Aos 27 anos, Charly Kongo Nzalambila teve que deixar a cidade de Kinshasa, na capital da República Democrática do Congo (RDC), por ser um dos opositores ao regime de Joseph Kabila, que assumiu a presidência em janeiro de 2001, após o assassinato de seu pai.
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O país vive uma séria crise humanitária desde o início das guerras civis que começaram em 1996 e deixaram cerca de 4 milhões de mortos em razão de combates armados, mas também à fome e a diversas doenças. Apenas no primeiro semestre de 2012, na província do Kivu Norte, mais de 100 mil pessoas foram expulsas por grupos armados e dezenas de milhares tiveram que atravessar a fronteira para Ruanda e Uganda.
[Nzalambila foi homenageado por seu trabalho voluntário para ajudar africanos que chegam no Brasil
Por ser militante do BDK (Bundu dia Kongo, “Reino do Congo” em português) do Baixo Congo – província ao oeste do país na fronteira com Angola – e pelo fato de o grupo de oposição religiosa ter sido derrotado nas eleições para governador em janeiro de 2007, Nzalambila não viu outra escolha a não ser sair do país e deixar para trás seus pais e cinco irmãos. O movimento BDK defende a restauração do antigo reino do Kongo – que ao longo do século XV reunia parte do atual Baixo-Congo, uma parte de Angola, o vizinho Congo e o Gabão.
Mesmo sem falar português, o Brasil se apresentou como uma opção para recomeçar a vida. A história de Nzalambila é semelhante a de algumas centenas de congoleses que pediram refúgio pela instabilidade e vulnerabilidade em que viviam em seu país.
“Vim pelo mesmo motivo de muitos. Na minha terra, a gente não tem liberdade de expressão, nem de fazer protestos como ocorre aqui no Brasil. Eu fazia parte do partido político que era da oposição. Tínhamos uma luta pacífica, a gente reclamava os nossos direitos para melhorar a vida do povo e a liberdade de se expressar”, disse Nzalambila ao Opera Mundi.
A sua província, o Baixo Congo, é uma região rica em recursos naturais e minerais, mas a população não usufruía dessa riqueza e tão pouco da distribuição de renda. “A população em geral é muito pobre. Fui ameaçado e minha família temia realmente pela minha vida”, contou.
E foi assim que, em 2008, Nzalambila decidiu mudar de vida e vir sozinho para o Brasil. Se pudesse escolher, iria para países que falam o francês como língua oficial, especialmente França, Bélgica ou Canadá. “Mas hoje em dia na África é muito difícil ir para algum desses países. A opção que se apresentou lá foi o Brasil. Eu vim sozinho”, lembrou.
Ao gastar grande parte de seu dinheiro para pagar a passagem aérea apenas de ida, no Rio de Janeiro, Nzalambila buscou ajuda de compatriotas congoleses e foi aí que conheceu a Cáritas, entidade que apoia e orienta refugiados no país.
Desde que chegou, o congolês ainda não voltou ao seu país nem visitou sua família. “Penso em fazer minha vida aqui, sou casado com uma brasileira e tenho emprego fixo. Gostaria muito de voltar para a minha terra, mas não penso em voltar hoje, estou esperando a situação mudar e o regime atual cair. Mesmo assim, só voltaria para visitar”.
Difícil adaptação
Após um ano e meio tentando aprender o português e quase dois anos desempregado, Nzalambila se diz completamente adaptado à realidade brasileira e carioca. Ele vive em Nova Iguaçu, um município da Baixada Fluminense, e vai todo dia trabalhar num hotel em Copacabana, uma das mais famosas e turísticas praias do Rio de Janeiro.
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No Congo, ele conta que fez sua formação superior em enfermagem, mas não conseguiu atuar na área no Brasil. “Tentei fazer equivalência dos diplomas, mas o processo leva muito tempo e comecei a trabalhar na área de hotelaria”.
Hoje, Nzalambila se considera feliz. “Tenho emprego, ganho meu salário, apesar de que gostaria de melhorar o salário. Mas estou bem”, admite.
Homenagem
O congolês foi homenageado nesta quarta-feira (19/6), no Rio de Janeiro, durante o seminário “Criando Novos Caminhos: Articulação da Rede de Proteção aos Refugiados e suas Famílias”, realizado na Ordem dos Advogados do Brasil e que reuniu especialistas e autoridades na área de refúgio no Brasil. Ele recebeu o reconhecimento por prestar auxílio aos novos refugiados que chegam ao país e por ensinar o português e ajudá-los nesta nova etapa de integração e adaptação na sociedade.
Como forma de ajudar a seus conterrâneos e outros refugiados que desembarcam no Brasil, especialmente vindos do continente africano, Nzalambila se tornou um reconhecido voluntário da Cáritas no Rio para ajudar a receber os novos estrangeiros.
“Tento ajudar os africanos, principalmente os que falam francês. Quando chegam aqui, muitos não falam português. Eu ajudo a fazer a tradução, acompanho quando vão à Polícia Federal e fazem a entrevista com o assistente social na Cáritas”, explica.
Como voluntário, ele acompanha o refugiado até ter sua situação legalizada no Brasil, já que pode levar algumas semanas até o recebimento de CPF, carteira de trabalho e um protocolo que dará direito à identidade. “Recebo muitos do Congo, mas também de Togo, Benin, Guiné, Senegal e Tunísia. As pessoas chegam perdidas, fazem muitas perguntas, como é a moradia, emprego e saúde. A maior preocupação deles é trabalhar para sobreviver. Eu ajudo a explicar”.