Foram quatro meses de intensas discussões dentro da própria aliança governista até que o presidente chileno, Sebastián Piñera, enfim pudesse anunciar, nesta quinta-feira (26/04), o projeto de reforma tributária com o qual o governo pretende financiar as novas políticas para a educação.
O projeto já havia sido anunciado na quarta-feira (25/04) pelo ministro da Educação, Harald Beyer. Piñera adicionou uma medida específica para a educação pré-escolar, que passaria a ser gratuita para 60% das crianças da rede pública e particular subsidiada, com prioridade para os de famílias economicamente mais vulneráveis.
Cadeia nacional
O imposto sobre as empresas sofrerá um aumento de 17% a 20% dos lucros, anunciou o presidente chileno
O presidente chileno prevê um aumento da arrecadação anual entre US$ 700 e 900 milhões (aproximadamente R$ 1,3 e 1,7 bilhão). Piñera garantiu que os novos recursos serão aplicados na reforma educacional, e finalizou seu discurso televisivo com um apelo aos estudantes, dizendo que “o êxito desta reforma tributária depende do esforço e do compromisso de todos os setores, mas principalmente o daqueles constituem o futuro do país, que serão os mais beneficiados”.
Impostos verdes
O imposto permanente sobre as empresas, um dos aspectos que causou maior discussão nos últimos meses entre os partidos da coalizão governista, sofrerá um aumento de 17% a 20% dos lucros. Além disso, serão eliminados alguns benefícios a franquias, especificamente os que geram distorções tributárias que reduzam a arrecadação.
Outro ponto no qual Piñera colocou especial ênfase foram nos chamados “impostos verdes”, que buscariam incentivar os produtos de menor impacto ambiental, aumentando os impostos de produtos contaminantes e criando um subsídio para empresas que fomentam a reciclagem. Também haverá um aumento sobre a produção de bebidas de maior grau alcoólico.
Com relação aos impostos que afetam as pessoas físicas, as principais mudanças estão na diminuição entre 10% a 15% nas alíquotas do imposto de renda, variação que dependerá da condição socioeconômica de cada contribuinte. Também se diminuirá a alíquota do imposto sobre selos e autenticações, de 0,6% para 0,2%.
NULL
NULL
O economista e investigador do Instituto de Políticas Públicas da Universidade Diego Portales Andrés Zahler viu pouca contundência na reforma apresentada por Piñera: “é mais um ajuste tributário do que uma reforma em si”. Contudo, considerou positivo o esforço em diminuir a brecha entre os impostos que pagam as empresas e os que influem sobre as pessoas, a qual, segundo ele, “explica porque no Chile o trabalho termina tributando mais que o capital”.
Segundo Zahler, os impostos verdes são uma importante novidade positiva. Por outro lado, considera que as medidas sobre o imposto de renda não terão nenhum efeito sobre a população mais pobre. “Somente os 20% mais ricos pagam imposto de renda, portanto são poucos os que serão beneficiados, e justamente os que não necessitam”, explicou.
Fazendo referência à classe média, o presidente chileno apresentou um aspecto do novo projeto que garantiria um desconto de até 50% dos gastos declarados em educação, que não estaria contemplado para os setores socioeconômicos de maior renda. Zahler afirma que “essa medida também terá um resultado mais favorável para aqueles que pagam mais impostos, os que gastam mais do que o normal em educação, que configuram uma porcentagem da população”.
Taxa dos combustíveis
O aspecto da reforma que vinha gerando maior polêmica no país desde o começo do ano era a taxa sobre os combustíveis. Os constantes aumentos nos preços da gasolina têm sido um dos principais focos de críticas ao governo este ano – nos últimos três meses, o governo anunciou oito aumentos, que elevaram o valor da gasolina comum em cerca de 40 pesos chilenos, algo em torno de R$ 0,15.
Efe
O anúncio foi feito um dia após uma megamanifestação estudantil tomar as ruas de Santiago. Houve violência policial
Em Santiago (cidade chilena onde o combustível é mais barato, com exceção das zonas francas), depois do último aumento, o preço da gasolina de menor octanagem alcançou 800 pesos chilenos (aproximadamente R$ 3,15). Sem a taxa dos combustíveis, o preço poderia baixar a até 550 pesos (aproximadamente R$ 2,10).
Mas a reforma anunciada por Piñera não prevê a eliminação da taxa, e sim um desconto de até 50 pesos (R$ 0,20) somente no caso de a conjuntura internacional elevar exageradamente o preço do petróleo. Os parâmetros em que se aplicariam o referido desconto não foram especificados. A proposta também contempla subsídios para taxistas e motoristas de transporte escolar.
Para Zahler, o desconto variável é uma medida levemente populista, e explica que “servirá para controlar as variações no preço dos combustíveis, mas as famílias chilenas que possuem carro são, em geral, as de classe média e alta”. Zahler acredita também que a variação baseada no preço internacional do petróleo poderia gerar um problema administrativo para o governo no futuro, como os efeitos que a taxa poderia ter na capacidade de predizer e controlar os recursos tributários.
A controvérsia a respeito da taxa sobre os combustíveis se deu principalmente no Congresso chileno, porque os dois principais partidos da coalizão governista mantiveram uma forte divergência a respeito. O PRN (Partido da Renovação Nacional, do presidente Piñera), junto com boa parte da oposição, sugeriu derrubá-la, enquanto a UDI (União Democrata Independente, partido de ultradireita), que se impôs no debate, defendeu a manutenção da mesma.
Criada em 1985, após um grande terremoto que afetou a região central do país, especialmente a capital Santiago, a taxa específica sobre os combustíveis foi anunciada pelo então ditador Augusto Pinochet como uma medida provisória para financiar a reconstrução do país, embora tenha sido adotada de forma permanente dois anos depois pelo próprio ditador, e mantida por todos os presidentes chilenos que o sucederam após o retorno da democracia.
Durante a tarde, o porta-voz do Palácio de La Moneda, Andrés Chadwick, havia adiantado alguns pontos centrais do projeto, explicando que, devido a que alguns pontos da proposta podem gerar maior discussão parlamentária enquanto outros “necessitam maior urgência, para solucionar os problemas da cidadania”. Devido a esse problema, o governo está avaliando se enviará a reforma em um único projeto de lei ou se a dividirá em dois ou três diferentes projetos, o que somente será definido na segunda-feira (30/04), quando o Congresso receberá oficialmente a proposta – o próprio porta-voz admitiu que o ponto que trata da taxa dos combustíveis será um dos prováveis projetos de lei paralelos.