O sentimento de solidariedade internacional e a necessidade de retribuição ao apoio recebido durante a luta contra o regime racista de apartheid na África do Sul (1945-1994) são as principais motivações dos ativistas da BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções). A filial sul-africana do grupo é uma das mais organizadas e engajadas no movimento internacional que defende ações econômicas diretas contra o governo israelense em favor das causas palestinas. Presente em peso no FSM (Fórum Social Mundial) Palestina Livre, que ocorreu nesta semana em Porto Alegre, a organização descreveu uma série de lições de resistência aprendidas na época do regime segregacionista.
“Temos a obrigação de retribuir o apoio que outros nos deram há 20 anos durante a luta contra o apartheid”, explica Mohamed Desai, coordenador da organização em Johanesburgo, à reportagem de Opera Mundi.
Assim como ocorreu na África do Sul na década de 1990, os ativistas esperam que o boicote internacional a Israel tenha como resultado a mudança de um regime que também consideram ser segregacionista e da ocupação dos territórios palestinos. “Não é apenas uma questão de princípio, é uma resposta concreta à luta dos palestinos”, continua ele.
Fora do Eixo
Manifestação pró-Palestina em marcha da FSMPL, encerrada neste sábado em Porto Alegre
Atendendo ao pedido de muitos presentes no congresso, os ativistas sul-africanos compartilharam as medidas que deram certo no passado e deram dicas para as outras organizações internacionais envolvidas na campanha. “Temos de achar os pontos fracos de Israel e do movimento sionista”, afirma Ronnie Kasrils, que participou da luta contra o apartheid e foi ministro da Defesa no governo de Nelson Mandela.
A campanha deve reconhecer aquilo que o movimento sionista mais valoriza para poder iniciar o boicote, aponta Desai. Na África do Sul do apartheid, por exemplo, os esportes e suas diferentes ligas eram muitos valorizados pelas autoridades e população. Por essa razão, os ativistas começaram a boicotar os jogos de maneiras muito criativas, como levando dezenas de coelhos para o campo, impedindo o acontecimento da partida. “Isso fez com que as pessoas prestassem atenção para o que estava acontecendo”, diz o coordenador.
NULL
NULL
Na interpretação do grupo sul-africano, as autoridades israelenses e os defensores da ocupação se vangloriam de sua excelência acadêmica e promovem diversos incentivos para atividades intelectuais e culturais. “Esse é um ponto importante que a campanha deve explorar. Por isso, nós damos importância ao boicote acadêmico e cultural”, diz Desai.
Uma das celebridades mundiais que aderiu ao movimento recentemente foi o cantor norte-americano Steve Wonder, que se recusou a tocar em Israel. “É deste tipo de iniciativa que precisamos”, acrescenta ele. O coordenador sul-africano ainda lembra que a adesão de artistas atrai ainda mais atenção para a campanha de BDS.
Boicote e luta armada
De acordo com Desai, o boicote na África do Sul era muito mais radical do que o proposto pelos palestinos e mesmo assim, conquistou o apoio até mesmo dos Estados Unidos nos últimos anos de luta. “O ANC (Congresso Nacional Africano, atualmente o partido político no poder) que convocou a campanha e eles possuíam um braço militar assumido”, explica. “Os palestinos nem estão pedindo isso, só querem o nosso apoio ao BDS e não à resistência armada”, ponderou.
Fora do Eixo
Ronnie Kasrils, à direita, durante palestra do FSM Palestina Livre
Apesar das vitórias conquistadas na África do Sul com a adesão de diversos sindicatos e a decisão do governo de rotular os produtos israelenses produzidos em territórios palestinos ocupados, o ativista diz que ainda há muito mais a fazer. Não devemos aprovar medidas paliativas, como a dos rótulos, porque sabemos que Israel pode burlá-los. Nós temos que proibir esses produtos”, afirma.
“Futuro promissor”
“Com a resistência das pessoas e o apoio da comunidade internacional, podemos ganhar”, afirma Kasril. O político, que integrou o ANC na época da luta armada, lembrou que a campanha de boicote sul-africana levou 30 anos para alcançar resultados efetivos. “O BDS para a população palestina tem apenas sete anos e se desenvolveu com força e rapidez ao redor do mundo. Mais rápido do que nossa iniciativa”, acrescentou.
Por mais que ainda tenha que conquistar muitos avanços, Desai avalia que a campanha internacional de boicote a Israel terá um futuro promissor. O coordenador sul-africano alertou aos movimentos brasileiros para agirem contra os tratados comerciais entre as autoridades e Israel, que devem aumentar com os próximos dois megaeventos esportivos – Copa do Mundo (2014) e os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro (2016).
“Você escolhe fazer negócios com Israel. É uma decisão política, não só econômica”, afirma.