prazer lá pra poder usar, né? Usar a droga. Mas não comprei nenhum bem, não comprei nenhuma moto, não comprei nenhum carro. E era muito isso. Eu só fazia isso porque realmente estava muito na fissura de fumar uma pedra ou de cheirar cocaína.
Então, essa grana que tu pegaste sem entregar os livros, a finalidade dela foi totalmente voltada para uso de substâncias…
Sempre. Sempre. Eu não tinha porque fazer nada, não tenho nada no meu nome, não é à toa que eu estou cheio de dívidas e tudo, eu usei pra beber mesmo, pra cheirar e pra fumar, né?
Isso foi quando tu moravas em São Paulo?
Foi já em Manaus já. Em Manaus, né? Já morando em Manaus porque foi uma avalanche de coisas ruins. Então, eu me abri com uma pessoa e a pessoa me deu uma grana, aí eu vi que aí eu poderia tirar alguma vantagem pra usar droga, entendeu? Na época, né? A promessa dos livros realmente aconteceu por internet mesmo, porque eu já morava em Manaus.
Vamos voltar um pouco no contexto da discussão da literatura, você foi um dos idealizadores da FLIPOBRE e depois disso foi chamado para participar da Flip, certo?
Sim, sim.
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Diego Moraes, escritor manauara e um dos idealizadores da FLIPOBRE, é conhecido como o Bukowski da Amazônia
E o contrato com a Record foi nessa época?
Não, o contrato já tinha rolado antes. Em 2015. E eu nunca procurei nenhuma editora, nunca mandei livro pra editoras, todos foram convites por causa dos textos que eu publicava na internet. O próprio editor mandou uma mensagem pelo Messenger e disse, cara, tu escreve muito bem, quero publicar um livro teu e assinamos o contrato. Recebi, se eu não me engano, um adiantamento de quatro ou cinco mil reais por dois livros na época. Então, eu peguei e até tentei escrever, mas como eu estava muito drogado na época, acabei me sabotando todo tempo, escrevia quinze páginas, apagava, vinte, trinta e apagava, achava que estava uma merda. E tinha pressão também, né? O cara drogado e apaixonado num relacionamento que estava acabando. Muito drogado. Não estava conseguindo cumprir com as responsabilidades literárias, né?
E como era o teu relacionamento com os seguidores virtuais nessa época?
Muita gente se aproximou de mim na internet, foi geralmente pra fingir uma certa amizade. Curtir um like e tal, fazer uma resenha às vezes elogiosa, mas no fundo eles queriam realmente um lobby né? Olha, fala com o teu editor lá pra poder publicar o meu livro também… Rolou muito isso e não é à toa que hoje não sobrou ninguém, hoje o único cara com quem eu tenho algum nível de amizade na literatura é o Matheus [Peleteiro].
Matheus Peleteiro: É notório o ressentimento de alguns que se aproximaram dele pra isso, puxaram o saco dele e de repente começaram a ser os mais engajados no cancelamento.
Sobre essa questão da entrega dos livros, eu queria saber se alguém procurou resolver a questão legalmente.
Matheus Peleteiro: Teve uma ação no juizado especial.
Diego Moraes: Eu paguei com os livros, né. Com todos os PDF’s e recentemente eu dei os dois últimos agora que o Matheus editou. A seleção dos meus melhores contos e um de poesias. Foi uma única pessoa, só. Ele me deu 200 reais, se não me engano.
Matheus Peleteiro: E essa única pessoa fez um acordo, né.
Diego Moraes: Não é à toa que se você digitar meu nome no STJ não aparece nada. Não tenho passagem pela polícia, nem nada. Só tenho dívida. E na verdade eu nunca fui um delinquente, só fui à delegacia algumas vezes por briga, por estar sem documento na madrugada. Mas nunca por roubo, assalto. Eu sou um cara que tem problemas com drogas, eu me desequilibro, eu às vezes quando começo a beber eu só paro depois de três ou quatro dias, cocaína também. Eu fico uma semana e tal, até meu corpo não aguentar mais. Eu sou compulsivo, né? E isso é um tipo de doença, uma doença primária, crônica e fatal. Eu já utilizo drogas desde os meus 16 pra 17 anos, então há muito tempo, fui passando da cola pro lança-perfume, do lança-perfume passei pra maconha que fiquei pouquíssimo tempo porque não gostei, da maconha passei pra pasta de cocaína, aí da pasta de cocaína o álcool foi onde eu estacionei mesmo, minha droga de preferência é o álcool, álcool e cocaína. Fumei crack muito tempo, em São Paulo, em Manaus também, mas só uso também quando eu já estou muito doido mesmo. A cocaína destrói tudo. Ela nunca foi um estimulante literário pra mim. Eu só escrevo quando estou sóbrio. A cocaína sempre atrasou minha vida, eu não consigo me concentrar com cocaína, eu não consigo ler, não consigo fazer porra nenhuma. Nunca escrevi drogado, sempre tem que estar bem alimentado, bem da cabeça, com o sono regular, então é algo que realmente me afeta mesmo.
Então o teu trabalho com literatura tem a ver com uma rotina de sobriedade, certo?
Sim, eu não sou Bukowski que conseguia escrever bêbado, né. Eu já falei muito sobre mim, sobre minhas instabilidades, minhas quedas, em alguns poemas e em alguns contos, mas o ato de escrever, realmente eu não consigo, eu não lembro de ter escrito um poema ou um conto bêbado e depois ter publicado. Sempre escrevo numa ressaca, ou tentando ficar limpo, ou limpo. Nunca bêbado, drogado, eu nem penso em literatura nesses estados.
E como foi quando você leu a matéria do UOL?
Eu estava isolado, num sítio que um parente me deu pra eu ficar lá, eu fiquei o ano de 2019 lá. Na verdade, quando eu vi que eu não poderia arcar com a entrega dos livros, vi que muita gente estava usando meu nome pra me cancelar, aquilo foi me deprimindo de uma forma que eu pensei: pô, se eu continuar nessa aqui eu vou me matar. Então eu fui pra esse sítio, eu já tinha desativado as redes sociais. Na verdade, eu não respondi nada pro jornalista da matéria, eu só disse realmente o que estava lá fechando a matéria: “a literatura só atrai tragédias e dormir é melhor do que escrever”, como diz a frase do Raduan Nassar. Eu já sabia que o intuito da matéria era realmente acabar comigo, achei muito covarde. E eu acho que a literatura não vai ter espaço nunca pra esse tipo de gente como eu, porque até os autores marginais hoje têm que ter um doutorado na USP, você não pode ser marginal de verdade na literatura brasileira, você tem que ser de mentira. A FLIPOBRE discutiu isso, a panelinha vai sempre existir, realmente isso me deixa muito chateado, porque tem muitos autores que desistem. Eu ainda não desisti por amor mesmo, porque a literatura é uma amiga, uma companhia desde os 16, 17 anos. Uma época em que eu escrevo à mão ainda, com caneta Bic, sou da época de tirar as folhas de papel escritas num bar e ler pra puta, ler pra mendigo, ler pra traficante. Foi quando eu conheci outros autores aqui da minha cidade. Então, minha história com a literatura é uma história de muita luta, muita ilusão, de muito amor mesmo.
Essa relação do golpe com a literatura não é novidade, mas tu de certo modo passaste a ser um modelo, um bode expiatório, individualizado. Como é esse processo?
Várias editoras aí, cara, que enganam autores independentes. Primeiro porque não há um controle, você passa três meses pra ser pago, aí o cara fala: olha, só vendeu dez livros. Aí você vai, digita o título do teu livro no Instagram ou no Facebook, você vê mais de 60 menções, gente com o livro. A história do mercado editorial nesse país é puro estelionato. As editoras sempre se aproveitaram, quantos autores deixaram de ser publicados na época em que só se publicavam desembargadores, juízes, gente da elite? Não deixa de ser também uma história de faz-de-conta, né? A Carolina Maria de Jesus mesmo, quanto tempo não demorou pra ela ser olhada? E agora eles estão editando o povo que se fodeu, o povo que foi massacrado, foi detonado, e eles vivem disso, lucram com isso.
Como foi tua volta pras redes?
Eu voltei porque muita gente começou a me procurar, acharam que eu tinha matado, estava internado. Eu fui ficando limpo, ficando limpo como eu estou agora, eu tenho ainda recaídas, mas eu chego a ficar três semanas, um mês, às vezes até três meses sem beber. Quando eu me fortaleço eu começo a postar muito nas redes sociais, porque eu acho que o cancelamento só tem uma coisa boa e útil: ele separa realmente os bons leitores. De uma certa forma, ficou só a galera realmente que tá interessada na poesia, no conto, que não tem mais nenhum interesse em mim, tem interesse pelos meus livros, tá entendendo? Porque escritores, realmente, eu não tenho mais leitores escritores. Raríssimos.
Matheus Peleteiro: Até hoje, sempre que os leitores de Diego compartilham algum texto dele, aparece uma manada desse pessoal ainda cancelando ele para os leitores novos, impedindo que ele tenha leitores novos.
Esse surto que te levou, Diego, a pedir dinheiro e vender sem entregar os livros é diagnosticado?
Eu procurei o CAP’s, mas eu não tenho nenhum laudo. Na época eu conversei com psicólogos, psiquiatras, leitores meus, amigos meus, gente da internet, gente daqui, eu frequentei um tempo o AA (Alcoólicos Anônimos). Eu estava sob muita pressão, era um esgotamento mental mesmo. Eu sempre trabalhei e tal, mas nessa época eu estava passando por um período muito conturbado. Mas sempre trabalhei, hoje trabalho numa gráfica, pago meu aluguel.
E esses novos livros editados seriam usados para o ressarcimento das pessoas que pagaram pelos livros sem recebê-los?
Matheus Peleteiro: A gente chegou a considerar essa possibilidade, então eu propus a um jornalista que já havia escrito sobre Diego, eu busquei contato com o UOL para tentar uma entrevista com Diego, para que ele explicasse a sua situação e para tentar reduzir os danos propondo a entrega de livros que haviam sido prometidos para as pessoas, mas não acharam boa ideia, não deram a ele direito de resposta.
E as dificuldades editoriais agora aparecem sob novas formas, não? As editoras que seguem dentro do pensamento dominante continuam interditando autores de baixa renda, do norte, do nordeste, do centro-oeste…
Eu me fiz só, né cara? Quando eu percebi que em Manaus, a única editora que tinha só publicava gente de elite, eu fui pra internet, comecei a publicar meus contos, não é à toa que o primeiro cara que publicou meus livros, ele viu na internet, pô. Ele foi no blog e falou: cara, quero publicar dois livros teus. Depois veio o cara lá de Portugal, ele veio até mim, eu nunca cheguei em editor nenhum. Eu não sou um assassino, eu não sou um estuprador, eu sou o cara que não entregou os livros, entendeu? E eu não tô aqui querendo publicar por nenhuma grande editora, eu não penso mais nisso, eu acho que a forma de publicar pelo Catarse é muito honesta. E o lucro é bem maior, porque o que essas editoras fazem? Elas vão lá, te divulgam uma semana, fazem a pré-venda do livro e tal, depois a editora te abandona. Elas visam o lucro e foda-se.
Queres falar algo para finalizar? Sobre o futuro, tua relação com a literatura…
A literatura como um ato de escrever pra mim é melhor do que fazer amor. Pra mim é o primeiro gozo. Eu já falei isso milhões de vezes, eu acho que escrever me dá um prazer muito maior do que sexo e do que comida, sabe? Então eu escrevendo, aquela adrenalina que eu sinto quando o poema está bem latente, ou um conto, eu deliro. Eu sinto o sangue correndo nas minhas veias. É uma relação de paixão mesmo. Mas me frustra muito essa época agora, essa época de imagem, de lacração, e você ter que seguir certas cartilhas, né… Então isso me magoa bastante. E eu sei que vai ser muito difícil eu me tornar um best-seller, a não ser que eu use um pseudônimo, porque vão sempre usar essa situação contra mim. Eu reconheço a falha de caráter, eu reconheço que a dependência química produziu isso. Como eu não sei roubar cordão nem carteira na rua, eu vendi os livros. O meu vacilo foi não entregar os livros. O dano que essa matéria fez pra minha vida… Assim, hoje em dia eu não tenho nenhum amigo aqui em Manaus, eu percebo pelo olhar que virou uma coisa desagradável, constrangedora. Gente da minha família com quem eu não falo mais, com meu pai eu mantenho uma conversa mas eu sei que ele sabe. Eu não falo mais com minhas tias, eu não falo mais com minha irmã por conta dessa matéria, sabe? Porque eu fui tido como um criminoso, então eu acho que eu paguei de uma certa forma, né cara? Hoje em dia eu não tenho entrada em nenhuma editora do país, hoje em dia eu perco muito mais leitores do que eu ganho, porque se algum leitor meu printar algo meu, botar aspas, botar minha autoria, vai vir um monte de escritores me linchando, minha vida está totalmente atrasada e parada.