Livro digital pode unir América Latina, afirma professor peruano
Livro digital pode unir América Latina, afirma professor peruano
O mercado editorial mundial vive uma grande dúvida: qual será o impacto da digitalização do livro sobre esse ramo da economia e da cultura e como o velho livro de papel e as livrarias físicas reagirão ao avanço tecnológico?
Recentemente, um dos pontos mais tradicionais de venda de livros de papel dos Estados Unidos, a loja da Barnes & Noble localizada no Lincoln Center, em Nova York, fechou as portas. Mas será que a tecnologia é a principal responsável por este fracasso empresarial?
Pelo menos na América Latina, um cenário de livrarias físicas fechando por conta do avanço do livro digital é um pouco distante. O escritor argentino Alan Pauls declarou em entrevista que duvida que um objeto tão antigo acabe rapidamente: “Essa é uma realidade muito mais norte-americana, a cultura deles vem se digitalizando há muito mais tempo”.
O professor Manuel Herrán Sifuentes, coordenador do Programa Acadêmico do Livro Educación Continua (Lima, Peru), acredita que o livro digital e a internet podem
ser cada vez mais um ponto de união da América Latina. Ele defende o livre comércio literário entre estes países e tem convicçāo de que a América Latina só tem a ganhar com a conexão.
Renata Megale
O professor peruano Manuel Herrán Sifuentes
“É uma forma rápida de intercâmbio de informaçāo e conhecimentos atualizados, seja através da internet ou de leitura dos livros em diversos formatos para os e-books que estāo surgindo.” confia Sifuentes.
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“Poderíamos editar livros digitais em vários idiomas ao mesmo tempo, incluindo alguns regionais. No caso peruano posso citar o quechua e aymara”. A distribuiçāo e a proliferaçāo destes idiomas pouco conhecidos “unificariam e fortificariam os povos latino-americanos”, disse Sifuentes.
O professor nāo ignora a questāo econômica, que atrapalha os planos almejados por ele, mas mesmo assim tem a certeza de que os proximos governantes devem dar prioridade e mais atençāo a isso.
O Peru vive um bom momento cultural. Em 2010, o país teve seu primeiro filme indicado ao Oscar — A Teta Assustada, da diretora Claudia Llosa — e este ano o prêmio Nobel de Literatura foi entregue ao peruano Mario Vargas Llosa. O fato é que o país tem chamado a atenção nos noticiários culturais de todo o mundo.
Manuel Herran Sifuentes
Mercado editoral peruano passa por um momento de efervescência
A feira internacional de livros do país cresceu nos últimos anos, aproximando-se do destaque que têm a Feira de Guadalajara (México) e a Bienal do Livro do Brasil. “Mas ainda temos muito o que crescer”, ressalta Sifuentes. “Vivemos um ótimo momento para a leitura, mas ainda sofremos muito para convencer as pessoas a ler e para fazer com que acreditem na importância do livro”, completa Sifuentes, que esteve no Brasil em palestra na Universidade do Livro, mantida pela Editora da Unesp.
O Peru tem uma história política em que a leitura foi pouco valorizada, em boa medida devido à colonização espanhola. O problema, no entanto, atravessou os séculos XIX e XX. “Há cerca de 15 anos, fui visitar um vilarejo que não tinha televisão, rádio ou qualquer outra fonte de informação rápida. Foi difícil convencer os pais de que seria importante incentivar seus filhos a ler, mas acho que realizamos um trabalho significativo”, afirmou.
“Hoje, os filhos daqueles pais já veem uma importância na leitura e criam bibliotecas em casa para que a próxima geração já tenha um contato mais efetivo com o livro”, completou.
Iniciativas
Com o envolvimento dos cidadãos e governos locais, programas em parques e praças públicas são organizados, e bibliotecas ambulantes levam os livros à população peruana. O país também conhece uma forte entrada de novas livrarias com áreas destinadas as crianças. “Antes o livro era vendido em bancas como um produto comercial qualquer, mas não podemos esquecer que o livro é mais do que um simples objeto”, disse o professor.
Entre os fracassos colecionados nos últimos anos pelo Peru, Sifuentes elenca o Plan de Lectura, que exigia que os estudantes lessem pelo menos 12 livros por ano. A vida do programa foi curta, e ele explica a razão: “A obrigatoriedade da leitura é sempre um desserviço”.
Manuel Herán Sifuentes
Para Sifuentes, o livro não pode ser encarado como simples produto comercial
“Os cidadãos estão com vontade de crescer e fazer mais pelo país, depois de tanto tempo travados. Ainda não existe muita coisa que o governo em si faça, mas aos poucos acho que tudo caminha para melhor”, explicou o professor, já pensando nas eleições presidenciais que acontecerão em abril próximo.
“Todos os candidatos falam muito sobre este tema, mas vamos ver o que efetivamente vai ser feito pelo livro. A luta é constante.”
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Patentes na OMC é uma derrota para os países do Sul Global
Pandemia de covid-19 reativou a debate sobre a quebra de patentes para medicamentos e vacinas. Apesar de sua união em torno do tema, países subdesenvolvidos sofreram uma derrota
No dia 17 de junho, saiu fumaça branca das chaminés da Organização Mundial do Comércio (OMC). A entidade, responsável pela regulação de patentes internacionais, anunciou que chegara a uma conclusão sobre as vacinas contra o coronavírus. Tratava-se do pedido de isenção do acordo TRIPS – sigla em inglês para Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio. Firmado na virada do século, tal compromisso obriga os países-membros da OMC a adotar padrões mais rigorosos de proteção patentária. Consequentemente, encarece o acesso às inovações tecnológicas, inclusive no setor farmacêutico. Mas a decisão final foi amplamente criticada por ativistas da saúde e movimentos populares em todo o mundo, já que a OMC rejeitou a isenção total do TRIPS.
Em 2020, diante da disseminação do novo coronavírus, África do Sul e Índia protocolaram a proposta de isenção do Acordo, que obteve amplo apoio dos países em desenvolvimento e de baixa renda – com exceção do Brasil. A nova decisão foi saudada pelo Secretariado da OMC e por representantes de países ricos como um resultado sem precedentes, mas ativistas condenam que, na prática, a decisão não atende as necessidades mínimas da maior fatia do mundo. “Houve um esvaziamento da proposta pelos países mais ricos. O texto perdeu totalmente sua força, não trouxe nada novo”, explica Felipe Carvalho, Coordenador Regional da Campanha de Acesso do Médicos Sem Fronteiras ao Outra Saúde.
A conclusão do órgão concedeu uma exceção temporária à restrição das quantidades de vacinas que podem ser exportadas sob licença compulsória; diagnósticos e tratamentos não estão incluídos e devem obedecer ao limite de exportação durante o tempo de licença compulsória – decretada durante emergências sanitárias, como é o caso da pandemia. Além disso, a concessão vale apenas para responder à covid-19 e não tem validade diante de outras crises de saúde. O acordo final não inclui o compartilhamento de segredos comerciais e know-how de fabricação, o que prejudicará a produção de vacinas com tecnologia avançada por países de baixa renda – como é o caso dos imunizantes de RNA.
Carvalho conta que o problema é abordado com frequência em reuniões escpecais da OMS e da ONU. “Existe um consenso entre especialistas e órgãos multilaterais de que as patentes causam constantes crises de acesso e inovação na saúde”. Em maio, o The Guardian divulgou que a Pfizer lucrou 25,7 bilhões de dólares só no início de 2022 – mais da metade do valor está relacionado à venda de vacinas contra a covid-19. Tim Bierley, ativista do Global Justice Now, denunciou ao jornal britânico que apesar do apelo da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de outras organizações, a farmacêutica seguia se recusando a compartilhar a tecnologia de produção do imunizante. O diretor da OMS, Tedros Adhanon, afirmou em 2021 que a pandemia estava sendo prolongada por uma “escandalosa desigualdade” diante do acúmulo de doses de imunizantes por países ricos enquanto países pobres não conseguiam avançar em sua meta de vacinação em massa.
“Desde a criação do acordo TRIPs nós temos um cenário de constantes crises de acesso a medicamentos essenciais”, conta Felipe. Ele relembra o caso emblemático da epidemia de HIV/AIDS, na década de 1990. “Em 1996 surgiu a primeira terapia para a doença. As pessoas pararam de morrer e passaram a conviver com o vírus. Mas essa terapia não chegou nos países onde o cenário era mais grave”, explica. O ano de 1996 foi também quando o acordo TRIPS entrou em vigor, após sua criação em 1994 e preparação em 1995. “A partir daí se criou uma coalizão na sociedade civil, da qual fazemos parte, chamada Movimento de Luta pelo Acesso a Medicamentos. A pergunta era: por que os preços eram tão altos e o tratamento se tornava inacessível para milhões de pessoas? Nos aprofundamos no sistema de patentes e entendemos que o monopólio era a causa”, relembra.
Apesar do TRIPS possuir cláusulas que permitem flexibilizações, elas são de difícil utilização devido a dois fatores principais: sua não-incorporação completa em leis de países-membros e a pressão que as farmacêuticas exercem sobre as decisões da OMC. Na década de 1990, diante da grave situação vivida na África do Sul – país com maior número de mortes pela AIDS na época – o governo então liderado por Nelson Mandela aprovou uma das medidas previstas no TRIPS para importar genéricos. Na ocasião, Mandela sofreu o processo de 39 farmacêuticas que se opuseram à decisão tomada para conter a crise de saúde pública. Apesar da derrota das corporações na justiça, “esse é um exemplo de como essas empresas e seus países-sede tentam barrar as normas legítimas existentes no TRIPS”, exemplifica Carvalho.
A OMC é uma instituição formada por 164 membros e opera com base na tomada de decisões por consenso. “A OMC falhou em fornecer uma isenção. O acordo coloca os lucros à frente das vidas e mostra que o atual regime de propriedade intelectual falha em proteger a saúde e promover a transferência de tecnologia. Essa não-renúncia estabelece um mau precedente para futuras pandemias e continuará a colocar vidas em risco” declarou Lauren Paremoer, médica e integrante do Peoples’ Health Movement na África do Sul.
A Health Action International, referência no trabalho para expandir o acesso a medicamentos essenciais, argumentou em nota que a decisão da OMC impõe obstáculos ao licenciamento compulsório, uma das poucas flexibilidades existentes no TRIPS, em troca de uma abertura tímida para a facilitação da exportação de vacinas. Outras entidades representantes da sociedade civil já denunciaram a atuação dos países ricos e vêm aumentando a pressão sobre os governos. O objetivo, segundo seus porta-vozes, é que sejam tomadas medidas concretas para desafiar as regras de monopólio farmacêutico da OMC e garantir mais acesso a medicamentos e tecnologias.