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O rosto de um herói italiano decora a entrada do Museu dos Imigrantes de Lampedusa. Uma foto de Peppino Impastato, jovem siciliano morto em 1978 após denunciar a máfia em seus programas de rádio, é quem vela os objetos deixados por imigrantes durante a travessia pelo Mar Mediterrâneo. São fotos de familiares, alcorões, peças de roupa, maços de cigarro e até mesmo um guia da Itália, em árabe, com a foto da Torre de Pisa. Alguns desses estrangeiros chegaram até a ilha. Outros, porém, ficaram pelo caminho.
O museu fica na sede da Askavusa (http://askavusa.blogspot.com/ que significa “pés descalços”), uma associação de jovens lampedusanos que há anos se se preocupa com os imigrantes. Logo na entrada, âncoras e motores de pequenos barcos ficam empilhados nos cantos, enquanto em uma parede despontam as cores fluorescentes de seis coletes salva-vidas. Do teto, cai um ‘galho’ de sapatos surrados, botas e chinelos. Nas prateleiras ficam os objetos mais pessoais, corroídos pelo sal.
A paisagem carrega as histórias de imigrantes desgastados por uma viagem difícil e arriscada. Todos os objetos foram recuperados pela Askavusa em um dos dois depósitos de embarcações, conhecidos como “cemitérios dos barcos”. Ilaria, guia do museu, conta a história da associação. “A Askavusa nasceu em 2009, em torno do debate de alguns lampedusanos sobre o fenômeno das imigrações. O objetivo da associação é combater o racismo. O museu é uma mostra permanente, aberta o ano todo, que expõe todos os objetos que conseguimos recuperar depois dos desembarques. Os imigrantes perdem muito no caminho, alguns já no cais onde atracam. A polícia e as autoridades não recuperam esses objetos e os amontoam em algum lugar ou jogam no lixo. O que nós fazemos é recuperá-los e colocá-los à mostra.”
O museu nasceu junto com a associação, mas a recuperação desses objetos remonta a muito antes. Giacomo Sferlazzo, um dos fundadores da Ascavuka, artista e compositor lampedusano, reuniu os primeiros objetos em 2005 para criar esculturas, refletindo a passagem dos imigrantes na ilha. A partir daí, percebeu que muitos tinham um valor intrínseco e não apenas simbólico: sobretudo as cartas escritas à mão pelos imigrantes, as fotos dos parentes e os documentos de identidade. Assim, começou a colecioná-los metodicamente, com a ideia de realizar uma exposição permanente.
A Askavusa também solicitou, mais de uma vez, ao município de Lampedusa e à polícia de Agriento, autorização para adquirir as embarcações abandonadas, para poder realizar um museu de fato em uma central elétrica abandonada. Não tiveram sucesso. O museu foi alvo ainda de uma tentativa de especulação. A administração municipal de Lampedusa, de centro-direita, lançou a ideia de um projeto idêntico, sem sequer mencionar a associação. Depois, pediram dinheiro ao governo e, por um certo período, se chegou a falar até de um investimento de 20 milhões de euros para abrigar a estrutura, no modelo do Museu Guggenheim em Nova York.
As declarações da administração municipal irritaram Askavusa, não apenas pela tentativa de roubar a ideia, mas pela intenção do projeto. “Em Lampedusa, as escolas estão em ruínas. Como podem pensar em gastar 20 milhões de euros desta forma? Nós demonstramos que o museu pode ser feito com muito menos dinheiro”, afirma Sferlazzo.
‘Velho anarquista’
A possibilidade de reutilizar de forma artística os objetos que chegam do mar se espalhou. Na pequena praia de Cala Sponzi, ao lado da pista do aeroporto, um velho anarquista de Turim deu vida ao seu próprio modelo de “centro social”, que batizou de “Livre Pensar”. Luciano, que mudou-se para Lampedusa há quatro anos, toma conta da pequena praia, e criou esculturas com objetos dos imigrantes recuperados à deriva.
Neste ano, construiu um fantoche – uma figura negra feminina, com uma criança branca nos braços. Uma mensagem contra o racismo. Luciano convida quem vai a Cala Sponzi a deixar uma mensagem em uma pedra. Já são centenas.
Ao lado da estátua, Luciano plantou mensagens para o mundo, referindo-se explicitamente à realidade de Lampedusa, o ponto onde Europa e África entram em contato e em conflito. “A terra pertence a todos”, se lê no primeiro. Enquanto em outro, depositado aos pés da estátua, está escrito: “Todos têm o direito de viver. A vida se chama dignidade, não caridade”.
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