Passaram-se algumas horas desde que o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, anunciou em cadeia nacional que iria se ausentar novamente do país após células cancerígenas serem detectadas em exames. Reeleito em 7 de outubro deste ano, saudável, Chávez agora terá de passar por uma nova batalha contra a doença, detectada em 2011.
Entre aqueles que são a sustentação de seu apoio, a notícia caiu como uma bomba. No entanto, o sentimento da maioria é que o presidente conseguirá se recuperar. Enquanto viajavam no moderno metrô de Caracas, Elena e Dayana, mãe e filha, liam atentamente uma longa reportagem sobre o retorno da doença. “Temos que ter fé”, diz a Opera Mundi Elena, enquanto a filha folheia o jornal. “Ele é um ser humano, como qualquer um de nós e Deus é muito grande. Além disso, como ele mesmo disse à noite [sábado]: viemos de milagre em milagre e isso o meu Deus concederá ao nosso novo presidente, ele merece”.
Gustavo Borges/Opera Mundi
Elena (à direita) e Dayana leem notícia do retorno do câncer de Chávez. As duas apostam na recuperação do presidente
Elena é mãe de três meninas. Faz um ano que elas ficaram desabrigadas. Após passar seis meses em um refúgio, a família ganhou um moderno apartamento em um bairro popular no oeste da cidade. “Olha, essa é Dayana”, aponta, apresentando a filha. “Ela votou pela primeira vez em 7 de outubro, e foi para Chávez”, sorri.
Dayana estuda comunicação social na UBS (Universidade Bolivariana de Venezuela), instituição criada durante a gestão chavista para acolher milhares de jovens sem oportunidade de bolsas de estudos. “Chávez me deu a oportunidade de estudar. Tenho certeza que ele vai se sair bem desta nova prova”, assegura a jovem. “Ele é invencível e, como disse minha mãe, Deus é muito grande”. Questionada sobre a designação do vice-presidente Nicolás Maduro como possível sucessor de Chávez, ela afirma: “Não será necessário. Meu comandante vai voltar são e salvo e ainda mais forte, vocês vão ver”.
Na avenida Sucre, no bairro de 23 de Janeiro em Caracas, Mayela comenta a notícia em tom de bronca. “Chávez é um irresponsável”, diz, indignada e quase às lágrimas. “Caralho! Ele tinha que se cuidar. Como vem nos contar isso agora, que está muito doente e que vai deixar o cargo. Ele tinha que saber que a saúde é mais importante do que qualquer coisa”, acrescenta. Mayela fala sobre o presidente como se fosse um membro da família. “Olhe como a campanha presidencial foi feita. Você pensa que nós não estávamos com o coração apertado ao ver o esforço que ele estava fazendo?”, perguntou. Sobre a convocação de novas eleições, Mayela diz não importar o nome. “Tanto faz quem o presidente nomeou para ser seu sucessor. Pode ser Nicolás, Diosdado [Cabello, presidente da Assembleia Macional] ou sua filha Carmen. Ele já deu a ordem para que o apoiemos se for necessário e o povo irá escutá-lo. É o que eu vou fazer”, conclui.
Gustavo Borges/Opera Mundi
Indignada, a caraquenha Mayela sugeriu que o presidente não cuidou da saúde durante a campanha eleitoral
Mais à frente, ainda no 23, Rubén, Enzo e Gabriel se reúnem como todas as tardes e tomam um café na concorrida padaria do bairro. É comum passarem horas discutindo o desenvolvimento do conselho comunal do qual fazem parte há três anos. Os conselhos são pequenos centros autogestionários da Venezuela, criados no âmbito do poder popular. Atualmente, existem cerca de 4,5 mil estabelecidos no país e organizados em grandes comunas territoriais.
No entanto, dessa vez, a conversa dos caraquenhos gira em torno do anúncio de Chávez. Ao contrário dos outros simpatizantes do presidente, eles fazem uma análise mais racional. Para eles, se trata de uma oportunidade para a oposição avançar e aproveitar a nova conjuntura política em seu favor. “Eles vão tentar sabotar. Veja o que estão fazendo na Assembleia”, diz Enzo, de 62 anos, após parte da oposição tentar adiantar a convocação de uma nova eleição presidencial. Os deputados María Corina Machado e Eduardo Gómez Sigala pediram a aplicação do artigo 234 da Constituição, que estabelece o chamado à eleição devido à “falta absoluta” do presidente. Foram voto vencido.
Sobre uma possível candidatura de Maduro, o aposentado resume: “O apoio a Maduro não é um fato para ser discutido, mas sim se a oposição consegue vencer nas eleições [regionais, marcadas para domingo (16/12). Temos que começar a nos mobilizar já”, salienta. Gabriel, ferreiro de 57 anos, e que viveu toda a vida no 23, acredita que a doença de Chávez muda todo o panorama político do país, com possíveis reflexos positivos. “A ausência do comandante nos ajuda a aprofundar esse processo. Irá nos permitir ver, de fato, do que somos capazes como organização popular e povo”, aposta.
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