O padrão japonês-brasileiro de TV digital adotado pelo Peru, Argentina e Chile tem recebido críticas pelos aspectos técnicos e preços dos conversores que não se adequam às características dos países. Para o especialista Eduardo Villanueva, a escolha por esse modelo de TV digital se deu porque o presidente peruano, Alan García, quis mostrar que o Brasil era grande parceiro do Peru.
“Parte da lógica do governo de García é de nos convertermos nos principais aliados do Brasil. Se o padrão fosse somente japonês, não teria acontecido. Há interesse (brasileiro em projetos de infraestrutura) na hidrelétrica de Inambari (na fronteira comum), a Estrada Transoceânica; a ideia é de que Brasil é o futuro e precisa de uma parceria estratégica”, comenta Eduardo Villanueva, professor de Tecnologia da Informação da Universidade Católica do Peru.
Villanueva ressalta que, no momento da escolha do padrão, Peru só tinha avaliado questões técnicas, mas não políticas. “Assim, decidiu-se baseado nas estratégias de longo prazo que convinham mais. A Comissão Europeia demorou para oferecer ao Peru cooperação e linhas de crédito, e só o fez ao final, quando reconheceu que já estava perdendo na concorrência de padrões”.
Segundo o professor, o governo dos Estados Unidos não interveio na promoção do padrão norte-americano e deixou isso a cargo das corporações.
Além disso, Villanueva lembra que não se justificava a importância dos critérios de portabilidade e mobilidade no padrão procurado. “No Japão, as pessoas passam muito tempo no transporte, não há muito crime e precisam se comunicar nesses lapsos, e as casas não têm espaço para plasmas de 30 polegadas. Não é o caso nem do Brasil e nem do Peru”.
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Vantagens e desvantagens
A principal vantagem deste modelo de TV digital é também um obstáculo: o sinal de transmissão pode chegar grátis aos celulares, mas isso não significa uma oferta de serviços e conteúdos diferenciados para cada meio (LCD, plasmas e celulares). A explicação é de Alexander Chiu, membro da equipe técnica do Conselho Consultivo de Rádio e TV do Peru, órgão que difunde a lei de rádio e televisão no país.
Chiu tem revisado os informes técnicos previstos para a adoção do padrão japonês-brasileiro no Peru. Ele disse ao Opera Mundi que “o padrão chinês é o melhor de todos, mas não ganhou porque no momento da avaliação – em abril de 2009 – oficialmente não tinha as opções de mobilidade e portabilidade”.
Neste mesmo período, Villanueva avaliou o sistema europeu de TV digital (Coalizão DVB-T), comparou os preços dos conversores no mundo e defende que “ficava claro que um defeito do ISDB-T [sigla em inglês do Integrated Services Digital Broadcasting-Terrestrial: modelo japonês] era o alto custo dos conversores, cerca de 80 dólares”.
Outra dificuldade apontada por Villanueva é que o serviço para recepção do sinal televisivo nos celulares poderia levar a uma disputa entre os broadcasters e as operadoras de telefonia móvel. “O aspecto é delicado: os broadcasters podem resultar concorrentes diretos dos serviços de vídeo dos operadores da telefonia”, opinou.
No Fórum Internacional, os broadcasters afirmam que não vão cobrar por levar o sinal até os celulares e que isso é possível por conta do sistema Ginga, desenvolvido pelo Brasil. Até agora, as corporações telefônicas não têm se manifestado.
Exemplo brasileiro
O ministro brasileiro das Comunicações, Hélio Costa, reconheceu – em declarações ao Opera Mundi – que há dois anos houve um problema na implementação da TV digital no Brasil. “O sistema de interatividade brasileira usava uma ferramenta europeia e cada emissora de TV tinha que pagar cem mil dólares para poder utilizá-la. Tivemos que tirar a ferramenta, devolver aos europeus e colocar uma ferramenta norte-americana Java: isso atrasou um pouco a preparação do sistema brasileiro, mas já foi superado”.
A Argentina adotou este padrão de TV digital no fim de agosto. O Chile, há menos de um mês. E o Peru, em abril.
O presidente peruano, Alan García, animou o Equador a seguir na ‘onda’ mostrada por Chile, Argentina e Peru: “Há uma aposta coletiva, talvez de outros países, como Equador também. Isso significa que estamos aprendendo a tomar decisões para a integração”.
Recentemente, Lima sediou o evento da criação do Foro Internacional de Televisão Digital Terrestre. Na ocasião, cerca de 500 fabricantes, provedores, representantes de governos e broadcasters envolvidos com o padrão ISDB-T chegaram a acordos de cooperação e linhas de crédito e também chamaram outros países da região a aderir ao padrão com fins de integração e redução de custos.
César Gallegos, gerente de uma corporação japonesa no Peru, disse ao Opera Mundi que “está se copiando o que Brasil fez. Cada país cria um foro ISDB-T e esses integram o foro internacional para tomar decisões no futuro, aprendendo com o que aconteceu no Japão e no Brasil”.
O ministro Hélio Costa informou que entre os membros do Fórum de TV Digital do Brasil que participaram do evento há empresários interessados “em transferir tecnologia para implantar pequenas indústrias de fabricação de conversores e transmissores, como aconteceu no Brasil há dois anos e meio”.
Implantação
No Peru, as principais emissoras de TV aberta já anunciaram transmissões experimentais de televisão digital para 2010. A América TV e o Canal do Estado, farão a experiência durante o Mundial de Futebol, e o Frecuencia Latina, no Mundial de Vôlei.
Javier Urrutia, gerente da Frecuencia Latina, disse ao Opera Mundi que comprou um switcher em alta definição e algumas câmeras, mas ainda faltam transmissores. “Os provedores são quase sempre os mesmos, mas vamos procurar quem dê as linhas de crédito mais interessantes. Cada empresa tem que investir de 15 a 20 milhões de dólares”.
O ministro das Comunicações do Peru, Enrique Cornejo, anunciou um acordo com Japão para auxílio financeiro aos órgãos públicos e ao setor privado (broadcasters) na passagem da tevê analógica à digital. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) do Brasil também ofereceu 500 milhões em linhas de crédito para os mesmos fins.
O apagão analógico está programado para ocorrer entre 2017 e 2019 no Chile e 2030 no Peru.
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