A lei de radiodifusão sancionada essa madrugada pelo Senado argentino implicará em um recorte contundente no poder do Grupo Clarín, o principal conglomerado de mídias do país. A organização de mídia, para minimizar ou retardar os efeitos da nova norma, implantará na terça-feira (13) sua última jogada para pressionar os tribunais e reverter o quadro de desvantagem.
A votação foi concluída com 44 a favor e 24 contra e deixou claro pelo menos dois pontos. O primeiro, que o casamento de Cristina e Néstor Kirchner mantém um enorme controle político na Argentina, apesar da derrota nas eleições legislativas de 28 de junho, e que a lei gerou mais apoios que rejeições na sociedade civil. Em alguns casos, uma indiferença enorme. Por isso, muitos senadores que não são do governo, que foram fundamentais para a aprovação da lei, puderam se submeter ao convite do Executivo ou às pressões para acompanhar a iniciativa, sem comprometer o apoio eleitoral. Um caso emblemático da última votação foi quando o Senado recusou-se a aumentar os impostos à exportação de grãos, visando enfraquecer o governo. Os senadores, em seguida, tiveram que ceder.
Cristina Kirchner rompe com essa votação histórica uma tradição da política argentina de indicar que todo governo que perde uma eleição no meio do mandato está condenado a avançar até o fim como um pato manco, se não, tendo que entregar o cargo antecipadamente. A inovação não apenas prova a capacidade de sobreviver dos Kirchner, mas também evidencia o acúmulo de ódio que fez, durante anos, o grupo Clarín avançar como um exército implacável sobre os negócios de mídia e, em seguida, da internet.
A lei foi apoiada por centenas de organizações cívicas, não-peronista, não Kirchneristas, universidades, inúmeros atores e músicos populares e muitos jornalistas reconhecidos e valorizados pelos telespectadores e leitores de mídia. Todos os quais, de uma forma ou de outra, vítimas das ações do grupo. Dezenas de milhares de pessoas se concentraram em frente ao Congresso para comemorar a vitória. Dias atrás, uma manifestação contra a lei reuniu duzentas pessoas. Os políticos da oposição admitem, em off, o grande serviço que lhes faz o kirchnerismo reduzindo o poder do Clarín.
Quando a lei ainda era um projeto, Gabriel Mariotto proprietário da Comfer (Comitê Federal de Radiodifusão), a denominou a “mãe de todas as batalhas”. Uma inferência do pensamento bélico que caracteriza o ex-presidente Néstor Kirchner, que acredita que o Clarín é mais do que a soma de todos os adversários políticos e que, portanto, após a derrota nas eleições legislativas, tinha de bombardear a sede do descontentamento popular que gerou este resultado. Kirchner era candidato ao cargo de deputado pela província de Buenos Aires.
Mudança na relação
Durante o governo de Kirchner (2003-2007), o apoio da mídia foi muito importante, especialmente do Clarín. Mas a partir de 2008 e, em especial, durante o conflito com o campo na tentativa de aumentar a retenção, a relação deteriorou-se. Kirchner acusou o Clarín de instigar o conflito por meio do jornal de mesmo nome e principalmente, com o canal de notícias, Todo Noticias, TN, ao qual Kirchner renomeou como Todo Negativo.
De acordo com Kirchner, a derrota eleitoral se deveu mais ao poder de fogo do Clarín do que às virtudes da oposição de se oferecer como alternativa durante o primeiro semestre pré-eleitoral, quando a crise mundial atingiu com mais força a economia.
Nesse sentido, não é errado dizer que a lei, que foi feita com base em muitos outros projetos similares apresentados nos últimos 26 anos de democracia para substituir a lei de radiodifusão da ditadura militar (1976-1983), teve como principal motivação política a de desarmar o Clarín. Quando o grupo diz isso não mente. Mente, sim, ao negar que tenha substituído como fator de poder extra democrático o velho partido militar, em declínio total após a última ditadura, e que todo o sistema de mídia é dedicado a apoiar o seu progresso no negócio.
Ações do Clarín
O lobby armado pelo Clarín no Senado, já com a certeza de uma derrota segura, se concentrou em tratar de modificar artigos da lei, como o 161, que obriga os meios que se excedam nas licenças permitidas pela nova norma a se desfazer delas no prazo de um ano. Ao se votar esse artigo, o resultado foi 38 a favor e 28 contra. A lei saiu então tal qual como havia chegado da Câmara dos Deputados, primeira estação de seu tratamento, onde o texto havia sido aprovado por 147 votos contra 3, pois a oposição preferiu retirar-se do recinto e não votar como gesto de repúdio.
A lei espera agora sua regulamentação e promulgação por parte de Cristina, que o fará, possivelmente, no Diário Oficial da próxima terça-feira. No mesmo dia o Clarín iniciará apresentações judiciais para conseguir estirar o prazo de “desinvestimento”, o mencionado artículo 161, dizendo que isso os obriga a vender as licenças às pressas e a um preço menor, que já eram direitos adquiridos. O mesmo Kirchner já lhes havia estendido por dez anos a licença do Canal 13 e esse ano Cristina permitiu a fusão das duas principais provedoras de TV a cabo, a Multicanal e a Cablevisión. Contradições sobre as quais o governo não se expressou em nenhum momento.
As brigas judiciais, porém, têm um limite: a demanda por indenizações. Assim como no caso da finalização do contrato pela transmissão das partidas de futebol de primeira divisão, o Clarín, que detinha a exclusividade, se absteve de solicitar reparação econômica, pois implicava em expor os clubes populares a esta quebra e a liquidar ativos. Nesse caso, seria um cenário muito improvável um que o grupo de mídias, que precisa de apoio popular para vender seus produtos, avance em demandas que terminem exigindo dinheiro do Estado.
Agora o governo de Cristina segue a terceira etapa do plano para desarmar o Clarín. Deve buscar a intervenção ou inclusive a expropriação da empresa de sociedade mista Papel Prensa que produz o papel dos diários, na que o Clarín, o diário La Nación e o estado são sócios, e que foi criada durante a ditadura militar.
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