Mais uma ferida cicatrizou na Alemanha. O Neues Museum (Museu Novo) foi reaberto ao público depois de mais de 60 anos de esquecimento. A reconstrução e reabertura desse recinto fecha mais uma ferida da história alemã e contribui para a reunificação cultural do país, por ocasião do 20º aniversário da derrubada do Muro de Berlim, a ser comemorado no dia 9 de novembro.
A partir de agora, os berlinenses e todos que cheguem a esta cidade terão a oportunidade de admirar não só a beleza do busto da rainha egípcia Nefertiti, que depois de 70 anos retorna ao lugar que a acolheu quando tirada do Egito, mas também a polêmica obra de restauração a que foi submetido o prédio do museu e que representa um vestígio do horror da guerra que não pretende ser maquiado nem apagado com laser.
A chanceler Angela Merkel observa o busto de Nefertiti na inauguração
A cicatriz permanece para evitar o esquecimento. Exposta, tal e qual. Trata-se de um dos cinco locais que integram a Ilha dos Museus de Berlim (Die Museumsinsel), declarada Patrimônio da Humanidade pela UNESCO em 1999 e um dos mais importantes centros culturais do país, localizado no centro da capital alemã.
Restauração polêmica
Foi polêmica a discussão em 1997, quando o comitê encarregado defendeu o projeto do arquiteto inglês David Chipperfield. Foi igualmente polêmico o resultado, 12 anos depois. E não poderia deixar de ser, se o conceito é fora do comum: deixar expostas as cicatrizes da guerra e construir, num estilo modernista, somente o que foi totalmente destruído pelas bombas.
O Neues Museum foi praticamente destruído durante dois bombardeios: o primeiro em 1943 e o segundo em 1945. Ficou em ruínas. Seções inteiras do edifício se perderam por completo e outras ficaram seriamente danificadas. Ao término da guerra, houve várias tentativas de restaurá-lo, mas a estrutura acabou ficando exposta às intempéries sem nenhum tipo de proteção, o que contribuiu para os danos.
Hoje, apesar da reconstrução, é possível admirar nele os estragos do tempo e da guerra: as imponentes colunas de pedra que compõem a fachada original do museu se misturam às projetadas por Chipperfield. As primeiras são escuras, desgastadas pelo tempo, esburacadas por balas e com estragos provocados pelas armas de fogo. As segundas são brancas, perfeitas, retas, definidas e bem delineadas. As paredes externas e internas que sobreviveram aos bombardeios que destruíram 70% da construção também expõem os vestígios da história: nada de preencher nem tapar os buracos de balas.
E pintura, nem pensar. Os afrescos que narram a destruição de Pompeia que adornaram a sala do mundo grego, cujas paredes sobreviveram quase totalmente, e as elegantes decorações sobre as cidades históricas de uma das paredes da sala egípcia, que também ficou de pé, não foram nem restauradas nem repintadas. A cor branca do cimento e do concreto é a continuação das figuras incompletas. O mesmo acontece com os mármores e mosaicos dos pisos: imagens pela metade que contrastam com o branco da nova construção dão uma ideia dos danos causados pela guerra.
O coração do museu, uma escadaria central que o arquiteto Friedrich August Stüler (criador original do Neues Museum) idealizou como um caminho que levava à Acrópole de Atenas, e no qual se esbabanjavam adornos e apologias ao mundo grego, foi transformado em uma escadaria branca de concreto polido e mármore com cortes retos e lineares, respaldada pelas paredes nuas de ladrilhos.
Os dois pátios internos que também sobreviveram mostram em suas paredes a superposição de materiais velhos e novos. E a modernidade e simplicidade das salas novas levantadas no segundo e terceiro pavimentos contrastam com o desenho clássico e pesadamente adornado das que sobreviveram.
Trata-se, sem dúvida, de um mosaico arquitetônico.
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