O presidente do Chile, Sebastián Piñera, apresentou, em caráter de urgência, um projeto de lei que estabelece pena de até três anos de cadeia para estudantes que ocuparem escolas e universidades como forma de protesto. A reforma, que será enviada ao Legislativo, também prevê penas específicas para quem interromper o tráfego ou serviços públicos, desrespeitar a polícia e lançar bombas incendiárias, com agravante para os que cometerem estes crimes usando capuz na cabeça.
“Claramente, o governo está dedicado a reprimir e criminalizar os movimentos sociais. É um projeto populista e inconstitucional”, disse ao Opera Mundi a professora de Justiça Criminal da Universidade Diego Portales de Santiago, Alejandra Mera. A Associação de Magistrados do Chile também protestou contra o anúncio e disse que todos os crimes mencionados por Piñera já se encontravam tipificados no direito penal chileno antes.
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A repressão está dirigida aos milhares de jovens que há cinco meses mantêm o governo contra as cordas, na maior onda de protestos desde o fim da ditadura Pinochet, em 1990. Eles reivindicam gratuidade no ensino superior, como parte de um amplo pacote de reformas no sistema educacional.
A mão dura de Piñera – primeiro presidente de direita a governar o Chile em mais de 50 anos – emerge no momento em que sua popularidade cai de forma ininterrupta, tendo alcançado na semana passada o índice mais baixo desde a redemocratização, apenas 22%.
“Quem pretenda atentar contra a tranquilidade e a vida normal dos cidadãos ou contra a propriedade pública ou privada vai encontrar uma legislação dura e firme que estabelecerá os castigos que correspondem a atos criminais”, disse o presidente, em cerimônia oficial no Palacio de la Moneda.
Para entrar em vigor, o projeto deve passar antes pela Comissão de Constituição e Justiça antes de ser votado no Parlamento. Se passar em todas estas instâncias e entrar em vigor, o Chile pode ser levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que pode propor uma revogação negociada das novas normas. Se falhar, o caso pode parar na Corte Interamericana de San José das Costa Rica, onde o governo chileno já enfrenta outras quatro condenações por atos do seu Poder Judiciário.
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“É um cenário bastante complicado. Estamos vendo os direitos constitucionais serem fragilizados pelo governo. Trata-se de uma aposta numa linha punitiva e criminal, que busca resolver os problemas sociais por meio da ação judiciária, sem solucionar as demandas de fundo”, disse Alejandra.
A divulgação do projeto de lei coincide com o lançamento, hoje, do Informe Anual de Direitos Humanos da Universidade Diego Portales. O documento chama a atenção justamente para a criminalização dos movimentos sociais no Chile, fenômeno acentuado pelos últimos movimentos do governo Piñera tanto em relação aos estudantes quanto ao movimento indígena Mapuche, que reivindica a posse de territórios ancestrais na Região da Araucania, 700 quilômetros ao sul de Santiago.
O documento pode ser encontrado na íntegra aqui. Alejandra é a autora do capítulo sobre Justiça Criminal e Direitos Humanos.
Negociação tensa
O clima de tensão e desconfiança entre o governo e o movimento estudantil deu sinais de que poderia se dissipar depois do início das primeiras negociações diretas em cinco meses de paralização. Mais de 50 mil estudantes correm o risco de perder o ano letivo.
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Na quarta-feira (05/10), o ministro da Educação, Felipe Bulnes, recebe novamente os estudantes, num encontro que terá como ponto central a negociação sobre a gratuidade na educação. O anúncio da criminalização dos movimentos estudantis pode tornar o ambiente ainda mais tenso às vésperas do encontro. Das últimas vezes, as rodadas de negociação foram marcadas por marchas multitudinárias na capital, Santiago, e nas principais regiões do país. Invariavelmente, os protestos têm terminado com choques entre manifestantes e força policial.
Agora, os movimentos sociais planejam realizar um plebiscito de caráter consultivo e informal em todo o país nos dias 7 e 8 de outubro. A causa dos estudantes conta com o apoio de mais de 80% dos chilenos.
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