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Política e Economia

De punho em riste: quem é a garota que desafiou a ocupação israelense?

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Ahed Tamimi, de apenas 13 anos, enfrenta os soldados israelenses e diz que a dor já faz parte de sua vida

Yara Fares e Marina Mattar

2012-12-09T11:00:00.000Z

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Oren Ziv/ ActiveStills


No meio de uma estrada deserta, cercada de paisagem árida, uma pequena menina com a insígnia da paz estampada no peito enfrenta dezenas de soldados, protegidos com capacetes e metralhadoras. O contraste da imagem choca, mas nem as armas em punho foram capazes de amedrontar a garotinha, que continuou a gritar e empurrar os oficiais em busca de respostas (veja o vídeo abaixo). 

Os risos jocosos dos militares, que se entreolhavam em desprezo, apenas alimentaram o desespero e raiva da jovem. No fim, a única resposta recebida foi o disparo de balas de borracha. As imagens da bravura da menina, na reedição de uma espécia de batalha entre Davi e Golias, correram o mundo. Ahed Tamimi, de apenas 13 anos, queria apenas saber para onde o irmão, Waed, de 15 anos, havia sido levado durante os protestos do dia 2 de novembro em Nabi Saleh, pequeno vilarejo na Cisjordânia onde vivem.

Sentada na cama do hospital, em Ramallah, com a mão enrolada em curativos, a palestina não reclama do ferimento e conta que a dor já se tornou parte de sua vida. Filha do líder comunitário Bassem Tamimi, considerado pela União Europeia um “defensor dos direitos humanos” e pela Anistia Internacional “um prisioneiro de consciência”, Ahed já teve de lidar com o encarceramento dos pais, a morte de dois tios e a violência cotidiana de soldados israelenses contra a família e amigos. 



“Eu lembro que o pior período da nossa vida foi quando prenderam o meu pai pela primeira vez. As autoridades israelenses não nos deram autorização para visitá-lo”, contou ela a Opera Mundi. Detido por oficiais israelenses por seu papel de liderança nos protestos pacíficos, Bassem teve de enfrentar a corte militar de Israel por 13 vezes e chegou a passar mais de três anos no cárcere, sem nenhum julgamento. 

Há mais de três anos, os residentes de Nabi Saleh se concentram toda sexta-feira às 13h30 no centro da vila e tentam caminhar com bandeiras da Palestina até a Alqaws, fonte de água da cidade confiscada pelos oficiais israelenses em 2009 e atualmente de uso exclusivo dos colonos. O recurso era necessário para as plantações na aldeia e também funcionava como local de lazer, mas Israel restringiu a visita e proibiu a construção de qualquer tipo de infraestrutura no local pelos palestinos. 

ActiveStills (24/08/12)

Ahed e sua prima tentam impedir a prisão de sua mãe Nariman em um protesto contra os assentamentos em Nabi Saleh

“Toda sexta-feira, choques começam quando tentamos começar nosso protesto pacífico contra o assentamento que nos cerca”, contou a garota. Idosos, como sua avó, de 90 anos, crianças, mulheres e homens, são atingidos indiscriminadamente por munições e projéteis. Com balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo, spray de pimenta e o líquido “skunk”, os soldados impedem que a passeata chegue ao local de destino mas, pela primeira vez, em junho deste ano, o grupo conseguiu entrar na fonte. 

Depois dos primeiros protestos, as Forças de Defesa de Israel começaram a fechar todas as entradas e saídas da vila, impedindo a chegada de ativistas internacionais e de outras cidades palestinas e restringindo a manifestação às ruas da vila.

“O uso de todos os meios para finalizar o protesto pelas forças de segurança é excessivo e ocorre mesmo quando os manifestantes não são violentos e não representam ameaça. As forças disparam enormes quantidades de gás lacrimogêneo dentro da área urbana da vila, que é o lar de centenas de pessoas”, disse em relatório a organização israelense B’TSelem. “Em um protesto, pelo menos 150 latas de gás lacrimogêneo foram disparadas”, completou.

Mortes

Foi em uma dessas vezes que Ahed perdeu um dos primos. Há exatamente um ano, Mustafa morreu quando foi atingido na cabeça com uma bomba de gás lacrimogêneo durante os protestos. De acordo com testemunhas, ele jogava pedras contra um tanque israelense e um soldado, não identificado, mirou em sua cabeça.

ActiveStills

Ahed Tamimi (no fundo à direita), sua mãe, Nariman, abraçada a seu irmão, Waed, no funeral de Rushdi Tamimi

No entanto, segundo organizações de direitos humanos e residentes de Nabi Saleh, os oficiais não usam inadequadamente apenas munições menos letais, mas também armas de fogo. Em 19 de novembro, o tio de Ahed, Rushdi, policial palestino de 31 anos, faleceu de complicações médicas depois de ferimentos com balas de fogo no intestino.

Apesar da crescente repressão, Ahed e sua família continuam a participar dos protestos semanais na aldeia, de 500 habitantes, contra os assentamentos israelenses e o muro que separam os territórios. Sob o argumento de que a manifestação é uma “reunião ilegal”, os oficiais prendem civis e tentam dispersar o grupo logo nos primeiros minutos.

Prisões 

“Minha mãe disse a eles para saírem das nossas terras e o soldado, com raiva, respondeu que estávamos em uma zona militar. [Ela] então disse a ele para retirar os colonos também e ele ordenou sua prisão”, lembrou Ahed, mencionando a manifestação do dia 24 de agosto (vídeo). Ao lado das primas, a garota protestou contra a detenção e acabou apanhando dos militares. Nariman foi libertada e logo, voltou a participar das manifestações com sua câmera e kit de primeiros socorros.

ActiveStills (24/08/12)

Nariman, coberta com o lenço palestino, é levada pelos oficiais israelenses; Ahed tenta impedir que eles levem sua mãe

O pai foi preso novamente em 24 de outubro, durante uma manifestação a favor do boicote contra o supermercado israelense Rami Levy. Ele posteriormente foi condenado a quatro meses de prisão e a uma multa poucos meses depois de ter sido solto. Após uma semana, o filho mais velho foi levado pelos soldados, mas permaneceu detido poucos dias na delegacia do assentamento de Sha’as Benyamin.

“A prisão de Waed Tamimi, enquanto ele estava andando pacificamente em sua vila, aponta para o contínuo abuso do ativista Bassem Tamimi, de sua família e da comunidade de Nabi Saleh pelas forças militares israelenses”, afirmou Ann Harrison da Anistia Internacional. “Este abuso e assédio deve parar”, acrescentou ela.



Ocupação e os jovens: peça-chave para a repressão

A presença militar de israelenses na vila palestina não é restrita às sextas-feiras. A emissora israelense Canal 10, junto com a B’TSelem, denunciou que os oficiais fazem rondas noturnas em Nabi Saleh, durante as quais invadem as residências dos palestinos e tiram fotos das crianças. 

As Forças de Defesa usam as fotografias para identificar os menores que jogam pedras contra os oficiais nos protestos e depois, vão às suas casas durante a noite para prendê-los. Segundo a organização palestina Addammeer, que luta pelo direito dos presos políticos, o depoimento desses jovens é fundamental para Israel construir denúncias contra os líderes do movimento. Foi o interrogatório de uma criança de 10 anos que levou à prisão de Bassem.

Ahed conta que os oficiais estão por perto “toda vez que quero brincar com meus amigos, quando vou à escola e quando estou em casa”. 

Oren Ziv/ActiveStills

Bassem e Nariman Tamimi se reencontram depois de periodo de encarceramento

Mesmo quando os soldados estão longe, os palestinos lembram diariamente de que sua terra está sendo ocupada e confiscada. Nabi Saleh, assim como toda a Cisjordânia, é cercada por um muro de 10 metros de altura e por todos os lados da aldeia, os apartamentos modernos dos colonos construídos ilegalmente em seu território podem ser vistos. A falta de parentes e amigos que estão presos ou foram mortos impedem que essas pessoas se esqueçam da sua realidade.

Sonhos de uma criança

"Eu gostaria que toda a minha família fosse libertada assim como todos os outros prisioneiros palestinos logo e quero ver o meu grande sonho de um dia viver em uma Palestina livre", declarou Ahed. 

Reproduçao Facebook
O sentimento de tristeza e desespero, pesado demais para uma criança, preocupa os pais de Ahed. “Durante as visitas ao meu marido, Bassem me pediu que os corações dos nossos filhos fossem purificados de todo e qualquer ódio por conta das sementes de amor que plantamos neles”, contou Nariman. “Agora, nós estamos esperando por redenção, felicidade, justiça e liberdade”. 

(Waed Tamimi vestido com lenço palestino durante protesto do dia 7 de dezembro para se proteger das bombas de gas lacrimogeneo)

A libertação nacional parece estar longe da vida de Ahed e dos Tamimi. Enquanto a família ainda enfrenta uma ordem de demolição de sua casa em Nabi Saleh, as autoridades israelenses já anunciaram que vão continuar com a expansão dos assentamentos nos territórios palestinos.

No entanto, o espírito de resistência dessa família não parece diminuir, apesar das seguidas provações pelas quais passaram. Metaforicamente, os Tamimi são a Palestina. 

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Análise

Patentes na OMC é uma derrota para os países do Sul Global

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Pandemia de covid-19 reativou a debate sobre a quebra de patentes para medicamentos e vacinas. Apesar de sua união em torno do tema, países subdesenvolvidos sofreram uma derrota

Alessandra Monterastelli

Outras Palavras Outras Palavras

2022-07-06T22:35:00.000Z

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No dia 17 de junho, saiu fumaça branca das chaminés da Organização Mundial do Comércio (OMC). A entidade, responsável pela regulação de patentes internacionais, anunciou que chegara a uma conclusão sobre as vacinas contra o coronavírus. Tratava-se do pedido de isenção do acordo TRIPS – sigla em inglês para Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio. Firmado na virada do século, tal compromisso obriga os países-membros da OMC a adotar padrões mais rigorosos de proteção patentária. Consequentemente, encarece o acesso às inovações tecnológicas, inclusive no setor farmacêutico. Mas a decisão final foi amplamente criticada por ativistas da saúde e movimentos populares em todo o mundo, já que a OMC rejeitou a isenção total do TRIPS. 

Em 2020, diante da disseminação do novo coronavírus, África do Sul e Índia protocolaram a proposta de isenção do Acordo, que obteve amplo apoio dos países em desenvolvimento e de baixa renda – com exceção do Brasil. A nova decisão foi saudada pelo Secretariado da OMC e por representantes de países ricos como um resultado sem precedentes, mas ativistas condenam que, na prática, a decisão não atende as necessidades mínimas da maior fatia do mundo. “Houve um esvaziamento da proposta pelos países mais ricos. O texto perdeu totalmente sua força, não trouxe nada novo”, explica Felipe Carvalho, Coordenador Regional da Campanha de Acesso do Médicos Sem Fronteiras ao Outra Saúde.

A conclusão do órgão concedeu uma exceção temporária à restrição das quantidades de vacinas que podem ser exportadas sob licença compulsória; diagnósticos e tratamentos não estão incluídos e devem obedecer ao limite de exportação durante o tempo de licença compulsória – decretada durante emergências sanitárias, como é o caso da pandemia. Além disso, a concessão vale apenas para responder à covid-19 e não tem validade diante de outras crises de saúde. O acordo final não inclui o compartilhamento de segredos comerciais e know-how de fabricação, o que prejudicará a produção de vacinas com tecnologia avançada por países de baixa renda – como é o caso dos imunizantes de RNA.

Carvalho conta que o problema é abordado com frequência em reuniões escpecais da OMS e da ONU.  “Existe um consenso entre especialistas e órgãos multilaterais de que as patentes causam constantes crises de acesso e inovação na saúde”. Em maio, o The Guardian divulgou que a Pfizer lucrou 25,7 bilhões de dólares só no início de 2022 – mais da metade do valor está relacionado à venda de vacinas contra a covid-19. Tim Bierley, ativista do Global Justice Now, denunciou ao jornal britânico que apesar do apelo da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de outras organizações, a farmacêutica seguia se recusando a compartilhar a tecnologia de produção do imunizante. O diretor da OMS, Tedros Adhanon, afirmou em 2021 que a pandemia estava sendo prolongada por uma “escandalosa desigualdade” diante do acúmulo de doses de imunizantes por países ricos enquanto países pobres não conseguiam avançar em sua meta de vacinação em massa. 

“Desde a criação do acordo TRIPs nós temos um cenário de constantes crises de acesso a medicamentos essenciais”, conta Felipe. Ele relembra o caso emblemático da epidemia de HIV/AIDS, na década de 1990. “Em 1996 surgiu a primeira terapia para a doença. As pessoas pararam de morrer e passaram a conviver com o vírus. Mas essa terapia não chegou nos países onde o cenário era mais grave”, explica. O ano de 1996 foi também quando o acordo TRIPS entrou em vigor, após sua criação em 1994 e preparação em 1995. “A partir daí se criou uma coalizão na sociedade civil, da qual fazemos parte, chamada Movimento de Luta pelo Acesso a Medicamentos. A pergunta era: por que os preços eram tão altos e o tratamento se tornava inacessível para milhões de pessoas? Nos aprofundamos no sistema de patentes e entendemos que o monopólio era a causa”, relembra.

Apesar do TRIPS possuir cláusulas que permitem flexibilizações, elas são de difícil utilização devido a dois fatores principais: sua não-incorporação completa em leis de países-membros e a pressão que as farmacêuticas exercem sobre as decisões da OMC. Na década de 1990, diante da grave situação vivida na África do Sul – país com maior número de mortes pela AIDS na época – o governo então liderado por Nelson Mandela aprovou uma das medidas previstas no TRIPS para importar genéricos. Na ocasião, Mandela sofreu o processo de 39 farmacêuticas que se opuseram à decisão tomada para conter a crise de saúde pública. Apesar da derrota das corporações na justiça, “esse é um exemplo de como essas empresas e seus países-sede tentam barrar as normas legítimas existentes no TRIPS”, exemplifica Carvalho.

A OMC é uma instituição formada por 164 membros e opera com base na tomada de decisões por consenso. “A OMC falhou em fornecer uma isenção. O acordo coloca os lucros à frente das vidas e mostra que o atual regime de propriedade intelectual falha em proteger a saúde e promover a transferência de tecnologia. Essa não-renúncia estabelece um mau precedente para futuras pandemias e continuará a colocar vidas em risco” declarou Lauren Paremoer, médica e integrante do Peoples’ Health Movement na África do Sul. 

A Health Action International, referência no trabalho para expandir o acesso a medicamentos essenciais, argumentou em nota que a decisão da OMC impõe obstáculos ao licenciamento compulsório, uma das poucas flexibilidades existentes no TRIPS, em troca de uma abertura tímida para a facilitação da exportação de vacinas. Outras entidades representantes da sociedade civil já denunciaram a atuação dos países ricos e vêm aumentando a pressão sobre os governos. O objetivo, segundo seus porta-vozes, é que sejam tomadas medidas concretas para desafiar as regras de monopólio farmacêutico da OMC e garantir mais acesso a medicamentos e tecnologias. 

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