“A Esquerda? Não. Comunismo, nunca mais”, diz um velho cartaz colado em um muro em Berlim, resquício da campanha eleitoral de setembro. A frase se refere ao Die Linke (“A Esquerda”), um dos cinco partidos no parlamento federal e ao qual a maioria dos alemães associa o comunismo dos tempos da República Democrática Alemã (RDA, a Alemanha Oriental).
O Die Linke não é apenas a esquerda das esquerdas alemãs. É também o herdeiro do antigo Partido da Unidade Socialista da Alemanha (SED, na sigla original), que governou a Alemanha Oriental durante 41 anos e, dias antes da reunificação, contava com cerca de 3 milhões de filiados.
“São comunistas. Nostálgicos do passado que querem voltar aos velhos tempos”, costumam generalizar os alemães quando pedem a opinião deles sobre o Die Linke.
No entanto, o partido se transformou num fenômeno que obteve a quarta maior votação nas eleições de setembro. Com pouco mais de 5,15 milhões de votos (11,9% do total), o Die Linke ficou atrás apenas da governista União Democrata-Cristã (CDU), do Partido Liberal (FDP) e do Partido Social-Democrata (SPD).
Se, para muitos, essa extrema-esquerda representa o pior, por que ela vem crescendo? A resposta está ligada ao fato de que a percepção negativa do partido não se repete no país inteiro. O Die Linke tem um reduto poderoso de militantes justamente na parte que compunha a Alemanha Oriental.
“Há muitas razões que explicam este fenômeno. Uma delas é que a maioria dos nostálgicos do antigo sistema é justamente da Alemanha Oriental. Mas outro fator importante que tem dado força a esta nova esquerda é a adesão de um grupo do SPD que sempre quis integrar uma esquerda mais radical e, depois da ‘grande coalizão’ formada pela CDU e pelo SPD em 2005, decidiu não só trabalhar ao lado do antigo partido Linkspartei.PDS, sucessor imediato do SED, mas também formar um novo partido”, explica ao Opera Mundi o cientista político Jochen Staadt, diretor de projetos do Centro de Estudos sobre o Estado e o SED na Universidade Livre de Berlim.
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Terceira parte: Nostalgia de produtos do leste vira negócio lucrativo
Estigma ou realidade?
A história e o passado político de um terço dos militantes do Die Linke estão diretamente ligados ao SED. Dos 75 mil filiados, 25 mil pertenciam às fileiras do antigo partido único da Alemanha Oriental.
Um mês depois da abertura da fronteira entre a Alemanha Oriental e a Alemanha Ocidental, em dezembro de 1989, o parlamento da RDA eliminou da Constituição o direito do SED de controlar o poder sozinho. A questão naquele momento era decidir entre duas opções: ou o desaparecimento do partido ou sua renovação.
Quem decidiu ficar optou pela segunda alternativa e, em 1990, o grupo foi rebatizado de Partido do Socialismo Democrático (PDS, na sigla em alemão), contando com cerca de 280 mil antigos militantes do SED. Na época, lembra o cientista político Staadt, pouca gente via um futuro para o “novo” partido. A reunificação era uma realidade e o passado comunista o tornava pouco popular.
Mas foi justamente essa “fraqueza” que, ao mesmo tempo, permitiu ao partido iniciar uma retomada. Depois da euforia com o fim do regime socialista na Alemanha Oriental e a reunificação, a introdução do capitalismo no leste deixou um saldo importante de perdas: o desmantelamento da indústria e as novas regras do mercado resultaram em milhões de desempregados; e o fim das vantagens sociais oferecidas pelo antigo governo também motivou a insatisfação de muitos. Surgiu então a nostalgia e o partido se posicionou como uma opção para todo este setor da população.
Ao mesmo tempo, na antiga Alemanha Ocidental, a esquerda radical do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD) começou a tomar um rumo dissidente. As reformas políticas do governo de Gerhard Schröder provocaram a cisão deste grupo e a fundação de um novo partido: a Alternativa Eleitoral pelo Trabalho e a Justiça Social (WASG, em alemão), que, além de dissidentes do SPD, incluía sindicalistas e tendências mais à esquerda. À frente do grupo surgia o ex-presidente do SPD Oskar Lafontaine.
A “grande coalizão” entre social-democratas e conservadores, após o empate eleitoral de 2005, motivou a aproximação definitiva entre o PDS e a WASG, cujos princípios ideológicos eram quase os mesmos: um socialismo democrático.
Em 2007, oficializou-se o que já existia de fato havia anos: a fusão destes partidos políticos e o nascimento do Die Linke.
“É um partido que realmente inclui radicais, mas também reformistas que lutam por um socialismo democrático. A maioria diz: ‘Não queremos uma ditadura como ocorreu nos países comunistas. Estamos em um ponto intermediário, com o melhor de ambos os sistemas: socialismo e capitalismo’”, explica Staadt. “Eu diria que apenas 3% do atual partido são radicais e querem realmente um retorno ao passado. Os demais acreditam em uma reforma do sistema para chegar a um socialismo democrático no qual as pessoas sejam donas da produção. Sem dúvida, seu programa vai contra o sistema político da República Federal, sobretudo no aspecto econômico”.
Futuro da esquerda
Antes mesmo de sua fundação, a trajetória do Die Linke já era ascendente.
Como PDS, nas primeiras eleições da Alemanha reunificada, em 1990, o grupo obteve 11% dos votos no leste, mas apenas 2% em âmbito nacional. Quase duas décadas depois, o partido não só é o quarto maior do país como também chegou ao governo em Berlim e garantiu presença em 12 dos 16 estados alemães.
O futuro da esquerda é incerto. No entanto, segundo Staadt, tudo indica que o grupo continuará crescendo. “O crescimento depende de muitos fatores, principalmente da maneira como o novo governo formado por conservadores e liberais tratará o tema da crise. Se conseguirem fazer um bom trabalho, os governistas sairão fortalecidos. Se os problemas não forem tratados adequadamente, a esquerda se tornará mais forte. Por outro lado, a social-democracia tem perdido força como alternativa de esquerda e oposição. Não consegue demonstrar que é o verdadeiro representante da mudança. Esse é outro fator que beneficia a esquerda”, explica.
Para Staadt, não é impossível que, nas próximas eleições federais, daqui a quatro anos, a esquerda chegue ao poder. “Ela teria de fazê-lo em coalizão com os social-democratas. E realmente acredito que existem chances, pois em todas as situações em que dois grandes partidos detêm o poder, a oposição cresce, porque sempre há também pessoas insatisfeitas com o governo”, analisa.
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