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Reativar o crescimento econômico para combater o desemprego, que atingiu em fevereiro seu nível mais alto desde 1999, e ao mesmo tempo respeitar o pacto de disciplina orçamentária decidido pelos países europeus para conter a crise das dívidas públicas na zona do euro. Esse delicado exercício de equilibrismo – que muitos economistas julgam impossível – será o grande desafio do próximo presidente francês.
O déficit do governo caiu de 7,1% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2010 para 5,2% em 2011, mas a dívida do país aumentou muito nos últimos anos, tendo atingido em 2011 o recorde de 85,8% do PIB. A necessidade de equilibrar as contas públicas se tornou uma espécie de mantra dos dois principais candidatos.
O presidente Nicolas Sarkozy afirma que manterá sua política de controle rigoroso dos gastos públicos – que inclui corte de funcionários do Estado – para reduzir o déficit a 3% do PIB em 2013 e alcançar um equilíbrio orçamentário até 2016. No início de seu governo, ele havia prometido que não aumentaria os impostos, mas cinco anos e uma crise econômica mundial depois, o franceses já foram chamados a contribuir mais. E se depender do candidato da UMP, não acaba por aí: durante a campanha, ele lançou a ideia de um novo imposto sobre os exilados fiscais e se mostrou disposto a aumentar as taxas sobre os lucros das grandes empresas e a TVA (taxa de valor agregado), um imposto sobre consumo.
Já o socialista François Hollande tem basicamente os mesmos objetivos, mas prevê alcançar o equilíbrio orçamentário somente em 2017, limitando o corte de gastos públicos. Para financiar novas despesas previstas em seu programa de governo, ele planeja aumentar a receita fiscal, sobretudo com um carga tributária maior para os mais ricos e as grandes empresas.
E os franceses nessa discussão? Uma pesquisa de opinião divulgada pelo instituto BVA no início deste mês indica que a maioria deles (60%) continua pessimista em relação ao futuro econômico do país. Quando questionados se a melhor opção para reduzir o déficit é diminuir os gastos públicos ou aumentar os impostos, 43% dos participantes disseram que nenhuma das alternativas era aceitável. Outros 40% preferem cortar despesas, enquanto 16% são favoráveis à alta dos impostos.
Para o economista Eric Heyer, do OFCE (Observatório Francês das Conjunturas Econômicas), o debate econômico entre os dois principais candidatos fica limitado pelos objetivos rígidos impostos pela Europa, que não deixam margem para uma política de crescimento. Segundo o OFCE, a onda de rigor orçamentário na zona do euro vai induzir uma recessão de 0,4% este ano na Europa – e em consequência o agravamento do desemprego e da precariedade na França.
Depois de uma queda de 2,7% em 2009 – sem precedentes desde o final da Segunda Guerra Mundial – o índice de crescimento da França ficou em 1,5% em 2010 e 1,7% em 2011. Mas o Instituto Nacional da Estatística e dos Estudos Econômicos alerta que houve uma forte desaceleração da economia no final do ano passado.
Causas e efeitos
“O crescimento não combina com um choque tão grande no sistema fiscal ou nos gastos públicos, sobretudo sem renegociação do tratado europeu”, explica Heyer. “Além disso, nenhum dos candidatos faz alusão à origem da crise e a como evitar que ela se reproduza. Temos a impressão, quando lemos os programas, que a crise se deve a finanças públicas desequilibradas. Mas a crise resultou de um excesso de endividamento privado e de um sistema financeiro desproporcionado, mal controlado e não regulamentado”. critica.
Segundo Heyer, os Estados foram obrigados a socorrer o sistema financeiro, o que deteriorou suas finanças públicas. “Então ao quererem resolver o problema do déficit, os candidatos não enfrentam as causas da crise”, argumenta.
A mesma constatação é feita pelo sociólogo Paul Jorion, um dos poucos analistas econômicos que previram a crise americana do subprime em 2007 e a recessão mundial que se seguiu. Para ele é necessária uma mudança radical na estratégia econômica europeia, que os dois principais candidatos se recusam a propor por medo de afugentar o eleitorado.
“Os candidatos que propõem verdadeiras alternativas, Jean-Luc Mélenchon e Marine Le Pen, obrigaram os outros candidatos a discutir sobre a crise. Vemos que Mélenchon está ganhando pontos porque obriga o debate a abordar essas questões”, afirma Jorion. O candidato da Frente de Esquerda é contra o pacto orçamentário europeu, enquanto Le Pen promete tirar a França da zona do euro caso seja eleita.
“O mais importante seria continuar a ação contra os paraísos fiscais e a especulação e fazer uma reforma do direito das empresas que impediria a evasão fiscal”, diz Jorion. “É preciso sair da ditadura do mercado de capitais, que é sustentada não somente pelo Banco Mundial, pelo Fundo Monetário Internacional e pelos Estados Unidos, mas também pelos representantes dos países europeus na Comissão Europeia. É muito importante que um novo presidente dê um fim nas posições atuais, que vão no sentido de maior desregulamentação do mercado, privatização e redução do escudo social’, acrescenta.
O economista Thomas Coutrot, co-presidente da Attac (Associação pela taxação das transações financeiras e por uma ação cidadã), milita por um referendo sobre a ratificação do pacto orçamentário. Entre os principais candidatos à presidência, essa proposta foi incorporada somente por Jean-Luc Mélenchon. O presidente Sarkozy, um dos artífices do tratado, já disse que vai ratificá-lo assim que possível caso seja eleito. François Hollande, dado como favorito pelas pesquisas de intenção de voto, declarou que pretende renegociar os termos do tratado para incluir um estímulo ao crescimento, mas não pretende realizar uma consulta popular.
“Se Hollande for eleito, a questão que se colocará imediatamente é como impor uma renegociação desse tratado a parceiros europeus que não a querem. Nós achamos que se o futuro presidente puder se apoiar em um voto popular recusando o texto atual, ele terá mais poder de negociação”, diz Coutrot. “O debate sobre o referendo é essencial para recolocar a soberania democrática em posição de dirigir os países, e não os banqueiros e a indústria financeira.”
Mas nem todos os economistas ouvidos pela reportagem condenam o novo tratado europeu. “O pacto orçamentário garante que tendo alcançado o equilíbrio das contas públicas, o Estado não vai perturbar o funcionamento dos mercados financeiros e permitirá que a poupança realmente financie as empresas e o crescimento econômico”, avalia Jean-Marc Daniel, economista do Instituto da Empresa, um think tank próximo do patronato.
Ele lamenta a ênfase na alta de impostos e a ausência do debate sobre a qualidade dos gastos públicos, já que nenhum dos principais candidatos diz claramente onde é que serão feitos os cortes de despesas. “A França quer copiar o modelo alemão, mas o melhor modelo seria uma mistura de Margaret Thatcher e Mario Monti, ou seja, uma política de austeridade, uma política de concorrência e uma política de redução de impostos sobre as empresas”, conclui Jean-Marc Daniel.
Uma receita que ganha outros ingredientes na versão da CFDT (Confederação Francesa Democrática do Trabalho), maior organização sindical francesa, com mais de 850 mil associados. “Restabelecer a competitividade da França sozinha, em detrimento dos outros países europeus, não faz sentido. Para nós, a boa resposta é a coordenação das políticas na Europa, primeiro orçamentárias, mas também econômicas e industriais.
A Europa deveria deixar margens de manobra por meio da emissão de eurobonds, não somente para responder à questão da especulação sobre a dívida, mas também para lançar planos de investimento”, diz Véronique Descacq, secretária nacional da CFDT. Para ela, o novo governo deverá apostar em inovação, pesquisa e qualificação dos empregados a fim de relançar o crescimento.
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