Lampedusa: entre a Primavera Árabe e o Outono Europeu
A ilha mais ao sul da Itália é destino de milhares de imigrantes em busca de refúgio
A ilha mais ao sul da Itália. É assim que Lampedusa – mais perto da Tunísia do que da Sicília – é conhecida. E a proximidade com o continente africano é o que vem transformado o local na porta de entrada da Europa para milhares de imigrantes, conforme testemunhou o Opera Mundi nessa série especial. Terra de pescadores, Lampedusa era um popular destino de turismo na Itália mas, com o agravamento da crise econômica mundial, se tornou o epicentro de uma outra crise: a humanitária.
Leia o especial do Opera Mundi:
‘Panela de pressão’, Lampedusa tornou drama da imigração visível ao mundo
Violência e exploração sexual: a via-crucis das mulheres de Lampedusa
Por trás dos desembarques em Lampedusa, histórias de fome, violência e desesperança
Em Lampedusa, imigrantes vivem ‘inferno jurídico’ em busca de asilo
O fenômeno começou nos anos 1990, quando as pessoas chegavam sozinhas à costa da ilha e os próprios nativos as ajudavam no desembarque. Mas os fluxos foram crescendo cada vez mais. O governo italiano resolveu intervir, criando um centro de apoio no aeroporto e, por fim, instituindo o CSPA (Centro de Atendimento e Primeiros Socorros), em Contrada Imbriacola, centro da ilha.
Efe
Todos os meses, centenas de imigrantes vindos de diversas partes da África desembarcam em Lampedusa
Nesse meio tempo, aconteceram diversos naufrágios em massa forçados, posteriormente condenados pelo mundo inteiro. Foi descoberto que Roma estabeleceu acordos com países do Norte da África, que permitiam os naufrágios, em uma clara violação do direito internacional e italiano.
Até setembro desse ano, os imigrantes que conseguiam chegar a Lampedusa eram levados ao CSPA e, depois, encaminhados a outros centros, já no continente. Porém, uma revolta de tunisianos no dia 20 de outubro destruiu o local, cuja capacidade era de 804 pessoas. Além do CSPA, a ex-base militar de Loran, situada do lado oposto da ilha, abriga 201 lugares. É lá que ficam os menores de idade desacompanhados.
Carlos Latuff
Loran era da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e uma prova de como a ilha era estratégica na Guerra Fria e durante as tensões com o regime de Muamar Kadafi, na Líbia. Em 1986, Lampedusa foi alvo de ataque – fracassado – do regime: os mísseis Scud caíram a somente dois quilômetros da costa.
Rotina do refúgio
Conforme o barco chega a Lampedusa, é possível avistar um clássico porto mediterrâneo, localizado perto de diversos casebres coloridos e acolhedores. O único elemento que remete aos imigrantes é uma guarnição da Cruz Vermelha, com tendas militares. Subindo em direção à vila, surgem diversos cartazes anunciando escolas de mergulho e serviços de barcos para excursão. A vila é construída ao longo de uma única artéria principal, a via Roma, onde se aglomeram lojas de souvenir e os bares da moda, onde os turistas relaxam na volta do mar.
Graziano Graziani/Opera Mundi
Cenário inusitado: não tão longe dos locais de acolhida para imigrantes em lampedusa, existe um popular centro turístico
É difícil associar a dimensão do desembarque de imigrantes à atmosfera turística, apesar de o CSPA ficar a poucos minutos da badalação. Inacessível a jornalistas, o local faz parte da política do governo de tornar os imigrantes invisíveis. Os navios da Guarda Costeira e da Guarda de Finanças interceptam os barcos e, se são capazes de navegar, são escoltados até o antigo porto. Caso contrário, os imigrantes são trasferidos por meio de botes até terra firme, longe do olhar dos turistas e moradores de Lampedusa.
Quem alerta as organizações humanitárias são as mesmas forças armadas, meia hora antes de atracarem. Os primeiros a visitarem os imigrantes são os médicos da Cruz Vermelha e do Médicos Sem Fronteiras. Eles fazem os primeiros socorros, mesmo que o primeiro contato com uma equipe médica, em casos de emergência, aconteça a bordo do navio. Lá, porém, o acesso é permitido somente ao pessoal do SMOM (Sovrano Militare Ordine di Malta).
Graziano Graziani/Opera Mundi
Apesar das tentativas de ocultar os imigrantes, turistas fotografam centro de acolhida em Lampedusa
Depois de identificar as pessoas que precisam de ajuda, a equipe do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) informa os imigrantes sobre seus direitos, com a ajuda de mediadores culturais. Trata-se de uma etapa delicada, porque o destino deles depende da compreensão do processo de lei. Se pedem asilo político, e se presume que têm esse direito, vão para um CARA (Centro de Atendimento para Requerentes de Asilo), onde aguardarão a aprovação do pedido. Se não, são destinados a um CIE (Centro de Identificação e Expulsão). Nesses locais, o regime é parecido com o de uma prisão.
O cansaço da viagem, as condições de saúde, além das diferenças culturais, podem resultar na má compreensão dos direitos. Para a maioria, a permanência nos centros de Lampedusa, que seria um primeiro atendimento, dura mais do que o esperado. Além disso, a estrutura da ilha não é adequada, tanto por questões de higiene, como porque nos centros não há trabalho ou atividades. O resultado é que a frustração dos imigrantes cresce a cada dia e, com ela, a incerteza do futuro.
Tareke é um eritreu que presta serviço como mediador cultural para a Save the Children, uma das associações atuantes. Há alguns anos, era ele quem precisava de ajuda. “As pessoas chegam assustadas à Lampedusa, não sabem o que as espera. Nossa tarefa é a de informá-las sobre o difícil percurso até a Itália”, explica.
Quando fugiu da Eritréia, Tareke passou primeiro pelo Sudão, e depois caminhou por dez dias pelo deserto até Trípoli. “Lá as condições de vida são deploráveis. Éramos em torno de 80 em uma cela, tão apertado que, se levantasse um pé, não sabia como apoiá-lo de volta”. Na segunda tentativa, o eritreu chegou à Sicília. Em Palermo, as dificuldades começaram: “Eu queria chorar, porque as pessoas me evitavam. Tive que pedir esmolas para conseguir 6 euros”. Algum tempo depois, Tareke foi entrevistado para um emprego nos Médicos Sem Fronteira (MSF) e posteriormente, foi contratado pela Save the Children.
Atmosfera fabricada
Mesmo fora do centro para imigrantes não existe a atmosfera de tranquilidade e confiança que o governo pretende construir. Seja porque a presença militar é forte na ilha, seja pelos sinais concretos da grande onda imigratória. Um exemplo é o cemitério dos barcos, onde as pequenas embarcações de madeira, algumas com frases em árabes, se empilham umas nas outras.
Nos bares, entre as cadeiras de vime, pode-se ouvir menção aos últimos desembarques. No retorno de lugares encantadores como a Ilha dei Conigli, os turistas se deparam com proprietários de bares, que reclamam que a estação turística está mal. Estão convencidos de que as várias imagens sobre os desembarques em Lampedusa prejudicam o turismo. “Há quem creia que, nadando, se possa trombar com um cadáver”, diz uma agente de turismo.
É em Lampedusa que as diferenças irreconciliáveis de dois mundos tão diferentes – o ocidente rico e o sul do mundo que foge da fome – realmente entram em contato.
Em 1º discurso após posse, Petro promete reforma na política contra as drogas na Colômbia
Ao lado da espada de Simón Bolívar, novo presidente colombiano disse que a política antidrogas 'fracassou profundamente', afirmando que a 'paz é possível' no país
Ao som ovacionado das milhares de pessoas reunidas na Praça Bolívar, em Bogotá, Gustavo Petro realizou seu primeiro discurso neste domingo (07/08) como novo presidente da Colômbia. Petro reafirmou o compromisso de uma reforma na política contra as drogas no país.
"A política contra as drogas fracassou profundamente. A guerra fortaleceu a máfia e debilitou Estados, levando-os a cometerem crimes e evaporou o horizonte da democracia. Chegou o momento de mudar a política antidrogas no mundo para que seja a vida ajudada e não a morte", disse.
Durante seu discurso, Petro pediu que a espada de Simón Bolívar fosse deixada no palco, ao seu lado. Para ele, o objeto significa "toda uma vida, uma existência" que o auxiliou no processo que culminou em sua eleição à Presidência.
Petro disse não querer que a espada esteja "enterrada", que ela seja a "espada do povo". "Chegar aqui implica recorrer uma vida, uma vida imensa que nunca é sozinha. Aqui estão todas a mulheres colombianas que lutam para superar o machismo e construir uma política do amor. As mãos humildes dos operários, dos campesinos, o coração dos trabalhadores que me apoiam sempre quando me sinto débil", declarou.
Segundo o novo mandatário, os colombianos, "muitas vezes", foram "condenados ao impossível e a falta de oportunidades". No entanto, Petro declarou a "todos que estão me escutando" que, agora, "começa nossa segunda oportunidade".
"Nós ganhamos, vocês ganharam. O esforço de vocês valeu a pena. Agora é hora de mudança, nosso futuro não está escrito e podemos escrever juntos e em paz. Hoje começa a Colômbia do impossível", disse durante a posse, declarando que sua eleição é uma história contra aqueles que não acreditavam, "daqueles que nunca queriam soltar o poder. Porém o fizemos".
Redistribuição de riqueza
Petro afirmou que a "igualdade será possível" na Colômbia, para que a desigualdade e a pobreza não "sejam naturalizadas", já que, segundo o novo presidente, o país é uma das "sociedades mais desiguais em todo o mundo", afirmando ser necessário mudar este paradigma "se queremos ser uma nação e viver em paz".

Reprodução/ @FranciaMarquezM
Petro e Márquez tomaram posse neste domingo como o primeiro governo de esquerda na Colômbia
"Vamos ser uma Colômbia mais igualitária e com mais oportunidades a todos. A igualdade é possível se formos capazes de gerar riqueza e capazes de distribuí-la. Para isso, é necessário uma reforma tributaria que gere justiça", afirmou durante o discurso.
O presidente reafirmou que seguirá os Acordos de Paz, assinados em 2016, e também as resoluções da Comissão da Verdade em relação à violência no país. Ele declarou que é preciso terminar "para sempre" com os conflitos armados, convocando "todos as pessoas armadas para buscar um caminho que permita a convivência, não importando os conflitos que existam".
"Encontrar soluções através da busca por mais democracia para terminar a violência. Convocamos todos os armados a deixarem as armas, aceitar jurisdições pela paz, a não repetição definitiva da violência, para que a paz seja possível. Precisamos dialogar, nos entender e buscar os caminhos comuns e produzir mudanças. A paz é possível", afirmou.
Posse de Petro
Petro tomou posse neste domingo em uma cerimônia na Praça Bolívar, em Bogotá. Aos 62 anos, ele é o primeiro mandatário de esquerda a assumir o poder na história do país.
O presidente do Senado colombiano, Roy Barreras, foi o encarregado de ler o juramento a Petro, que fala em "cumprir fielmente a Constituição e as leis" do país. Na sequência, a senadora María José Pizarro, filha de Carlos Pizarro assassinado em 1990 e que foi companheiro do agora presidente na guerrilha Movimento 19 de Abril (M-19), entregou a faixa presidencial ao novo chefe de Estado.
Também na posse, a vice-presidente eleita Francia Márquez realizou juramento, que foi lido pelo agora mandatário da Colômbia.