A saída para a maior crise política vivida pelo Chile desde a redemocratização pode estar num acordo entre o governo e os estudantes para a criação de “descontos escalonados” e a ampliação do programa de bolsas de estudo, que aliviem a situação das famílias de quase 200 mil jovens que hoje têm dívidas impagáveis com suas universidades. Dificilmente os protestos e paralisações escolares que já duram cinco meses levarão o Chile a adotar um modelo de gratuidade universal na educação pública de nível superior, como o que existe hoje no Brasil, mesmo que o mote da “educação grátis” ainda figure na maioria dos cartazes levantados nos protestos em Santiago.
A análise, feita ao Opera Mundi pelo professor Rolando Pinto, diretor do Programa de Pós-Graduação da Universidade Metropolitana de Ciências da Educação, de Santiago do Chile, coincide com uma mudança recente no equilíbrio de forças entre líderes do movimento estudantil.
Leia mais:
Após protestos, Chile reajusta em 7,2% orçamento para educação
Popularidade de presidente chileno despenca novamente e registra 22%
Movimento estudantil inicia nova mobilização no Chile
Movimento estudantil chileno estuda novas formas de mobilização
Presidente chileno diz que 70 mil estudantes do ensino médio perderão o ano letivo
Depois de quase meio ano de protestos, milhares de detidos e a ameaça constante da perda do ano letivo, setores mais moderados começaram a ganhar maior protagonismo. A nova dinâmica coincide com o início de novo ciclo de negociações diretas com o governo. A primeira reunião foi realizada ontem e a próxima deve ocorrer na quarta-feira.
“Há muitas visões diferentes dentro do mesmo movimento. Os mais radicais não querem nem negociar, eles defendem a realização de um plebiscito nacional (que é proibido pela Constituição de 1980, redigida durante a ditadura Pinochet)”, explicou o professor. “Mas a verdade é que, aos poucos, foi emergindo um consenso sobre uma plataforma mínima, que parece estar fundamentada na gratuidade do ensino superior”.
O termo “gratuidade” tem, entretanto, significado diferente para os diferentes interlocutores. De acordo com o professor, os líderes estudantis “sabem que os mais pobres não podem financiar com seus impostos a educação dos estudantes mais ricos”. A saída seria, portanto, atribuir pontos aos estudantes, numa grade de vulnerabilidade social, onde a gratuidade, os descontos, as bolsas e os financiamentos seriam repartidos de forma escalonada.
“Não pode haver educação grátis para todos. Não é justo e não temos os recursos”, avisou ontem o ministro da Fazenda do Chile, Felipe Larraín. A declaração foi feita no mesmo dia em que o presidente Sebastián Piñera anunciou um aumento de 7,2% no orçamento da Educação para o ano de 2012. O valor total para o setor será de 11.650 bilhões de dólares. Além disso, o governo promete reduzir os juros para o financiamento da Educação de 6% para 2%.
Capitalismo sem recuo
Para Pinto, o anúncio é vago demais e serviu para “colocar uma espada sobre a cabeça dos líderes estudantis”, que terão de se explicar, caso escolham apenas criticar a liberação de mais verba.
“Não se trata apenas de anunciar mais dinheiro. É preciso saber qual o uso social que se dará a este recurso. Não sabemos ainda para aonde esse dinheiro vai. E os estudantes devem seguir atentos a isso”, disse o professor.
Ele aposta que o governo aceitará fazer uma reforma tributária para aumentar o financiamento da Educação, alterando até mesmo a repartição dos recursos do cobre, principal produto de exportação do país, mas duvida que o presidente Piñera se arrisque a tirar recursos das Forças Armadas para atender a demanda dos estudantes, como defendem alguns líderes do movimento. “Seria simbólico demais”, disse.
Do lado dos estudantes, o ímpeto continua o mesmo. Pelo menos no discurso. “A principal demanda do movimento é a gratuidade na educação. Há uma convicção certeira e todas as expectativas de que, como movimento estudantil, conquistaremos uma mudança. A volta às aulas será uma consequência natural disso”, disse nesta sexta-feira (30/9) o presidente da Feuc (Federação de Estudantes da Universidade Católica do Chile), Giorgio Jackson. “O Estado chileno é signatário do Tratado Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que, em seu artigo 13, letra C, diz que a educação superior terá de ser progressivamente gratuita. Queremos ver como o Estado chileno vai chegar a isso”, complementou.
Mas mesmo a declaração de Jackson aponta para a educação “progressivamente” gratuita, o que abre a porta para medidas intermediárias, que permitam uma saída negociada para o impasse.
Ajuda aos bancos
“Haverá uma forte injeção de recursos, mas para seguir financiando diretamente os bancos (que operam no mercado do crédito educativo). O governo mantém a lógica de manter os estudantes endividados, simplesmente baixando um pouco os juros”, disse Sebastián Farfán, secretário-geral da Federação de Estudantes da Universidade de Valparaíso.
Pinto concorda com a análise do estudante. “No fundo, estamos falando do que é possível que aconteça porque é bastante óbvio que o governo vai se mover dentro do que se espera de um governo de direita. As famílias continuarão arcando com a fatia mais pesada. O Estado administra o jogo dentro destas regras. Não devemos ter nenhuma ilusão a respeito disso”.
Siga o Opera Mundi no Twitter
Conheça nossa página no Facebook
NULL
NULL
NULL