Tudo que ela queria era ser mulher. Desde pequena, gostava de usar vestidos e se maquiar. Sofria para praticar esportes na escola e, com o passar do tempo, repudiava os pêlos que insistiam em crescer, cada vez mais grossos. Ela havia nascido no corpo errado, tinha certeza absoluta disso. E queria sair dele o mais rápido possível.
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Em 1988, o governo cubano autorizou a primeira operação de mudança de sexo no país. Mabi Susel, que à época tinha 27 anos, recebeu até flores de Fidel Castro e o desejo de uma pronta recuperação. Tinha finalmente realizado seu sonho. Mas, apesar do apoio do comandante, sua cirurgia seria a única desse tipo por décadas.
Recentemente, o cubano Juani Santos realizou o sonho de se tornar homem.
Veja trechos do documentário En el cuerpo equivocado, sobre a vida de Mabi:
“A revolução [cubana] foi construída também com a cultura hegemônica, machista e patriarcal. Quando fizeram a operação de Mabi, suspenderam todas as outras porque foi um escândalo na sociedade. O terreno não estava preparado e se os dirigentes pensavam de outra maneira, eram extraterrestres”, afirma Marilyn Solaya, diretora do documentário En el cuerpo equivocado, sobre a vida de Mabi.
O filme, lançado no final do ano passado, fez parte do concurso DOCTV América Latina, coordenado, entre outros, pelo Ministério da Cultura brasileiro, e deve participar de diversas mostras internacionais em 2011. “Receber US$ 50 mil para fazer um documentário é um luxo aqui em Cuba”, confessa a diretora, em um debate realizado no cinema Glauber Rocha, na periferia de Havana. “Quando temos dinheiro, gastamos tudo. Estamos acostumados a fazer coisas independentes, a pegar ônibus, a pagar cachorro quente para toda a equipe”, diverte-se.
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Apesar do reconhecimento internacional, o documentário não deve passar nos canais de televisão cubanos: “é muito complicado, há muito que trabalhar em nosso povo”. O preconceito não é só local, como faz questão de ressaltar: “também fomos censurados na Bolívia e editados em Porto Rico e no Chile”.
Machismo
Outra dificuldade percebida pela diretora é a gênero: “Até hoje, desde 1959 [data da Revolução Cubana], apenas duas mulheres fizeram filmes de ficção aqui. As mulheres têm que romper com os padrões. Eu sou mãe solteira, tenho dois filhos e 40 anos, e tudo é muito difícil”, desabafa ela, que diz já planejar seu primeiro longa-metragem ficcional.
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Demonstração disso, para ela, é que Mabi tornou-se uma pessoa absolutamente conservadora, apesar de todo o processo transformador que passou. Após sua operação, ela se casou e tornou-se uma feliz esposa. “O que me toca muito é que ela teve que se construir sobre os estereótipos de mulher e vive como dona de casa, cuidando da família. Ela reproduz os papéis tradicionais”, lamenta Marilyn.
Contudo, a diretora parece animada com a abertura crescente para a temática transexual. Prova dessa nova atmosfera, aponta ela, é que desde 2008 foram realizadas mais de 10 operações de mudança de sexo. Sua expectativa é de que, em breve, sejam aprovadas leis como o casamento homossexual,para que “Cuba avance”.
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