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Organizar a chegada de milhares de imigrantes que fogem da fome, da violência e da falta de esperança. Não é fácil o trabalho das organizações humanitárias que atuam na ilha de Lampedusa, porta de entrada da Europa para homens e mulheres que atravessam o Mediterrâneo em busca de uma vida melhor. Além de lidar com o grande fluxo de refugiados vindos do Norte da África, região cuja instabilidade política se agravou durante a chamada Primavera Árabe, essas organizações também precisam encarar a intransigência de um continente que viu a xenofobia e o nacionalismo radical ganharem força com o aumento do desemprego e o baixo crescimento. Se o mundo árabe vive uma primavera, a Europa parece entrar em um longo outono.
São muitas as histórias de sofrimento e superação e dentre elas se destacam as das mulheres que se arriscam na travessia. Elas são minoria, cerca de 8%, mas estão sujeitas a todo tipo de adversidade. “A condição delas é terrível, porque são principalmente mulheres que escapam do Chifre da África e fazem viagens dificílimas, como os homens, mas em condições de maior vulnerabilidade. São muito frequentes os casos de violência sexual por parte dos traficantes, que as têm em suas mãos por meses a fio”, conta Barbara Molinario, do Acnur.
O Acnur, ou Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, está entre as organizações que atuam em Lampedusa desde 2006, como parte do “Praesidum”. Este termo em latim de contorno militar denomina um projeto multi-agências do Ministério do Interior italiano, do qual também participam a Cruz Vermelha italiana, Save the Children e outras organizações. O projeto foi promovido pelo governo italiano para administrar a chegada de imigrantes na Itália via Lampedusa, depois que os naufrágios em massa, praticados em 2005, suscitaram protestos de todas as associações humanitárias.
Nessa entrevista ao Opera Mundi, Barbara Molinario conta como o “Praesidum” faz a gestão dos fluxos de imigrantes. Ela os define como “fluxos mistos”, que significa a presença, entre os imigrantes que chegam à Itália, de pessoas que fogem de países em guerra, fome e caos generalizado – e que têm direito ao asilo – e aqueles que definem como “migrantes econômicos”, ou seja, pessoas que chegam para trabalhar. Aos últimos, a Itália dá, na maioria das vezes, uma notificação de expulsão, e no caso de países que têm acordos bilaterais que favorecem o repatriação – como Tunísia e Egito – esta medida é praticamente automática.
“O nosso trabalho principal é de informar quem chega na Itália sobre os seus direitos, para depois cuidar dos pedidos de asilo”, explica.
Como é atuação do Acnur. Ele recebe diretamente as demandas de asilo dos imigrantes?
Não. Como quem é considerado refugiado não pode ser rejeitado, ele pode portanto fazer o pedido em seguida, quando chega a um outro centro. Aqueles que, em vez disso, estão sujeitos ao repatriamento, como os tunisianos e egípcios, devem fazer o pedido imediatamente, caso contrário, correm o risco de não poder mais fazê-lo. A essas pessoas aconselhamos a manifestar a sua vontade diretamente em Lampedusa. Somos contatados pela Guarda de Finanças e pela Guarda costeira, chegamos a eles no píer, e damos informações de base: está em Lampedusa, acontecerá isto. Depois monitoramos a entrada no centro e a idenficação da força da ordem. Em seguida, damos informações sobre direito de asilo.
Para onde são levados os imigrantes depois de Lampedusa?
Quem pede asilo deve ser transferido para um CARA (centro de atendimento a requerentes de asilo). Mas os norte-africanos, sobretudo aqueles que chegam de países que tem acordos bilaterais com a Itália, acabam no CIE (centro de identificação e expulsão). A partir daí, continuar com o processo de pedido de asilo é muito difícil.
É por isso que os tunisianos protestaram várias vezes em agosto?
Os tunisianos que protestaram dizem que vêm porque querem trabalhar ou têm parentes aqui, e gostariam de ser transferidos à península. Mas estão cientes do risco de expulsão. Geralmente, porém, os tunisianos não pedem asilo. A maior parte é de “imigrantes econômicos”.
A instabilidade política e social da Tunísia não é uma motivação válida para o pedido de asilo?
Deferir o pedido de asilo é uma coisa individual, depende do caso emparticular. Em muitos deles, não o pedem porque já sabem que a situação de instabilidade de seu país não é motivo suficiente. O que querem é trabalhar aqui e poder retornar para casa de vez em quando. Obviamente, se é um refugiado isso não é possível.
O tempo de permanência em Lampedusa, que é um centro de primeiro atendimento, tem sido respeitado?
Não, geralmente são mais longos do que o previsto. Do ponto de vista das condições higiênico-sanitárias o problema é que o centro não oferece serviços para uma longa permanência. Além disso, as pessoas são privadas da liberdade sem saber porque, e acabam ficando nervosas. E não há nada para fazer, não existem atividades organizadas para quem está dentro, como acontece em CARA e CIE: uma coisa é ficar sem fazer nada por 48 horas, outra coisa é permanecer 15 dias assim. Tudo isso exacerba as situações de tensão que às vezes surgem no centro de Lampedusa, como aconteceu em agosto.
O Ministério sabe dessas coisas? E como responde?
Nós o avisamos, porque é o nosso representante. Não há uma resposta específica, porque o problema se apresenta somente quando as pessoas permanecem muito. Às vezes, porém, acontece o contrário: existem pessoas que passam muito rapidamente, como os refugiados líbios, e não chegamos a informá-las adequadamente.
A política do governo com a Tunísia e o Egito surte um efeito de criar um obstáculo ao direito de asilo?
O obstáculo existe quando não há acesso ao território, como no caso dos naufrágios. Porque não se pode verificar caso a caso e porque as forças armadas não são os sujeitos adequados para verificar se uma pessoa tem ou não direito de asilo. Se, ao contrário, existe acesso ao território italiano, então não há obstáculo porque são informados.
Se houvesse uma emergência como a de março, quando houve os desembarques em massa, o Acnur estaria preparado?
A pergunta é: o ministério está preparado? Como haviam mais imigrantes que nativos, as pessoas estavam acampadas por toda parte. Assim, a uma pessoa que não tem sequer um colchão para dormir, não se pode falar sobre seus direitos, porque não está nem em condições de te ouvir. Nós, naquele caso, mais que outros monitorávamos as condições de sua permanência na ilha que, obviamente, não eram boas. Felizmente tudo correu bem, mas foi sorte.
Qual é a situação das mulheres que chegam?
As mulheres estão em menor número, cerca de 8%. A condição delas é terrível, porque são principalmente mulheres que escapam do Chifre da África e fazem viagens dificílimas, como os homens, mas em condições de maior vulnerabilidade. São muito frequentes os casos de violência sexual por parte dos traficantes, que as têm em suas mãos por meses a fio. Descobrimos diversos casos de gravidez devido à violência, ainda que não nos ocupemos delas como o Acnur. Há ainda o tráfico de mulheres para prostituição. Às vezes acontece, como nestes meses, de chegarem grupos de mulheres jovens todas juntas, talvez de países como a Nigéria. São viagens custosas, é difícil que uma menina possa pagar uma viagem do tipo; na maioria das vezes, trata-se de verdadeiras “expedições” organizadas por organizações que depois recuperam o dinheiro fazendo-as prostitui-se na Itália. Evidentemente, são dinâmicas extremamente difíceis eis de se identificar. Se identificamos um caso delicado, o apontamos, mas não é simples.
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