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A beleza da Prunksaal, a mais impressionante sala da Biblioteca Nacional da Áustria, contrastava com a sisudez dos retratos expostos em grandes cartazes. Nas fotos, homens e mulheres, todos intelectuais austríacos, mostravam-se embrutecidos pela ascensão nazista e rendiam ao público visitante um olhar de consternação.
A noite caíra sobre o país no dia 15 de março de 1938, mês da Anschluss, ou anexação do país pelas mãos do então chanceler alemão, o austríaco Adolf Hitler. Há 75 anos, e a poucos metros dali, no balcão que se debruça sobre a Heldenplatz (Praça dos Heróis, em português), o idealizador do Terceiro Reich e do Holocausto discursava com a costumeira virulência sobre sua primeira grande vitória política. Hitler deixava sua indelével marca em Viena.
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Não haveria, segundo os curadores da exposição, lugar mais apropriado para render homenagem aos que se perderam durante o nazismo austríaco. Intitulada “Noite sobre a Áustria – Fuga e Expulsão”, a mostra é um retrato do retrocesso que o ideal de uma Großdeutschland, ou Grã-Alemanha, trouxe ao arremedo de país que ainda resmungava a derrocada do Império Austro-Húngaro.
Roberto Almeida/Opera Mundi
Havia 250 mil pessoas reunidas na praça para ouvir Hitler, enquanto outros tantos faziam as malas para escapar da onda nazista. A exposição apresenta 15 fugitivos – músicos, escritores, cientistas – que deixaram a Áustria para trás antes da varredura que Hitler faria no antes proeminente círculo cultural vienense, lar da música clássica, dos pomposos teatros, da literatura e da psicanálise freudiana.
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O escritor, poeta e ensaísta Erich Fried, descendente de judeus, tinha apenas 17 anos quando partiu para o exílio em Londres em 1938. Alinhado à ala jovem da extrema-esquerda austríaca, era alvo fácil para a perseguição nazista. “Pai morto, mãe na prisão e eu na nebulosa Inglaterra / Avó cega em Viena, sem direitos, pobre, velha, perseguida / Veja, essa é a obra de Hitler, esse é o novo século [tradução livre]”, escreveu.
Roberto Almeida/Opera Mundi
A fuga de Fried, porém, foi relativamente fácil em comparação com as histórias de desespero e frustração de outros intelectuais austríacos. O escritor judeu Albert Drach passou de 1938 a 1939 por Split, na Croácia, Trieste, na Itália, e Paris antes de chegar em Nice, sul da França, quando foi capturado. Escapou por um triz – e uma dose de cinismo.
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Em um de seus documentos constava as iniciais IKG, sigla para “Israelitische Kultusgemeinde”, ou Comunidade Israelense. Questionado por oficiais nazistas, apressou-se em explicar que as iniciais se tratavam de “Im Katolischen Glauben”, ou Crente no Catolicismo, e sobreviveu durante a guerra como catador de cogumelos, professor de patinação e tradutor.
Além dos casos de Fried e Drach, a exposição apresenta outros personagens da tragédia austríaca em diversos planos de fuga, fotos pessoais e documentos de viagem. Mas é um desenho infantil de Hitler que clama por atenção. Susanne Schüller, ou Soshana, como é conhecida no mundo das artes plásticas, é a responsável pelo retrato ingênuo do Führer.
Roberto Almeida/Opera Mundi
Com apenas 11 anos durante a anexação, a garotinha acompanhava de perto a movimentação política em Viena sem saber do que aconteceria pela frente. Logo em seguida, sua vida seria virada de cabeça para baixo, pulando de país em país até encontrar refúgio em Nova York, onde conheceu seu marido, Beys Afroyim, ligado ao Partido Comunista.
Sua primeira exposição seria em Cuba, em 1948, no Circulo de Bellas Artes, em Havana. Depois de longas viagens pelo Ásia, onde colecionou referências e foi influenciada pela caligrafia. Hoje, aos 86 anos, Soshana vive novamente em Viena, em uma casa de idosos, onde pinta todos os dias. Ela é, para a mostra, o exemplo de que o cenário artístico de Viena, privado de seus anos dourados, continua viva em seus personagens.