O governo da Argentina deu um passo decisivo para poder contrair dívidas novamente nos mercados financeiros ao aceitar que o Fundo Monetário Internacional (FMI) volte a avaliar a economia do país, como faz rotineiramente com outros sócios. A administração de Cristina Kirchner está convencida de que, para retomar o rumo de um crescimento econômico vigoroso, é preciso aumentar o investimento, deteriorado à medida que a inflação disparava e era maquiada pela manipulação das estatísticas oficiais.
O entendimento com o FMI ocorreu num contexto de negociações duras e declarações críticas destinadas a criar na opinião pública a sensação de que o país “não se rende” ao organismo. O próprio ministro da Economia, Amado Boudou, declarou há três dias, ao chegar a Istambul para a reunião anual da organização: “Não precisamos de um vice-rei que vigie nossos gastos”. Ontem, contudo, em reunião com o diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, ele concordou que os técnicos do organismo façam o que o trabalho de rotina. O governo parece ter obtido apenas o compromisso de que a primeira missão se esforçará para manter um perfil bem discreto no período que passar em Buenos Aires, abrindo os livros de contabilidade. A visita acontecerá entre o Natal e as férias de verão, para não contribuir para o enfraquecimento político de Cristina.
O governo mantém uma prolongada e desgastante batalha com os meios de comunicação mais poderosos da Argentina e o temor é o de que estes – especialmente o Clarín – transformem a próxima visita em um espetáculo de três ou quatro dias, televisionando desde o pouso do avião com os técnicos até sua partida, passando por todas as escalas da viagem, que incluirão, inevitavelmente, o vice-presidente Julio Cobos – paradoxalmente, o político opositor com melhor imagem pública – e as câmaras que reúnem os proprietários de terras e de atividades agrícolas, catalisadores da insatisfação de toda a população rural, onde o governo obtém os piores números eleitorais.
Desligamento do FMI
Em 2005, o então presidente Néstor Kirchner, numa campanha para fortalecer a figura presidencial – abalada desde a explosão social de 2001 -, decidiu barrar as auditorias anuais do FMI. Um ano depois, em pleno boom da soja e com superávit nas contas nacionais, pagou de uma só vez toda a dívida com o organismo, de cerca de 9,3 bilhões de dólares. Com o pagamento, a Argentina exigiu também o fechamento do escritório do FMI em Buenos Aires. Não obstante, o país não deixou de pertencer ao organismo, mas continuou participando das reuniões anuais.
Mas os vencimentos de títulos públicos começaram a pesar sobre a Argentina e, num contexto de freio do crescimento e queda das receitas com exportações e impostos internos, o país teve de apelar para empréstimos do governo do venezuelano Hugo Chávez – que cobra a mesma taxa de um crédito privado – e se financiar com o dinheiro das aposentadorias, pois não tem acesso aos mercados voluntários de dívida desde 2002, quando decretou a moratória do pagamento de cerca de 100 bilhões de dólares, e apesar da reestruturação de 76% desses títulos três anos depois.
Boudou, que assumiu o cargo em julho, iniciou refinanciamentos de dívidas soberanas a fim de aliviar a agenda de pagamentos até pelo menos 2011, quando termina o mandato de Cristina. Para garantir este isso, além de restaurar o vínculo com o FMI, o governo reabrirá a troca de dívida de 2005 para incorporar os detentores que neste momento ficaram de fora (os holdouts) e buscará reestruturar a dívida em calote com os Estados do Clube de Paris.
Inevitavelmente, o país deverá restabelecer a confiabilidade das estatísticas nacionais, com as quais os técnicos do FMI poderão fazer um banquete.
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