Em plena crise econômica, é a saúde das finanças públicas que mais inquieta o eleitorado francês que vai às urnas neste domingo (22/04) para eleger seu próximo presidente da República. Favorito nas pesquisas de intenção de votos, o socialista François Hollande vem protagonizando na imprensa francesa uma velha polêmica, que apresenta a (centro-)esquerda como inimiga dos mercados financeiros.
A tese de que a vitória do socialista sobre seu principal adversário político, o presidente Nicolas Sarkozy, do UMP (União para um Movimento Popular), provocaria a instabilidade econômica e retaliações do mercado foi lançada nos blogs especializados em finanças e difundido por jornais locais como Les Échos, Libération e Le Parisien e a revista L’Express.
O país, que perdeu seu “triplo A” em janeiro deste ano, nota máxima atribuída pelas agências de cotação de risco para avaliar a segurança de investimentos, teme sofrer o mesmo destino dos vizinhos Espanha e Itália. Diante do que tem sido classificado como uma “inquietação moderada” do mercado, em reação aos prognósticos eleitorais, cresce a preocupação com a alta das taxas pagas pela França e do preço do crédito sobre a dívida, fatores que agravariam a crise.
Nas últimas semanas, Sarkozy utilizou-se da tese em seus discursos para associar a crise aos governos socialistas (ou de centro-direita) europeus. Ele associou as crises das dívidas públicas que assolam Grécia, Portugal e da Espanha para culpar as políticas dos governos anteriores aos atuais (respectivamente Movimento Socialista Pan-Helênico, Partido Social Democrata e Partido Socialista Operário Espanhol). Não citou, no entanto, a Itália de Berlusconi e nem a própria França que, antes dele, era presidida por Jacques Chirac, da mesma UMP. Nem que as dívidas já atingiam níveis alarmantes antes desses governos.
Para Francesco Saraceno, economista sênior da OFCE (Observatório Francês de Conjunturas Econômicas), não há motivo para se pensar em desestabilização da economia. “É propaganda e não análise. Se Hollande ganhar não veremos uma atitude de inquietação dos mercados. Ambos [Sarkozy e Hollande] propõem mais aumentos de impostos do que redução de despesas. Eu não vejo no programa dos dois candidatos diferenças abissais na maneira de administrar as finanças públicas”.
Agência Efe
O socialismo europeu, mesmo que “rosa” nunca contou com a total confiança ou simpatia dos mercados
“Atualmente é o excesso de austeridade que inquieta os mercados, porque ele pode afundar a Europa em uma recessão”, afirma. Saraceno acredita que será preciso esperar a aplicação das medidas do próximo governo e as eleições legislativas previstas para junho para conhecer a real reação do mercado.
Apoio
No inicio do mês de abril, uma publicação na Alemanha afirmou que existiria um complô na Europa contra o socialista. Sarkozy conta com o apoio do primeiro-ministro britânico, David Cameron, da chanceler alemã, Angela Merkel, e dos chefes do governo espanhol e italiano, Mariano Rajoy e Mario Monti. Um cenário de portas fechadas para Hollande que, segundo o jornal alemão, representaria o isolacionismo e a perda da posição de liderança da França na União Européia. Esse cenário impossibilitaria, entre outros impasses, a aplicação da reforma orçamentária do bloco, prevista em seu programa de governo.
“Eu tenho medo”
No Brasil, em 2002, a oposição entre governos de esquerda e estabilidade da economia também foi um argumento adotado pelas facções conservadoras durante a eleição presidencial. Luiz Inácio Lula da Silva, então candidato pelo PT (Partido dos Trabalhadores), foi acusado pelo rival José Serra (Partido da Social-Democracia Brasileira) de provocar a desconfiança dos mercados financeiros. A frase “eu tenho medo”, dita pela atriz Regina Duarte na campanha de Serra, se tornou o símbolo da apreensão da classe média sobre a política econômica do ex-líder sindicalista, que poderia, segundo essa tese, colocar em risco as “conquistas do Plano Real” e a “estabilidade”.
“Todos as críticas sobre o projeto econômico de Lula desapareceram quando se percebeu que, globalmente, ele trazia crescimento para o Brasil, o que fez crescer a confiança em sua figura”, argumenta Saraceno. De acordo com o especialista, alguns governos de esquerda foram tão market friendly quanto os de direita. “Os mercados vão onde há dinheiro, independe da bandeira política. E só há dinheiro onde há crescimento. Se o novo presidente recuperar o crescimento que falta na Europa há cinco anos e fazer algo atrativo para o capital, então o mercado não irá penalizá-los”, assegura.
NULL
NULL