Há exatamente um ano, a morte do tunisiano Tarek bin Tayeb Bouazizi, conhecido como Mohamed Bouazizi, desencadeou o início de uma revolução que se espalhou por diversos países do norte da África e do Oriente Médio. Conhecida como “Primavera Árabe”, a revolta contribuiu para a queda de antigos líderes, há décadas no poder, e mostrou que as populações desses países não estavam adormecidas.
Bouazizi, de 27 anos, era um vendedor de verduras. Em 17 de dezembro de 2010, um fiscal de impostos do governo tunisiano apreendeu seus produtos e, segundo ele, deu um tapa em seu rosto, após mais um pedido para que a mercadoria fosse devolvida. Humilhado, Bouazizi se autoimolou e morreu em 4 de janeiro de 2011, depois de 19 dias internado.
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Comemoração em Tahrir instantes após o anúncio da saída de Mubarak: Egito encorajou oprotestos seguintes no mundo árabe
A morte do vendedor foi o estopim de uma onda de manifestações que exigia melhores condições de vida para a população do país. À época, os tunisianos tinham de conviver com uma agricultura fraca e falta de investimentos que, por consequência, aumentava o preço dos produtos consideravelmente. O desemprego também atingia níveis alarmantes e, mesmo um ano depois, a situação não melhorou. No último mês de dezembro, o país registrava 28% de desempregados de 28%. Menos de duas semanas depois do início das revoltas, o líder tunisiano Zine el Abidine Ben Ali fugiu para a Arábia Saudita. Era a primeira vitória da Primavera Árabe.
O exemplo da Tunísia se espalhou por países como Egito, Líbia e Síria. O desenrolar e os resultados dessas manifestações, um ano depois, são variados. Se as revoluções tunisiana e egípcia contaram exclusivamente com a pressão popular, a Líbia – rica em petróleo – foi alvo de uma intervenção estrangeira da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), com a ajuda dos Estados Unidos. O líder líbio Muamar Kadafi foi assassinado, enquanto o ex-líder egípcio Hosni Mubarak é submetido a julgamento e o iemenita Ali Abdullah Saleh segue em seu país, apesar de estar fora do poder.
Opera Mundi faz uma retrospectiva dos países em que a Primavera Árabe foi protagonista.
Tunísia
Onde tudo começou. O sacrifício de um jovem que ateou fogo ao próprio corpo em protesto contra a corrupção das autoridades tunisiana pode ser considerado o estopim das manifestações. A morte de Mohamed Bouazizi desencadeou enormes manifestações contra o governo do ditador Zine el Abidine Ben Ali, que se viu obrigado a deixar o poder após 23 anos.
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Ruas da capital Túnis em chamas durante os protestos que derrubaram Zine Ben Ali. À esquerda, cartaz com foto do ex-presidente
Após a queda do presidente, a Tunísia encontrou relativa estabilidade em relação aos países vizinhos. Em outubro, foram realizadas as primeiras eleições democráticas de sua história. No início de dezembro, o país aprovou uma nova Constituição e viu o ativista de direitos humanos Moncef Marzouki ser eleito presidente, com base em uma ampla gama de partidos, capitaneados pelo Movimento Al-Nahda, de tendência islâmica moderada, que foi o partido mais votado nas eleições.
Egito
O Egito foi o segundo país árabe a derrubar um ditador no contexto da Primavera Árabe. Inspirados pelos tunisianos, os egípcios tomaram a praça Tahrir, no Cairo, e protestaram todos os dias contra o presidente Hosni Mubarak, há 30 anos no poder.
Após 18 dias de manifestações e intensa violência da polícia, Mubarak renunciou e uma Junta Militar assumiu o controle. A população foi às urnas no final do último mês de novembro para escolher os representantes da Assembleia do Povo, a Câmara baixa do Parlamento. O partido islâmico Irmandade Muçulmana, antes na ilegalidade, saiu na frente. As eleições continuam até o próximo dia 11. A corrida presidencial está marcada para o próximo mês de junho.
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Durante semanas, praça Tahrir foi tomada pelos cidadõs egípcios, que enfim comemoraram o fim do regime Mubarak
Descontentes com o poder militar e desejando uma urgente transferência para um governo civil, manifestantes retornaram à Praça Tahrir. A nova onda de violência contra os protestos já provocou a morte de dezenas de pessoas.
Líbia
Após a queda de Ben Ali na Tunísia em 14 de janeiro e a de Mubarak no Egito em 11 de fevereiro do ano passado, a pressão para que Muamar Kadafi, líder do país desde 1969, deixasse o poder, só aumentou. Após uma guerra civil entre forças do governo e opositores, essas auxiliadas por bombardeios da OTAN em território líbio, Kadafi foi capturado e morto pelos rebeldes.
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Manifestações foram frequentes nas cidades líbias
Imagens do ex-líder sendo atacado pelas forças opositoras aumentaram as críticas de que a OTAN não teria respeitado resolução da ONU (Organização das Nações Unidas) que previa apenas uma zona de exclusão aérea sem ataques a alvos civis. Após a morte de Kadafi, o CNT (Conselho Nacional de Transição), órgão político dos ex-rebeldes, marcou as próximas eleições presidenciais e legislativas para daqui a um ano e meio.
Iêmen
A Primavera Árabe também foi fortemente sentida no Iêmen, país mais pobre do Oriente Médio. Os protestos começaram no início de fevereiro, quando os manifestantes pediram a renúncia do presidente Ali Abdullah Saleh, no poder desde 1978 (pelo então Iêmen do Norte). Embora o chefe de Estado tenha sempre dito que deixaria o governo, voltou atrás em diversas ocasiões, aumentando o nível de tensão das manifestações.
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No “Dia da Ira”, em março, iemenitas saíram às ruas para pedir saída de Saleh
Até que, em 4 de junho, Saleh foi gravemente ferido em um atentado a bomba. Foi tratado na Arábia Saudita, de onde voltou em 23 de setembro e, enfim, acertou sua saída. Em 23 de novembro, passou o comando do país ao vice Abd Rabbuh Mansur al Rahdi. As tensões, no entanto, estão longe de terminar.
Síria
As tensões na Síria tiveram início em janeiro e desenrolam-se como uma resposta aos mais de 40 anos de regime da família Al Assad. O presidente Bashar al Assad reprimiu com tanques de guerra os grandes protestos dos dias 18 e 19 de março, o que levou o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, a classificar as ações como “inaceitáveis”.
A suspensão do estado de emergência, em vigor no país há mais de 48 anos, viria apenas em abril. Mas a manutenção de seu regime fez com que as revoltas prosseguissem. Os EUA, como réplica às supostas infrações aos direitos humanos, congelaram, em maio, todos os bens da família Al Assad no país. Damasco aceitou a incursão de observadores internacionais em seu território apenas em dezembro, como meio de evitar sua exclusão da Liga Árabe. Assad nega que tenha dado ordens para atirar em manifestantes e acusa a ONU de parcialidade. A tensão na Síria continua elevada.
Bahrein
Na esteira de países como Tunísia e Egito, manifestantes no Bahrein tentam derrubar a monarquia Al Khalifa, desde fevereiro de 2011. A população barenita é majoritariamente xiita, mas a família real e os principais líderes políticos seguem a orientação sunita, outra corrente do islamismo.
No auge da repressão, forças de segurança da Arábia Saudita entraram no Bahrein para ajudar a monarquia Al Khalifa a combater os opositores no que ficou conhecida como “Revolução Esquecida”, pelo pouco destaque na imprensa e a falta de condenação na comunidade internacional, especialmente dos EUA, que mantêm no país a sua Quinta Frota.
Demais manifestações
As mudanças de regime na Tunísia, Egito, Líbia e Iêmen acabaram acendendo o sinal de alerta para outros países árabes, que rapidamente promoveram mudanças assim que os primeiros protestos surgiram.
Em Omã, por exemplo, houve protestos em fevereiro contra o governo do sultão Qaboos bin Said Al Saidm, no poder há 40 anos. Pressionado, ele promoveu uma reforma ministerial e concedeu mais poder ao Conselho de Omã, fazendo com que os protestos diminuíssem sensivelmente.
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“O manifestante”, inspirado na Primavera Árabe, foi o personagem do ano da revista Time
No Marrocos, as manifestações eclodiram em janeiro. Pouco tempo depois, o rei Mohamed VI organizou um plebiscito no início de julho, no qual a população aprovou uma nova Constituição por mais de 98% dos votos. Dessa forma, foi possível aprofundar a separação entre os poderes e o sistema político ganhou um caráter mais parlamentar. Mohammed está no trono desde 1999 e sucedeu seu pai, Hassan II, que governava desde 1969.
Na Argélia, grandes manifestações tomaram as ruas do país em janeiro contra o desemprego, a corrupção, a inflação e a censura. Para acalmar a população, o presidente, Abdelaziz Bouteflika, prometeu por fim ao estado de emergência, vigente há mais de 40 anos.
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Mubarak (cartaz da foto), Ben Ali, Kadafi e Saleh: 2011 marcou o fim de quatro regimes longevos – todos com apoio da população
Já na Arábia Saudita os protestos foram fortemente reprimidos pelo governo do rei Abdullah, desde 2005 no poder. Em fevereiro, o rei prometeu um pacote de subsídios de 35 bilhões de doláres para acalmar a população e evitar a formação de novas manifestações.
*Colaboraram Fillipe Mauro, João Novaes, Marina Terra e William Maia
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