Em 8 de dezembro de 1953, o então presidente dos Estados Unidos, Dwight Eisenhower, pronuncia um discurso na Assembléia Geral da ONU lançando seu programa “Átomos para a Paz”, a primeira iniciativa de políticas de desenvolvimento da tecnologia nuclear voltada exclusivamente para fins pacíficos.
“Os EUA asseguram diante dos senhores, e portanto diante do mundo, sua determinação em ajudar a resolver o temível dilema atômico – devotar seu coração e sua mente inteiros a encontrar a maneira pela qual a miraculosa inventividade do homem não seja dedicada à sua morte, mas consagrada à sua vida”, declara o presidente na ocasião.
Na prática, o discurso propõe a criação do que viria a ser a Agência Internacional de Energia Atômica, vinculada à ONU, e a cooperação para a formação de técnicos e instituições de pesquisa sobre energia nuclear, desde que necessariamente aplicada a usos civis, como a medicina, a agricultura e a geração de energia elétrica.
O discurso de Eisenhower, porém, tem um lado estratégico mais profundo que o simples pacifismo. Trata-se, naqueles anos iniciais da Guerra Fria, de equipar os aliados e sinalizar ao adversário – a União Soviética – que a corrida armamentista poderia continuar, mas o arsenal nuclear de cada lado teria função exclusivamente dissuasiva. Na prática, jamais deveria ser usado.
Stalin havia morrido em março daquele ano, deixando a URSS como a única outra potência nuclear do mundo. A nova liderança soviética ainda não está definida, e não se sabe se no Politburo irá prevalecer uma direção moderada ou “linha-dura”, que tenda ao enfrentamento direto. Para os EUA, portanto, o momento é de apreensão. Ao dar o primeiro passo, o presidente norte-americano sai em vantagem, afastando o ônus de ser visto como agressor numa eventual deflagração e conferindo aos EUA a imagem de “defensores da paz”.
Além disso, aspectos internos e até pessoais de Eisenhower, conhecido internamente pelo apelido de “Ike”, são determinantes para tomar a decisão. Herói da Segunda Guerra Mundial, militar de carreira, o presidente tem verdadeira repulsa ao uso excessivo da força. “Eu, que passei tanto da minha vida na profissão militar, prefereria nunca usar esta nova linguagem: a linguagem da guerra atômica”, diz Eisenhower diante dos delegados na ONU. Além disso, o presidente tem uma admiração por Albert Einstein, que, como físico e pai de uma das teorias fundadoras da física nuclear, era um ativo militante contra o uso destrutivo do poder do átomo.
“Nesta busca, sei que não podemos perder a paciência. Sei que, num mundo dividido, como é o nosso hoje, a salvação não pode ser alcançada por um ato dramático. Sei que vários passos terão de ser dados antes que o mundo possa se olhar um dia e perceber que há um novo clima de confiança mutuamente pacífica. Mas sei, acima de tudo, que precisamos começar a dar estes passos – agora”, conclama Eisenhower.
Curiosamente, foi graças ao “Átomos para a Paz” que o Irã (na época, sob a monarquia do xá) pôde construir seu primeiro reator nuclear – dando início a um longo e ainda incipiente programa de energia atômica que, hoje, por ironia, os próprios Estados Unidos vêem com desconfiança e pressionam para que seja desmantelado.
Paradoxalmente, também, o programa iria definir as bases sobre as quais a Guerra Fria iria ser travada nas quatro décadas seguintes. Ao deixar claro que o uso do arsenal atômico das duas superpotências significaria a destruição global, a política de Eisenhower fez com que a tensão entre EUA e URSS se materializasse nas guerras de menor intensidade entre aliados de um lado e de outro, com o uso extensivo de armas convencionais, como a Coreia, o Vietnã e o Afeganistão.
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