No epicentro da crise dívida pública que atemoriza a União Europeia, a Grécia passa por uma semana difícil. O país está dividido entre as exigências dos demais da zona do euro para que adote medidas duras e impopulares em troca de ajuda; e a instatisfação popular, contrária à adoção de uma série de medidas de austeridade, necessárias para receber os pacotes de salvamento. Tudo isso em meio a protestos nas ruas e o temor que o país, mesmo com a ajuda, entre em moratória.
Nessa terça-feira (27/09), o parlamento grego adotou mais uma dura medida de arrocho fiscal que terá a população grega como a principal afetada: o parlamento aprovou um novo imposto imobiliário, que planeja arrecadar 2,4 bilhões de euros anualmente a ser cobrado nas contas de luz. Quem não concordar terá a energia elétrica cortada. A medida também serviu para liberar oito bilhões de euros, parte do primeiro pacote de ajuda (totalizado em 110 bilhões de euros), que servirá para pagar salários e aposentadorias do mês de outubro a seus funcionários públicos.
No mesmo dia, o primeiro-ministro Georges Papandreou fez um apelo humilhante, em Berlim, implorando ajuda aos países europeus (e em especial aos alemães) em troca do “dever de casa”, termo usado pela chanceler germânica Angela Merkel para denominar as medidas de austeridade.
Nesta quarta-feira (28/09), o parlamento finlandês aprovou a ampliação do Feef (Fundo Europeu de estabilidade financeira), atendendo ao pedido dos gregos. Na quinta-feira, a medida será votada no parlamento alemão – essa medida precisa ser aprovada pelos 17 integrantes da zona do euro.
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Entretanto, nada mais parece ser suficiente. A cada concessão feita aos mercados financeiros e à troika (União Europeia, Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu), responsável pelos aportes financeiros de bilhões de euros, aumenta o nível de rumores e exigências públicas ao país mediterrâneo, que passa não somente a ter sua credibilidade econômica colocada em dúvida por seus vizinhos, assim como também a imagem de seu próprio povo.
Resistência
Em meio a tanto sofrimento, muitos analistas econômicos, como Éric Toussaint e Mark Weisbrot questionam a validade tanto das medidas de austeridade tomadas pelos gregos (e portugueses, irlandeses, espanhóis e italianos, temerosos de um efeito dominó) quanto a necessidade desses países em pagar toda a dívida. Especialistas entrevistados pelo Opera Mundi concordam e defendem uma reestruturação da dívida, a qual consideram injusta e ilegal.
“É importante lembrar que a crise na Grécia e na zona Euro, e que também atinge os EUA começou, na verdade, em
“Qual foi a atitude tomada pelos EUA e a União Europeia? Endividaram os países e salvaram os bancos. Depois que todos assumiram, os países chamados periféricos (Grécia, Portugal, Irlanda e Espanha) foram os primeiros a arrebentar porque tinham menos gordura para queimar. E os próprios bancos começaram a fazer apostas nos títulos das dívidas desses países, forçando o aumento dos juros”.
Para o francês Alexis Saludjian, professor de economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), as medidas de austeridade impostas por organismos como o FMI, além de se mostrarem totalmente equivocadas, só dificultarão o pagamento dessas dívidas, já que se tornarão um importante entrave ao crescimento. “Nem eficientes nem suficientes. Trata-se de medidas que visam satisfazer setores políticos e econômicos com interesses diretos e privados na especulação disfarçando-os de interesses públicos. Essa crise é resultante exatamente dessa publicidade dada aos interesses dos mercados”, afirma.
“A discussão sobre as conseqüências de um calote da dívida pública diz respeito a como os bancos e demais instituições financeiras vão distribuir seu prejuízo para os demais atores dessa equação, como as emrpesas, os trabahadores e os governos. Governos liberais e mesmo os supostamente mais 'progressistas' fazem de tudo para preservar o quadro regulador sob a bandeira da 'liberdade do empreendorismo'. Quando as ações desses grupos se beneficiam de uma regulação governamental liberal, elas levam os países a uma crise financeira (que já era prevista)”, explica o professor.
“Existe um movimento cidadão e acadêmico pelo mundo que defende a seguinte posição: não deverão ser os Estados e trabalhadores que deverão pagar pelas decisões dos bancos, instituições financeiras e especuladores. Não deve caber ao Estado e a seus recursos financeiros públicos salva-los. Há uma série de regulamentações sobre falências, assim como, se um banco quebrar, haverá uma série de outras instituições para ocupar seu espaço. Que alguns percam. O risco faz parte das atividades deles, que são em geral imateriais e parasitárias. Não devemos socializar suas perdas, pois seus ganhos são sempre privados”, protesta.
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Saludjian lembra que os interesses particulares que rondam os Estados, meios acadêmicos e financeiros tendem frequentemente a propagar a teoria que o risco de transmissão de uma crise financeira a uma crise econômica real (que diz respeito à questões como produção, emprego,etc.) é grande demais para valer a pena e que as consequências seriam catastróficas. Portanto,vende-se a ideia que salvar os bancos salvaria a economia de um país como um todo. Salvo que esse resgate dos bancos e especuladores passa por políticas de austeridade que resultam em regressão social para grande parte dos trabalhadores”.
“O endividamento público, que deveria trazer recursos para o Estado, está sangrando. Deixou de ser investimento para tornar-se transferência de recursos do setor público para o setor privado. O Estado não pode ser colocado a serviço da especulação financeira”, diz Fattorelli
Conseqüências para a Grécia
Os especialistas não acreditam que o calote seria tão catastrófico quanto o propagado. “As instituições financeiras dispõem de recursos consideráveis em comparação aos trabalhadores na Europa, que sofrem de décadas de regressão social. A estratégia da mídia de terror – ou seja, ou salvamos os bancos e os especuladores ou é o fim do mundo – também funciona para Portugal e Irlanda. É muito importante lembrarmos hoje que, durante anos, estes países foram apresentados como os grandes exemplos de desenvolvimento e integração às nações mais desenvolvidas no seio da União Eurpeia.Essa imagem era usada para validar a política ultraliberal da Comissão Europeia em Bruxelas”, diz Saludjian.
“A Grécia enfrentava problemas pontuais muito anteriores à crise: baixo crescimento econômico em comparação aos outros países europeus, além de uma crise política e social. A entrada do país na zona Euro retirou das mãos dos gregos um instrumento forte da política econômica, que a desvalorização da moeda, assim também estimulou o desenvolvimento do setor financeiro, bancário e especulativo. Bancos e especuladores têm acumulado fortunas colossais em toda a zona euro”, explica Saludjian.
Exemplo sul-americano
A solução, para Fattorelli, seria a realização de uma auditoria para que os Estados – traduzindo-se, as sociedades – paguem apenas o que realmente devem. “Muitos valores que estão sendo imputados a esses países não fazem parte da dívida”. Ela esteve na Grécia em maio, quando participou de debates sobre o tema, e teve contatos com grupos ativistas que contavam como a população de fato tem sofrido com a instabilidade. Afirma ter testemunhado histórias humanas sobre a crise, como o relato de jovens estudantes que testemunharam o suicídio de muitos de seus colegas. E também sobre histórias de diversas mulheres que, por preceitos machistas foram as primeiras a serem afetadas pelas medidas de austeridade.
Entretanto, os especialistas lembram de um recente caso de calote parcial da dívida que acabou bem-sucedido:o Equador em 2007. “Tive o prazer de participar da experiência de renegociação da dívida do Equador e posso dizer que é um exemplo que serve para o mundo”, diz Fattorelli.
“Mas devemos lembrar que não foi fácil para eles realizarem essa auditoria, pois o país sofreu fortes pressões e até mesmo uma tentativa de golpe de Estado. No caso grego, o agravante é que o país integra a zona euro, portanto, o montante em questão e os interesses dos setores especulativos são muito mais elevados. Repetir essa experiência seria tocar no epicentro do sistema econômico capitalista”, alertou Saludjian.
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