Membro das forças de paz da ONU distribui alimentos em Porto Príncipe; foto: Marco Dormino/ONU/EFE
Uma onda de violência se instalou em Porto Príncipe. Um grupo de
haitianos saqueou ontem (18) um armazém com ajuda humanitária no centro
da capital e incendiou um automóvel. Quase ao mesmo tempo,
aproximadamente 150 pessoas forçaram a entrada no aeroporto, mas foram
contidas por um esquadrão da 82ª Divisão Aerotransportada do exército
norte-americano, informa o enviado especial do Opera Mundi, Rui Ferreira.
O repórter, que está a bordo do porta-aviões USS Carl Vinson, da marinha norte-americana, relata que o aumento da tensão está ligado a vários fatores, como falta de acesso a
alimentos e água, incertezas com relação ao futuro e também a
rumores de que seguidores do ex-presidente Jean-Bertrand Aristide
estariam conspirando para trazê-lo do exílio na África do Sul,
aproveitando o virtual vácuo de poder que impera no Haiti.
Sem falar na lentidão com que a
ajuda está chegando à população. A distribuição de mantimentos vira uma
espécie de funil: chega ao Haiti mais do que pode ser distribuído.
Mas também há quem culpe os Estados Unidos. A complicada distribuição
de ajuda humanitária e os diversos casos de violência têm um
denominador comum, de acordo com um funcionário do Pnud (Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento) entrevistado pelo repórter
Federico Mastrogiovanni em Porto Príncipe, para o Opera Mundi: a atuação unilateral dos norte-americanos.
“O
alto nível de tensão entre o exército dos EUA, que tomou o controle do
aeroporto do Haiti, e as forças da ONU (Organização das Nações Unidas)
é uma das principais causas do atraso no fornecimento de ajuda”,
afirmou o funcionário, sob condição de anonimato. “Os mais de 10 mil
homens mobilizados surgem como um show midiático para afirmar o
controle norte-americano sobre a região, anulando o Brasil, o que
complica de forma significativa as operações de resgate e distribuição
de alimentos”.
Por outro lado, um oficial do exército francês que
também não quis se identificar relativizou o problema, negando a
atuação de guerrilhas armadas, mas também culpou os norte-americanos.
“Trabalho na rua todos os dias. Os únicos casos de violência
aconteceram quando os soldados dos EUA distribuíram os alimentos
lançando-os de pára-quedas sem coordenação com o Programa Mundial de
Alimentação, que cuida justamente disso, utilizando protocolos-padrão,
pensados para evitar a tensão e manter a segurança. Que eu saiba, não
há nada além da tensão decorrente das reações normais de uma população
que ficou sem nada”.
Leia mais:
Falta de distribuição da ajuda humanitária deixa os haitianos revoltados
Ontem
(18), o secretário de Estado de Cooperação francês, Alain Joyandet,
pediu que a ONU (Organização das Nações Unidas) definisse o papel dos
EUA no Haiti, porque “não se trata de ocupar o país, mas de ajudá-lo a
recuperar a vida”. No entanto, só foi definido até agora o pedido de
envio de mais 3,5 mil soldados e policiais pelo secretário-geral da
entidade, Ban Ki-moon.
Os EUA, por sua vez, já deram um apelido para a
operação de ajuda humanitária, “Resposta Unida”, e confiaram o comando
ao general Ken Keen, Segundo ele, a distribuição não pode ser feita sem
contar com um mecanismo que garanta a segurança.
Por isso, se encontram em território haitiano cerca de
sete mil soldados e fuzileiros navais. É o regresso das tropas
norte-americanas, que se mantiveram no Haiti entre 1994 e 2006, quando
entregaram ao Brasil o comando da missão de paz das Nações Unidas.
Alarme a bordo
O alarme a bordo do Carl Vinson, relata Rui Ferreira, ecoou ontem assim que foi emitida uma ordem de terra para que 52 médicos e enfermeiras a bordo se preparassem para receber 80 cidadãos norte-americanos feridos nos distúrbios. No entanto, uma hora depois, chegou uma contra-ordem. Um porta-voz da Marinha não quis confirmar se entre as 80 vítimas havia mortos, como afirmaram algumas agências de notícias.
A onda de violência havia sido antecipada por vários oficiais de serviços de inteligência presentes no Haiti, que domingo falaram a jornalistas. “Temos vários indícios de que caminhamos para um espiral de violência”, indicou um dos analistas.
Clinton
O ex-presidente Bill Clinton, embaixador das Nações Unidas para o Haiti, chegou ontem a Porto Príncipe ao lado da filha, Chelsea. Clinton assistiu a uma missa ao ar livre, pois a Catedral ruiu totalmente e participou numa reunião à portas fechadas na embaixada norte-americana.
Segundo elementos da comitiva, o ex-presidente estaria tentando organizar uma espécie de “governo de emergência” para administrar a distribuição da ajuda exterior que se encontra parada no aeroporto.
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