Sami Reininger
Alguns dos poucos momentos em que o terrorista norueguês Anders Behring Breivik procurou ser autêntico no extenso manifesto “2083: Uma declaração europeia de independência” – ou seja, quando não copiou e colou ideias de outros autores -, fazem parte também dos trechos mais mais assustadores e agressivos do documento.
Neles, o fundamentalista cristão e ultradireitista incitava seus possíveis admiradores ao uso da violência como única alternativa possível para atingir sua visão de mundo. O compêndio de mais de 1500 páginas os conclama a atacar e matar alvos políticos, de preferência, em ações chocantes, que busquem chamar atenção.
Leia mais:
As ideias do terrorista norueguês que a direita europeia não condenou
Manifesto de norueguês cria aliança entre esquerda e Islã para justificar 'defesa' da Europa
Em autoentrevista, Breivik relata vida familiar banal e alianças entre gangues
O autor do duplo atentado que assassinou 69 pessoas na Noruega em 22 de julho mostrava,com riqueza de detalhes, maneira de se fundar milícias e elaborar táticas de guerrilha, operações de sabotagem, ações clandestinas e golpes. Breivik propõe essas ações contra governos e pessoas que, direta ou indiretamente, apoiem o que ele chama de “aliança cultural entre o Islã e o marxismo/multiculturalismo”. Mais especificamente, quem facilite ou apóie a convivência pacífica e tolerante entre europeus ocidentais brancos e cristão com muçulmanos.
Nessa conclamação à guerra, Breivik inutiliza a possibilidade do diálogo para solucionar o que chama de “a invasão da Europa pelo Islã”. A fase do diálogo, segundo ele, já teria ocorrido entre os anos de 1945 (a partir do pós-guerra) até 1990. “Nós demos uma chance à paz”, afirma. A partir de então, segundo ele, seria necessário “regar a árvore da liberdade”, em citação a uma frase de Thomas Jefferson (A árvore da liberdade deve ser regada de tempos em tempos com o sangue de tiranos e patriotas).
Especialistas
Mas será que, para pessoas como ele, não existe mesmo uma solução pacífica para resolver uma questão, por mais radical que seja? “Não nesse caso”, diz o especialista em terrorismo Magnus Ranstorp, da Faculdade de Defesa Nacional da Suécia, entrevistado por Opera Mundi. O pesquisador, que participou de uma comissão de investigação dos atentados de 11 de setembro, classifica o atirador norueguês no mesmo nível de todos os demais terroristas.
“Pessoas como ele acreditam ser a revolução da sociedade. Para atingir seus objetivos malucos, esse tipo de gente precisa da violência. São terroristas e não existe terrorismo pacífico. A simples ameaça de violência ou a intimidação não funcionam, porque não têm o mesmo efeito sobre o alvo. Para uma revolução absurda como a que ele propõe, é preciso haver o choque, o ataque em massa”, explica o estudioso.
A opinião é compartilhada por Brooke Rogers, professora de Risco e Terror do Departamento de Estudos de Guerra da Faculdade de King, em Londres. “É impossível atingir por meio do diálogo o que Breivik pretende, por causa da grandiosidade e da complexidade de seu objetivo. Por isso ele apela para táticas terroristas. A violência, nesse caso, não precisa ser um ato repetitivo, mas tem que acontecer pelo menos uma vez para manter a população com medo. A ameaça só funciona como arma depois que o terrorista já provou ser capaz de cometer atos insanos”.
Leia mais:
Não sorria nunca de um preconceito
Sobrevivente de massacre na Noruega escreve para atirador: 'Você fracassou'
Ideias de Breivik ganham apoio público entre políticos europeus de extrema-direita
Massacre na Noruega: adolescente faz relato arrepiante e diz que seguirá na política
Insanidade
A instabilidade mental é uma condição muito usada por Magnus Ranstorp para se referir ao extremista norueguês. “Eu gastei horas para ler as mais de 1500 páginas do manifesto que ele escreveu e digo que Breivik vive em um mundo inventado. Como em um jogo de computador, ele criou uniforme e medalhas para quem matasse mais e disse quantas pessoas deveriam morrer em cada país. Os alvos desse insano não são apenas os imigrantes, são professores de universidades, jornalistas e políticos liberais que apoiam a imigração”.
Magnus descreve seu manifesto “2083…” como uma obra de fantasia. “Ele passou muitos anos escrevendo esse texto e o resultado é deprimente. A primeira metade é entediante e o final (onde gasta duzentas páginas em uma entrevista feita com si mesmo) mostra o quanto Breivik é narcisista. Mas é o meio que revela a cabeça doente desse rapaz. É praticamente um guia no estilo 'faça você mesmo' sobre atos terroristas. Ele não pensou no ataque desde o começo. Quanto mais escrevia, mais se envolvia naquela realidade absurda e isso o levou a colocar o plano em prática”.
O manifesto de Anders Breivik não exclui quem quiser seguir sua ideologia sem se utilizar de métodos violentos. Mas incentiva essas pessoas a divulgar a causa por meio de grupos de discussões e agremiações de jovens. O norueguês afirma que não ama a violência, apenas a usa como autodefesa. Ele pede a adoção de leis que permitam o porte de armas aos cidadãos, como nos Estados Unidos, e fala em desmantelar a União Europeia.
O assassino ainda propõe a criação de um exército baseado em princípios cristãos que teria o objetivo de combater a invasão da Europa pelos muçulmanos e evitar a formação da 'Eurábia', o conceito imaginário de um continente europeu onde a cultura ocidental seria, gradativamente, substituída pela islâmica. Para isso, Breivik deixa clara a predileção por métodos brutais, assassinatos e até o uso de armas de destruição em massa “para humilhar e destruir o sistema multiculturalista (…) É aí que mora o perigo”, afirma Magnus.
A exceção da extrema-direita
Para Magnus, Breivik representa a exceção e não a regra dentro dos círculos de extrema-direita. “Tradicionalmente esses grupos são desorganizados e impulsivos. Isso tem se manifestado por ações localizadas de crimes de ódio contra imigrantes. Esses atos esporádicos, regularmente praticados por pessoas de baixa escolaridade, são mais facilmente contidos pela polícia e pelos serviços de segurança. Breivik é o exato oposto disso. Os nove anos de preparação para criar o longo manifesto e a violenta ação que matou tantas pessoas contrariam nossas visões tradicionais. Ele argumenta contra a ação impulsiva de perseguição aos imigrantes, em favor de ataques espetaculares e bem preparados”.
Brooke Rogers acha que os grupos de extrema-direita partilham de algumas idéias de Breivik, mas que nem todos concordam com o uso da violência. Segundo ela, os direitistas o consideram extremista demais e pensam que ele poderia prejudicar o trabalho dos demais. Por isso, a professora acredita que o atirador agiu sozinho.
Sobre o manifesto, ela diz que são as ideias radicais que levam ao terrorismo: “É claro que o diálogo é possível para defender qualquer causa. O problema maior do manifesto é a proposta. A mudança social que ele quer é grande demais para ser alcançada de forma simples. Não se transforma completamente uma sociedade sem medidas extremas, nem mesmo em quase um século, como ele sugere. É aí onde entra o terrorismo, como um abalo sísmico para destruir os pilares que levaram anos para serem construídos”.
Curiosamente, Magnus Ranstorp também usa um fenômeno natural para descrever a situação. De acordo com ele, as ações e o pensamento de Breivik podem ser consideradas uma “tempestade perfeita”. O termo, que foi criado pelo autor Sebastian Junger e virou um filme (Perfect Storm, no original em inglês; Mar em Fúria, na versão brasileira) expõe uma rara combinação de fatores que resulta no pior cenário possível.
Siga o Opera Mundi no Twitter
Conheça nossa página no Facebook
NULL
NULL