Conforme os caminhões passavam pela rua, a lona das barracas sacodia, envolta na poeira. Durante sete dias, essas coberturas de plástico pregadas com fitas adesivas, deram abrigo a algumas das mães de desaparecidos mexicanos. Margarita López, Julia Alonso e Malú García fizeram uma greve de fome de sete dias lado de fora do escritório do secretário de Governo, Alejando Poiré, na Cidade do México, para pressioná-lo a investigar os casos de desaparecimento de seus filhos.
Leia também:
Realidade silenciada: negligência e corrupção agravam drama dos sequestros no México
História de Alan: “saber que o mataram me faz dormir à noite”
Federico Mastrogiovanni/Opera Mundi
Margarita López: “precisamos lidar com o crime organizado que levou nossos filhos e também com o governo”
A filha de Margarita, Yahaira, desapareceu em Oaxaca em abril de 2011. Já Julia é do estado de Guerrero e seu filho sumiu em Nuevo León em janeiro de 2008. Malú, defensora de direitos humanos de Chihuahua, fez o jejum em solidariedade.
Margarita estava muito fraca – a voz saía como um suspiro. Tentando esconder o cansaço, ela passou um pouco de maquiagem antes de conversar com Opera Mundi. Sentada em uma cadeira na entrada da barraca, ela contou a história da filha.
Opera Mundi: Como ela desapareceu?
Margarita López: Yahaira foi tirada de casa em 13 de abril de 2011 por um grupo de homens armados em Tlacolula de Matamoros, Oaxaca. Estava lá há um mês e meio, após chegar com o marido, um militar das forças especiais. No dia em que a levaram, fui a Oaxaca pensando que tinha sido um sequestro, disposta a negociar com os criminosos. Quando cheguei, exigi que o general da zona militar me ajudasse a procurá-la, pois ela era esposa de um militar, devia ter garantias. Escutei que deveria contratar investigadores e informantes para saber do paradeiro dela, porque eles não sabiam e ninguém queria falar. Concentrei-me na investigação, contratei informantes no governo do estado, no governo federal, no exército e até no crime organizado.
Gastei muito dinheiro e acabei descobrindo uma rede de tráfico de meninas. Encontrei em um lugar mais de cem jovens, entre 13 e 21 anos. O exército nunca quis me ajudar a resgatá-las. Eu não confiava no governo, porque sabia que estava envolvido. Por saber demais, sofri um atentado em Oaxaca e tive que sair de lá dentro de um porta-malas de um carro para o aeroporto e, de lá, para a Cidade do México.
OM: O que aconteceu quando a senhora chegou à capital mexicana?
ML: Fui à Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que não me ajudou. Nem sequer fizeram um registro. Mandaram-me à Subprocuradoria de Investigação Especializada no Crime Organizado (SIEDO, agora Subprocuradoria Especializada na Investigação do Crime Organizado, SEIDO) porque disseram que era a autoridade máxima no país. Fiz uma declaração de oito horas, tudo bem detalhado; mostrei provas, fotografias, antecedentes criminais, tudo.
NULL
NULL
Passados quatro meses, me deram um número de investigação prévia. Mas perderam fotografias e documentos que, naquele momento, eram os únicos que trazia porque estava chegando de Oaxaca. Decepcionada, decidi voltar a Michoacán, meu estado natal.
Quando passou a primeira caravana de Javier Sicilia [poeta mexicano que perdeu um filho na guerra entre governo e crime organizado], abordei as pessoas do Movimento pela Paz [criado por Sicilia]. Trouxeram-me à secretaria de Governo, onde Blake Mora [ex-secretário de governo, morto em um acidente aéreo] me mandou para a polícia federal. Lá, implementaram uma operação imediatamente e eu os coloquei em contato com meus informantes. Infelizmente, o Ministério Público não nos dava o número de investigação prévia. Não queria colaborar, até que, seis meses depois que apresentei a denúncia, foi realizada uma busca no prostíbulo e, claro, não encontraram nenhuma menina.
OM: Por parte das instituições, em geral, qual foi a reação diante do caso? Hostil?
ML: Sempre que decidimos investigar por conta própria, não apenas precisamos lidar com o crime organizado que levou nossos filhos, mas também com o governo. Depois de levantar a voz e falar com a imprensa, me chamaram em 20 de setembro de 2011 porque disseram ter encontrado o corpo da minha filha. Um general da zona militar de Oaxaca me alertou que estava sem cabeça. Aquilo me surpreendeu e lhe perguntei se ela tinha acabado de ser assassinada. Escutei que ela havia morrido quando desapareceu. Não havia cabeça e, sem ter feito nenhum teste, afirmaram que era Yahaira. Em três dias, a cabeça reapareceu e segundo eles, era ela. Exigi o teste de DNA, que deu positivo, mas diante de toda a corrupção que havia encontrado pelo caminho, contratei médicos independentes e todos os testes posteriores deram negativo.
Mostrei os resultados para os funcionários da SIEDO e eles me disseram que, se apresentasse as provas, seria presa. Precisei desistir. O FBI interviu há seis meses e coletou amostras do corpo e minhas, mas não me entregaram os resultados.
Então, há alguns meses, entrevistei criminosos presos por outra razão, não por causa dela e eles me contaram que tinham tido relações sexuais com Yahaira, após tirarem ela de casa. Ela foi torturada e estuprada por dez dias e depois levada ao lugar onde ia ser sepultada. Lá, a decapitaram.
Federico Mastrogiovanni/Opera Mundi
Acampamento armado por mães de desaparecidos em frente à secretária de Governo na Cidade do México, em novembro de 2012
OM: Como a senhora chegou até eles?
ML: Tinham sido presos por uma unidade do ministério público da SIEDO que, curiosamente, investigava meu caso também. Eles estavam presos há um ano e meio. Minha filha desapareceu há um ano e sete meses. Nunca relacionaram os fatos. O MP sabia que tinha relação com o desaparecimento da minha filha, mas nunca me disse nada. Fui atrás dos criminosos e consegui sensibilizar um deles. Os outros não souberam que eu era a mãe dela. Disse que era outra pessoa e eles me narraram em detalhes tudo o que tinham feito.
É uma tragédia, de verdade, que as mães do México precisem fazer uma greve de fome para serem recebidas por um funcionário do governo, que tem a obrigação de nos receber. Não somos cidadãs de segunda classe.
Abandonei meu trabalho, minha família, para procurar minha filha. Acabei com o patrimônio dos meus filhos dando dinheiro a meio mundo para investigar o paradeiro dela. Não podemos continuar assim. Há milhares de mães que não se atrevem a denunciar, a alçar a voz. Fizemos uma greve de fome em nome de todas essas milhares de mães.
OM: Que nível de desgaste institucional existe para que cheguem a fabricar histórias assim?
ML: As mães agem como polícia. Visitamos lugares inimagináveis para identificar corpos desmembrados, em estado de decomposição, com um odor nauseabundo, em busca dos nossos filhos! Temos que chegar nesse nível. Precisamos não só ter cuidado com o crime organizado, mas também com o governo que, sempre, de uma forma ou de outra, busca uma forma de nos calar.