Os ataques de 11 de setembro de 2001 deram um novo significado à palavra terrorismo. O terror acertou em cheio o povo norte-americano e, a partir daquele dia, qualquer ligação com esse tipo de ação passou a ser sinônimo de inimizade com o país. Mas, até 2001, eram exatamente dos EUA que vinha a maior parte da ajuda a uma das organizações terroristas mais atuantes e conhecidas da Europa: o IRA (Exército Republicano Irlandês). Por mais de 30 anos, o grupo paramilitar irlandês promoveu sequestros e atentados contra britânicos para libertar a Irlanda do Norte e integrá-la à independente República da Irlanda.
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Quase 40 milhões de norte-americanos dizem ter descendência irlandesa, com isso muitos são simpáticos à causa do IRA. Ricos empresários e até trabalhadores de classe média teriam ajudado o grupo com o envio constante de armas e de grandes quantias em dinheiro durante vários anos. O IRA encontrava simpatizantes mesmo dentro do governo dos EUA, que facilitaram a concessão de visto para integrantes da organização.
“A tragédia de 11 de setembro resolveu de vez essa dupla relação, pois trouxe o fim do apoio à luta armada.”, afirmou ao Opera Mundi o jornalista Edmund Moloney, autor do livro A História Secreta do IRA. “Após os ataques, o então presidente [George W.] Bush mandou uma mensagem clara para o mundo: ‘Ou vocês estão a favor do terrorismo ou estão com a gente.’ Ou seja, a partir daquele momento, o IRA não poderia continuar sendo uma organização terrorista.”
Edmund mora nos EUA e estava em Nova York no dia dos atentados. Ele lembra que o grupo paramilitar já havia começado um processo de cessar-fogo em 1994 e também participou das negociações políticas que levaram ao Acordo de Belfast, ou Acordo da Sexta-feira Santa, em 1998, que selou o fim do período de turbulência entre separatistas católicos e protestantes favoráveis ao domínio britânico.
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“Mas o cessar-fogo já não era suficiente. O IRA queria entrar cada vez mais na política, por meio do partido Sinn Féin, porém, havia uma cobrança externa muito grande. As pessoas diziam 'se a guerra acabou, se a intenção de paz é genuína e vocês querem fazer parte do governo, então não precisam mais de todo esse armamento e devem destruí-lo.'”
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“Os atentados nos EUA forçaram o IRA a encerrar de vez o uso das armas.”, reforçou o professor Richard English, diretor do Centro de Terrorismo e Violência Politica da Universidade de Saint Andrews, no Reino Unido, e autor do livro Conflito Armado: A História do IRA. De acordo com Richard, os simpatizantes do IRA nos EUA, assim como a opinião política internacional, tornaram mais difícil para a organização irlandesa se manter ambígua em relação ao terrorismo. Logo, o desarmamento do grupo se tornou mais rápido como resultado do 11 de Setembro, o que consequentemente deu fim ao conflito armado deles contra o estado britânico.”
Mudança forçada
Em agosto de 2001, menos de um mês antes dos atentados nos EUA, o IRA se recusou a entregar as armas e divulgou um comunicado que dizia: “Nossa liderança havia concordado com o esquema da Comissão Independente Internacional de Desarmamento para abandonar completamente o uso de armas… mas a falha do governo britânico em cumprir seus compromissos é inaceitável. Portanto, não existem mais as condições necessárias para o progresso do acordo e nós estamos retirando nossa proposta.”
O documento, assinado por P O’Neill – um provável pseudônimo -, foi sucedido por outro, apenas um mês mais tarde, em 20 de setembro, que começava assim: ‘Em primeiro lugar, gostaríamos de expressar nossa simpatia com o povo dos EUA, especialmente com as famílias e amigos das vítimas dos deploráveis ataques a Nova York, Washington e Pensilvânia.’ Na sequência, o mesmo P O’Neill dizia que não apenas retomaria os trabalhos para o desarmamento do IRA, como também iria intensificá-los.
Segundo Edmund, o IRA estava no meio de um fogo cruzado, pois precisava ganhar confiança política e só conseguiria isso se desistisse das armas. “Mas muitos apoiadores do grupo eram radicais, por isso os líderes tinham que convencer essas pessoas que, se não conseguissem atingir os objetivos por meios pacíficos, voltariam a usar a violência. Isso fez com que o IRA se dividisse. Só que a pressão dos norte-americanos acabou sendo maior”, explicou o jornalista
“Se os ataques aos EUA não tivessem acontecido, não sei quando e como o processo de desarmamento teria acontecido”, disse Edmund. “O IRA ainda existe e, na minha opinião, mantém armas escondidas para autodefesa. Mas eles não explodem bombas nem realizam tiroteios. No começo deste ano, um policial morreu em um atentado na Irlanda do Norte, mas isso foi obra de grupos dissidentes. Sem o 11 de Setembro, a divisão do IRA seria ainda maior e mais violenta.”
Os diferentes tipos de terrorismo
Apesar da influência dos episódios de setembro de 2001 na história do IRA, a semelhança entre os paramilitares irlandeses e o grupo responsável pelos ataques aos EUA está mais na palavra terrorismo do que nos tipos de ação. “Os atentados da Al Qaeda são projetados para matar o maior número possível de cidadãos, incluindo civis. Os alvos do IRA, por outro lado, são militares ou políticos. Eles mataram muitos inocentes como efeito colateral, é verdade, mas quando isso acontecia, eles eram altamente criticados pelos próprios membros”, afirmou Edmund.
Independentemente das causas, a batalha armada do IRA acabou e deu lugar a outra que tanto pode ser considerada menos quanto mais perigosa, dependendo do ponto de vista. É o que afirma Edmund, que resume em duas frases a situação atual do ex-grupo terrorista: “O IRA abandonou as armas. A luta deles agora é para ganhar eleições.”
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