“Uma vitória que lança uma nova esperança na França e na Europa”. É assim que Pierre Laurent, secretário-geral do PCF (Partido Comunista Francês) e presidente do PGE (Partido da Esquerda Europeia), composto por 26 partidos europeus, avalia a eleição do socialista François Hollande à presidência francesa no último dia 6 de maio, colocando fim a um domínio eleitoral de três mandatos de direita.
Jornalista de formação, Laurent dirigiu o diário francês de esquerda L'Humanité por quase dez anos e se diz muito satisfeito com o desempenho da Frente de Esquerda (coligação formada pelo PCF com o Partido de Esquerda) e de seu candidato, Jean-Luc Mélenchon, que obteve 11,1% dos votos no primeiro turno.
O dirigente concedeu uma entrevista a Opera Mundi na histórica sede do PCF, em Paris, projetada pelo arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer entre os dois turnos da eleição presidencial.
Enquanto a nova gestão socialista já anuncia as primeiras medidas após a posse do governo no último dia 15, as outras correntes de esquerda redefinem estratégias e concentram forças para as eleições legislativas, que serão realizadas entre os dias 10 e 17 de junho.
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Opera Mundi: Logo depois do anúncio dos resultados do primeiro turno da eleição presidencial que indicou a disputa final entre Hollande e o presidente Nicolas Sarkozy, da UMP (União por um Movimento Popular), Mélenchon comunicou o apoio da Frente de Esquerda a Hollande sem contrapartida. Por que não houve negociação para formar uma aliança?
Pierre Laurent: A primeira razão é que não tínhamos a menor dúvida de que era preciso derrotar Sarkozy no segundo turno. Para nós, não era uma questão condicionar nosso engajamento de livrar o país da direita. Queríamos que nosso chamado fosse claro e sem ambiguidade sobre essa questão.
A segunda é que a eleição presidencial é seguida por outra muito importante, a legislativa. A maioria parlamentar que vai acompanhar o novo presidente será decidida nesse momento e a Frente de Esquerda irá com as mesmas propostas que defendeu na presidencial. Não iremos renunciar. Só depois das duas eleições é que veremos os contornos possíveis da maioria e o lugar ocupado pela Frente de Esquerda.
OM: Então não podemos pensar em uma participação do PCF no governo Hollande?
PL: Realizaremos uma conferência nacional do PCF na semana seguinte à legislativa para avaliar a situação e tomar uma decisão definitiva. Na situação atual, Hollande anuncia que o governo deverá botar em prática apenas seu programa de governo e nada além.
Nós temos desacordos importantes com essas propostas e a ambição de mudar as coisas com a legislativa. O resultado que obtivemos na presidencial nos dá um peso importante na futura maioria, queremos ampliar o placar e mudar essa situação. A vitória do PS não poderia ser possível sem a Frente de Esquerda. Só no final de junho vamos avaliar se os socialistas aceitam considerar temas importantes para nós, relativos aos salários, criação de empregos no serviço público, indústria nacional e reorientação da política europeia.
Atualmente temos muitas diferenças com o programa presidencial de Hollande para governar nessa situação, mas temos ambição de mudar esse contexto.
OM: Não houve nenhum gesto do PS para integrar propostas da FE?
PL: Não. Por enquanto, Hollande diz que apenas o seu programa será aplicado.
OM: E qual será a estratégia da Frente de Esquerda daqui para frente?
PL: Com Sarkozy derrotado, nós entramos em um período totalmente novo. Os que votaram com a esquerda esperam muitas mudanças sobre as grandes questões sociais, sobre a redução da desigualdade que explodiu ao longo dos últimos cinco anos e também em termos de direito, liberdades e política europeia. Há muita expectativa.
Espero que continuemos na maioria parlamentar com uma bancada da Frente de Esquerda reforçada. Também continuaremos presentes nas mobilizações sociais que acontecem no país, vamos continuar levando essas propostas de mudança e faremos de tudo para que o novo governo as considere. Nossa estratégia será de mobilização popular cada vez mais importante e longa. Não queremos que a mobilização que foi a característica de nossa campanha se interrompa com a eleição, a fim de garantir que a política do novo governo vá de encontro as nossas propostas. Essa batalha não irá se encerrar na esquerda não importa qual seja o governo.
OM: Qual a avaliação o senhor faz do desempenho nessas eleições? Por que a Frente de Esquerda não conseguiu integrar partidos de extrema-esquerda como o NPA (Novo Partido Anti-Capitalista) e o LO (Luta Operária)?
PL: Nós fazemos uma avaliação extremamente positiva da campanha. O conjunto de votos das forças de esquerda, que soma os Ecologistas, o PS e a Frente é muito elevado comparado às eleições precedentes. Esse progresso se deve ao progresso da Frente de Esquerda. Fomos a força mais dinâmica e a que mais progrediu na esquerda, graças ao projeto unitário que implantamos. Conseguimos em três anos, quando criamos a Frente, unir forças que estavam dispersas e que se juntaram para renovar o projeto.
É também o resultado de um programa que foi elaborado depois de muito debate nos país. Chamado de “O humano primeiro (L’humain d’abord, em francês)”, ele é uma ruptura forte com a lógica liberal que foi aplicada nesses últimos 20 anos. Esse programa teve um impacto muito grande no debate político. Hoje, há uma dinâmica social entorno da Frente.
O PCF, que é um dos criadores da Frente, está extremamente satisfeito desse balanço. Tentamos unir todas as forças disponíveis vindas de todas as famílias da esquerda, mas algumas como a direção do NPA e da LO não quiseram. Eles obtiveram resultados muito baixos por causa disso, o isolamento deles não foi compreendido nem por seus próprios militantes. Hoje, a maioria dos militantes NPA abandonou essa organização para integrar a Frente. Os que ainda não fizeram o farão, porque a dinâmica da Frente de Esquerda é muito atrativa.
OM: Dentro de um cenário de crise econômica em que governo de direita chegaram recentemente ao poder na Espanha, Portugal e Grécia, como o senhor avalia o espaço da esquerda na Europa?
PL: A situação na Europa é difícil. De um lado, porque a unificação das forças de esquerda dentro do Partido Europeu de Esquerda começou há pouco tempo. Ele foi criado há sete anos, enquanto a UE existe há dezenas. Demoramos a unificar as forças e esse atraso foi prejudicial. Por outro lado, em muitos países europeus, as forças da direita e da social–democracia aplicaram projetos liberais similares.
Os social-democratas, que na maioria dos países constitui a principal força de alternância com a direita, falharam totalmente e deixaram a oposição em um estado de decadência política muito grave. Nós começamos um trabalho de reconstrução de uma esquerda alternativa na Europa. Há coisas novas acontecendo e o sucesso da Frente é observado por toda a Europa e terá um efeito positivo sobre o conjunto das forças democráticas.
Na Espanha, a Esquerda Unida viveu progressos importantes nos dois últimos anos. O movimento social e sindical reintegrou fortemente o movimento, mesmo com a derrota do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol). Na Grécia, há forças de resistência numa situação extremamente dura e violenta (na ocasião ainda não havia ocorrido a ascensão do Syriza, coligação da esquerda Radical).
O mesmo ocorre em Portugal. Houve uma greve geral importante há pouco tempo na Bélgica, movimentos na Itália. Nosso trabalho de união e reconstrução das forças de esquerda na Europa está apenas começando desde a amplificação da crise na Europa em 2008. O PGE está ganhando novas forças, mas há um longo trabalho pela frente.
Agência Efe
Mélenchon obteve um desempenho acima das expectativas na eleição presidencial. Desafio agora é manter o ritmo na legislativa.
A UE funcionou há 20 anos com um consenso entre as forças de direita e de (centro-)esquerda. Mas o modelo liberal de construção da UE entra em crise juntamente com essa alternância entre forças de projetos similares. É preciso construir alternativas e as unir. Se não o fizermos, serão as forças populistas e de extrema-direita que passam a ter sucesso nos países onde não há esquerda alternativa.
Estamos em uma corrida para ocupar esse espaço político, lançado um programa inédito de aproximação das forças da esquerda europeia, sindical e redes sociais, para construir um processo que nós chamamos de Alter Summit (cúpula alternativa) na Europa. Esse trabalho já começou e espero que vá se amplificar nos próximos meses.
OM: Há um trabalho similar de aproximação com as forças da esquerda na América Latina?
PL: Trabalhamos com muitas forças democráticas na América Latina. Estaremos presentes no Fórum de São Paulo que acontece em julho, em Caracas, na Venezuela. Uma secretaria europeia do Fórum foi criada em Madri em janeiro de 2012 e desenvolvemos as relações entre as forças democráticas latino-americanas e o PGE.
OM: As relações passam pelos partidos e sindicatos? Como é feita essa ligação?
PL: Principalmente pelos partidos, mas frequentamos fóruns na América Latina que reúnem sindicatos e grupos sociais diversos. Nós temos relações com o MST (Movimento dos Sem Terra) e um contato regular com responsáveis de relações internacionais de outros partidos de esquerda. Planejamos ir bastante à região em 2012 e 2013. Eu pretendo ir pessoalmente.
Há um movimento que consideramos muito positivo. Toda a última década foi marcada por um progresso da esquerda na região. Mas essas experiências são muito diferentes de um país para outro. Nós acompanhamos isso e uma parte das nossas trocas é justamente para compreender esse fenômeno. Há muito tempo abandonamos a ideia de modelo, mas nos enriquecemos das experiências de uns e outros e pensamos que são novas formas de internacionalização a serem inventadas.
Elas devem ser concebidas como relações de cooperação, de troca e de enriquecimento entre processos que não são fáceis em um contexto de mundialização. Encontrar os caminhos de uma transformação social durável e bem sucedida é um desafio para todo mundo. Temos uma atitude de solidariedade com os movimentos, e estamos sempre atentos às contradições.
A decisão recente da Argentina em nacionalizar a Repsol desencadeou aqui na Europa uma onda de hostilidade incrível. Vimos os sentimos neocoloniais reaparecerem sem complexo. Consideramos que é uma decisão legítima do governo argentino e as declarações agressivas da UE são chocantes. Tentamos construir essa relação de solidariedade entre aqueles que tentam construir novas vias diante da mundialização capitalista.
OM: Para proteger o mercado francês e europeu da “concorrência desleal” de potências emergentes, Sarkozy propôs o “Buy European Act”. Inspirado no “Buy American Act”, que existe há 80 anos nos EUA, o mecanismo protecionista reservaria às empresas europeias o direito de participar de licitações públicas do continente.O que o senhor pensa dessa medida?
PL: Hoje, a lógica é a concorrência generalizada. É preciso inventar um outro modo de desenvolvimento, que deve se focar no crescimento soberano dos países, nos planos agrícola e industrial. Há políticas de relocalização industrial ou agrícola a serem realizada em diferentes países, mas devem ser acompanhadas de um movimento de troca, vantajoso mutuamente. Uma relação de igualdade e não de dominação.
A proposta de Sarkozy visa a uma proteção que mantém uma atitude agressiva da Europa. Ela é insuficiente e não adaptada. É preciso uma política que vise a redução da desigualdade no plano internacional e o desenvolvimento compartilhado.
OM: Uma pesquisa TNS Sofres para a rede de televisão francesa Canal+ , publicada entre os dois turnos, aponta que mais de um terço dos franceses se diz de acordo com as ideias do partido de extrema-direita, a FN (Frente Nacional), que obteve quase 18% dos votos no primeiro pleito. Como o senhor avalia esse resultado?
PL: Nós consideramos o resultado do FN muito inquietante, pois não é somente um voto de protesto, mas de eleitores que votam pela direita ou pela extrema-direita há muito tempo. É uma adesão a ideais de fechamento, que pensam que não podemos salvar todo mundo na crise, que é preciso salvar alguns e não os outros. É um recuo em relação a ideia de solidariedade, serviço público, compartilhamento, que continua sendo majoritária no nosso país.
Esse é um fenômeno que não é francês, é europeu. Diante do desenvolvimento da crise, houve um crescimento de ideias populistas. Sabemos que temos um trabalho de reconquista política e ideológica das classes populares que votaram nos últimos dez anos de maneira continua por uma direita dura ou pela extrema-direita. As situações de crise são sempre favoráveis a desenvolver ideias que opõem as pessoas entre elas, no contexto europeu a um crescimento de todas as formas de racismo.
O fenômeno novo é o endurecimento da direita francesa. Até então ela recusava a aproximação com a extrema-direita e agora Sarkozy e uma parte da direção da UMP a assumem totalmente. Na batalha contra o FN, durante a campanha presidencial, começamos a marcar alguns pontos, mas há muito trabalho pela frente. Estamos mobilizados.
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