Segunda-feira, 21 de abril de 2025
APOIE
Menu


Clique no banner para ler a série completa em português, inglês e espanhol

Bordejando o sul de Tel Aviv, o município de Ramat Hasharon, com seus 65 mil habitantes, aloja uma das mais famosas escolas de Israel. Fundada em 1950, Hakfar Hayarok (em hebraico, significa “Vila Verde”) nasceu abrigando crianças pobres e filhos de imigrantes que recém desembarcavam no país.

Leia também:
Institutos de pesquisa comandam estrutura universitária
Pedagoga denuncia racismo em livros escolares

Receba em primeira mão as notícias e análises de Opera Mundi no seu WhatsApp!
Inscreva-se

Inspirava-se no modelo pensado por Janusz Korczak, um pedagogo polonês, de origem judaica, que entraria para a história por sua participação no levante do Gueto de Varsóvia, durante o nazismo. Deportado para Treblinka, um dos campos de concentração e extermínio, seria assassinado em agosto de 1942.

Mikhail Frunze/Opera Mundi

Hakfar Hayarok é uma escola mista e que não obriga mais os alunos a dormirem em suas instalações

Sua filosofia educacional era audaz, em uma era conservadora e autoritária. Korczak defendia que as crianças deveriam ser tratadas com igualdade e respeito, transformando as escolas em sociedades infantis nas quais os alunos teriam vez e voz. Deveriam ser organizadas combinando ensino e trabalho, em tempo integral, com os estudantes morando nos dormitórios destes estabelecimentos, que também contariam com casas para os professores e suas famílias.

“Quando a escola foi criada, vivíamos o auge do movimento kibutzim”, lembra a professora Ruth Fishbein, referindo-se às fazendas coletivas que proliferavam na época da criação do Estado de Israel. “Os fundadores pensaram em uma espécie de kibutz infantil, com atividades escolares e agrícolas, onde as crianças teriam gratuitamente direito à educação e à moradia.”

Ao contrário do que é comum no país, com estudantes judeus e árabes-israelenses separados em distintos sistemas, a Hakfar Hayrok é uma escola mista. Um quarto de seus alunos pertence a outras etnias e religiões. Muitos são estrangeiros. “Somos uma ilha de excelência, mas inspirada em ideias humanistas”, destaca Ruth. “Aqui ensinamos as crianças a conviver na pluralidade e na tolerância, no amor ao próximo, a dar mais importância à paz do que à terra.”

Mikhail Frunze/Opera Mundi

Área do colégio tem fazenda leiteira, diversos refeitórios e prédio exclusivo para aulas de música e artes

Com 1,7 mil alunos, a escola tem instalações invejáveis. Fazenda leiteira, quadras esportivas, pista de equitação, amplos refeitórios, um pequeno zoo para ensino de veterinária, além de um prédio inteiramente dedicado a aulas de música e artes plásticas.

Crise

Há oito anos, correu o risco de ser fechada. De propriedade pública, perdeu muitos recursos com os seguidos cortes orçamentários do governo. Não faltava quem a considerasse, no Ministério da Educação, cara e antiquada. Hakfar Hayrok foi obrigada a se reinventar.

A primeira medida foi começar a cobrar uma mensalidade relativamente modesta, cerca de 200 dólares por aluno. Também arrendou parte de suas terras para empresas e os aluguéis recebidos passaram a ajudar nas contas. Extinguiu a obrigatoriedade dos alunos morarem na escola, uma situação que atualmente atinge apenas uns 20% dos matriculados. Por fim, criou estruturas para atrair alunos com talentos e repertórios acima da média.

Gastos públicos do governo israelense com o setor estão abaixo de 6% do PIB

NULL

NULL

“Nós viramos novamente referência para o país, estimulando outras escolas a encontrarem caminhos para sobreviver e manter a qualidade do sistema”, ressalta a professora Ruth. “Se não tivéssemos adotado estas providências, não resistiríamos à redução orçamentária e à pressão imobiliária para que nossos espaços fossem incorporados ao mercado residencial ou corporativo.”

Mikhail Frunze/Opera Mundi
Israel mantém elevado padrão de ensino e investe pesadamente na formação de capital humano. Pesquisa da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), de 2012, colocou o país em segundo lugar no ranking dos mais escolarizados do mundo, com 46% da população adulta tendo formação superior, atrás apenas do Canadá.

[A professora Ruth, em frente à imagem de Janusz Korczak]

Seu bom desempenho vai além do ensino universitário. Ocupa o 17º lugar em tempo médio de escolaridade, um dos itens que compõem o Índice de Desenvolvimento Humano, elaborado pelas Nações Unidas. Mas o sistema tem assistido à diminuição de sua participação orçamentária em relação ao PIB.

Nos anos 80, os gastos públicos anuais com educação equivaliam a 8,6% de todos os valores produzidos pela economia. Sofreram drástico corte na década seguinte, para 6,1%, quando o governo de unidade nacional (trabalhistas e conservadores) implantou profundas reformas liberais. Mantiveram-se nesse patamar até o final do primeiro decênio do século, para cair abaixo de 6% nos últimos quatro anos.

Como a produção geral (base do cálculo) cresceu de forma expressiva, não foram reduzidas as verbas absolutas, a não ser entre 1985 e 1995, mas o sistema foi parcialmente privatizado, além de a rede pública perder gratuidade em suas escolas de ponta, como o Hakfar Hayarok.

Outro fator importante é a queda do gasto total por estudante, que tem 78% de sua origem em fundos públicos e 22% em recursos privados. Se a redução na educação primária e secundária não foi muito relevante – respectivamente de 20,50% e 21,88% do PIB per capita, em 1999, para 19,46% e 20,40% em 2010, segundo o Banco Mundial -, no ensino universitário os números são fortes: um mergulho de 30,93% para 21,28%.

Algumas consequências destes cortes são graves. Os professores reclamam de achatamento salarial, as salas de aula ficaram mais numerosas, a qualidade de ensino caiu, segundo distintas avaliações. Um desses testes, organizado pela OCDE em 2007, colocou os estudantes secundários israelenses na penúltima posição, entre os 40 países mais ricos, quanto a conhecimentos de matemática.

Mikhail Frunze/Opera Mundi

Ranking da OCDE coloca Israel como o segundo país mais escolarizado do mundo, atrás apenas do Canadá

Ao lado de problemas eventualmente provocados pela diminuição das verbas educacionais, Israel enfrenta uma questão peculiar, referente aos vínculos da religião com o Estado. Além das escolas públicas regulares, nas quais está matriculada a maioria dos alunos, o governo banca uma rede de instituições oficiais dedicadas ao estudo bíblico (para famílias ortodoxas) e subsidia a malha de educandários independentes dos ultra-ortodoxos.

Estas escolas, os Chinuch Atzmai, agrupam 80 mil alunos, precisam aplicar apenas 55% do currículo oficial e dedicam-se quase exclusivamente ao ensino da Torá. Depois de um debate que durou décadas, o governo aprovou, no dia 15 de maio, medida que obriga alunos desses estabelecimentos a passarem por exames e alcançarem determinado nível geral de conhecimento, sob o risco da subvenção oficial não ser mantida.

“A fortaleza deste país é a educação”, afirma Ruth Fisbein. “Mas vivemos um período de muito esforço, dos educadores e de escolas como o Hakfar Hayarok, para defender nossos valores pedagógicos e preservar o ensino de boa qualidade como um direito universal dos israelenses.”