“Nós temos que nos manter em pé e lutar pela igualdade. Ninguém quer voltar aos dias sombrios de medo e terror.” Esse foi o desabafo de Nuala Kerr durante o enterro de seu filho, o policial Ronan, de 25 anos. Neste domingo, (03/04), Dia das Mães em alguns países da Europa, a irlandesa Nuala, em vez de receber flores, as colocou sobre o túmulo do filho assassinado na cidade de Omagh, no condado de Tyrone.
Ronan foi vítima de um atentado a bomba que tem o objetivo de desestabilizar o processo de paz na Irlanda do Norte. Os explosivos foram instalados sob o carro do jovem e detonaram quando ele entrou no veículo para ir ao trabalho, na tarde de sábado. Ninguém assumiu a autoria da ação, mas a polícia atribuiu o ato a grupos dissidentes do Exército Republicano Irlandês, o IRA. Nesta segunda-feira, o vice-primeiro-ministro da Irlanda do Norte, Martin McGuinness, disse que os responsáveis pela bomba estão “envolvidos em uma guerra infrutífera contra a paz. Eles são inimigos da paz, eles são inimigos do povo da Irlanda.”
Ronan Kerr não foi morto por bandidos comuns e nem morreu pelo fato de ser policial. Ele foi um alvo político e religioso de terroristas. Kerr havia se juntado às forças policiais da Irlanda do Norte há menos de um ano, como parte do projeto 50-50, que visa igualar o número de católicos e protestantes na corporação. O plano, introduzido há 12 anos, já havia conseguido subir para 30% o número de policiais católicos no país.
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Pelo menos dois grupos extremistas dissidentes do IRA, o IRA Autêntico e o IRA Continuidade, têm atacado membros católicos da polícia, para atrapalhar o atual momento de paz na região. Essas facções separatistas querem que a Irlanda do Norte deixe de fazer parte do Reino Unido e se integre à República da Irlanda, país que é independente do domínio britânico.
Desde 2007, vários ataques a bomba foram lançados, mas a maioria dos dispositivos falhou em detonar. Entre 2008 e 2010, dois policiais perderam as pernas em atentados. Em março de 2009, o IRA Continuidade matou a tiros um policial na cidade de Armagh.
Terrorismo
Ao falar em ‘medo’ e ‘terror’, Nuala Kerr traduz o sentimento das autoridades britânicas e irlandesas diante do atentado. Todos temem que os ataques se intensifiquem na região. Acredita-se que os dissidentes republicanos tenham aperfeiçoado uma nova geração de armas para lançar mais ofensivas terroristas. O serviço de segurança britânico MI5 declarou ser “crescente o número de sinais de coordenação e cooperação entre os grupos republicanos terroristas”.
A polícia da República da Irlanda tem trabalhado em conjunto com as forças de segurança do Ulster para prevenir esse tipo de ação. No ano passado, os policiais encontraram dispositivos com alto poder explosivo na rodovia que liga Dublin a Belfast. Mas a apreensão não está apenas dos dois lados da fronteira da Irlanda. Há receio de que possam ser lançados ataques dentro da Inglaterra. Não se pode esquecer que, em pouco mais de um ano, Londres será um alvo potencial durante os jogos olímpicos.
Explosivos líbios
A polícia investiga se o artefato que matou o policial Kerr era composto por Semtex, um explosivo plástico similar ao C4, que foi amplamente fornecido ao IRA pela Líbia nos anos 1980. De acordo com documentos judiciais dos Estados Unidos, o ministro de Relações Exteriores da Líbia, Moussa Koussa, ajudou a supervisionar o fornecimento desse material ao IRA. Na semana passada, o político abandonou o país líbio em guerra e veio para o Reino Unido. O primeiro-ministro britânico, David Cameron, já enfrenta pressão para assegurar que Koussa seja investigado por essa possível ligação.
Reação
O atentado de sábado pode ter tido um efeito contrário ao desejado pelos autores. As principais lideranças políticas e religiosas da região se uniram e foram rápidas em condenar unanimemente a ação. O primeiro-ministro da Irlanda do Norte, Peter Robinson, classificou o ato como “desprezível” e disse que “os cidadãos não vão deixar de se juntar à polícia por causa desse terrível assassinato terrorista.” Nesta segunda-feira, Robinson acrescentou: “O que essa ação fez foi reforçar as nossas instituições, unir a comunidade e estreitar os laços entre os políticos”. O chefe da polícia norte-irlandesa, Matt Baggott, disse que “foi morto um pacificador”.
O primeiro-ministro britânico David Cameron e a Secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, também expressaram repúdio ao ataque. Os principais partidos de oposição na Irlanda do Norte seguiram a mesma linha de declarações. As autoridades insistem que o atentado não vai parar o processo de paz.
Entenda os conflitos
A situação política na Irlanda do Norte sempre foi profundamente entrelaçada aos costumes religiosos. O país é formado por seis condados ligados ao Reino Unido e é separado politicamente da República da Irlanda, que é independente. O governo norte-irlandês é liderado pelo Partido Democrático Unionista, com uma estrutura de maioria protestante.
Os grupos de maior destaque no cenário político são:
Unionistas – Protestantes que defendem a permanência do domínio britânico. Os maiores representantes desse grupo são o Partido Democrático Unionista e o Partido Unionista do Ulster – nome dado à província da Irlanda na qual está a Irlanda do Norte.
Nacionalistas – Católicos a favor da completa independência do Reino Unido para que a nação se junte à República da Irlanda. O conceito geral de nacionalismo implica na busca de um grupo pela preservação de sua identidade, tradição e valores. Embora possa haver protestantes nacionalistas, acredita-se que a proporção atual seja de apenas 1%.
O nacionalista tradicional na Irlanda é moderado e tenta a unificação por meios pacíficos, dentro do sistema político existente. O Sinn Féin é o maior partido nacionalista e é frequentemente relacionado ao IRA.
Republicanos – A idéia comum de republicanismo indica o apoio ao sistema de república como forma de governo, em oposição à monarquia. Na Irlanda do Norte, os republicanos são nacionalistas extremistas, que buscam a integração à República da Irlanda por meio da força. Os republicanos irlandeses operam à margem do espectro político público, ou seja, não participam de governos e não querem discutir pacificamente a independência. Os maiores expoentes republicanos são os dissidentes do IRA, como o IRA Autêntico e o IRA Continuidade.
Desde o fim dos anos 60, separatistas católicos e protestantes favoráveis ao domínio britânico protagonizaram violentos conflitos de fundo político. A violência durou cerca de 30 anos e provocou mais de 3500 mortes. O fim do período de turbulência foi selado com o Acordo da Sexta-feira Santa, ou Acordo de Belfast, assinado entre irlandeses e britânicos na capital da Irlanda do Norte em abril de 1998.
Na ocasião, o IRA renunciou oficialmente à violência, mas alguns grupos dissidentes continuaram a defender o uso da força para conseguir a independência. Muitos unionistas também se colocaram contra o Acordo.
Tragédia de Omagh
Ronan Kerr foi morto a apenas alguns quilômetros do lugar onde aconteceu o maior atentado a bomba da história da Irlanda do Norte. Em agosto de 1998, cinco meses após a assinatura do tratado de paz de Belfast, explosivos detonados pelo IRA Autêntico na cidade de Omagh mataram 29 pessoas e deixaram mais de 220 feridos. Entre as vítimas, havia católicos, protestantes, crianças e até uma grávida de gêmeos. Até hoje ninguém foi preso.
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