A economia foi a chave da popularidade de Vladimir Putin à época de sua primeira eleição para presidente da Rússia e ainda é hoje, segundo o professor Angelo Segrillo, da USP (Universidade de São Paulo). De acordo com ele, “Putin se tornou um deus” para os russos por causa da melhora econômica alcançada e “se tornaria um deus nos EUA e no Brasil, tranquilamente”.
Participando nesta quarta-feira (09/10) da mesa de debates “Da URSS à Rússia de Putin” na FFLCH-USP (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP), parte do Simpósio Internacional “Um Mundo em Convulsão”, Segrillo ressaltou o caos econômico que a Rússia viveu na década de 1990, sob o comando de Boris Iéltsin. “Com exceção de 1997, todos os anos até 1998 foram de crescimento negativo. Para se ter uma ideia, a queda do PIB russo na década de 1990 foi maior que a dos EUA na Grande Depressão, em 1930”, afirmou.
Quando Putin foi eleito primeiro-ministro, em 1999, a economia voltou a crescer e os salários atrasados de diversos trabalhadores foram pagos. “Claro que muitos intelectuais sabem que Putin teve sorte, porque o preço do petróleo disparou em 1998 e 1999. Mas ele resolveu o problema dos salários em um ano. Putin virou um deus. Teria virado um deus nos EUA e no Brasil, tranquilamente”, disse Segrillo.
Aspecto político
Segrillo destacou também a diferença entre a conjuntura política da Rússia no governo de Iéltsin, mais liberal e descentralizado, e no de Putin, “beirando o autoritarismo, para alguns”. Segundo ele, essa “recentralização” do poder, suposto aspecto negativo da administração do atual presidente, também poderia ser um fator a fortalecê-lo para parte da população russa.
Agência Efe
Governo de Putin pegou momento de bonança econômica – e isso o deu popularidade, diz professor
“Historicamente, os russos tiveram uma experiência diferente do Ocidente em relação ao liberalismo”, afirmou o professor. “Entre os séculos 13 e 15, quando o sistema era descentralizado, a Rússia foi dominada pelos mongóis. A partir do século 16, com o Estado moscovita centralizado, o país se tornou forte e conquistador”. O “Estado forte” seria associado, entre os russos, ao momento de florescimento da sociedade.
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“Putin entrou no poder representando o defensor do Estado forte. Ao contrário da época de Iéltsin, em que a Chechênia chegou a declarar independência, a Rússia se recuperou com esse Estado forte”, afirmou Segrillo. De acordo com ele, a centralização é um dos fatores que impulsiona a popularidade de Putin entre diversas camadas da sociedade russa. “A experiência dos anos 1990 retratou a fragilidade do Estado descentralizado. A Rússia fraca é atípica para seu povo”, explicou.
Restauração do capitalismo
O professor de História Henrique Canary, por sua vez, defendeu em sua fala a ideia de que os governos liberais capitalistas criaram o senso comum de que as massas russas, em 1991, foram às ruas para derrubar o socialismo, mas “a responsável pelo crime histórico de restauração do capitalismo na Rússia foi a burocracia soviética”. De acordo com ele, o capitalismo voltou a vigorar no país, depois da Revolução Bolchevique de 1917, a partir de 1986, com a perestroika, introduzida por Mikhail Gorbachev.
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“A perestroika foi o plano que, por si só, restaurou o capitalismo ainda em 1986”, afirmou Canary. De acordo com ele, o que causou a revolta da população que saiu às ruas em 1991 não foi o sistema socialista, mas sim as consequências do plano de Gorbachev, que “derrubou os pilares do Estado soviético”. “É verdade que muitos achavam que estavam derrubando o socialismo, mas derrubaram uma sociedade já capitalista”, disse.
[Iéltsin assumiu Rússia após o fim da União Soviética]
“Durante muito tempo, a esquerda acreditou que a restauração do capitalismo pela burocracia era impossível, mas isso não é verdade”, argumentou. “Depois da perestroika, a restauração foi inevitável. Não se pode inocentar a burocracia soviética do crime histórico que ela cometeu”.
Democracia
Último a falar, o professor da Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais (EHESS, na sigla em francês) Yves Cohen destacou a dificuldade de definir se a Rússia atual é uma democracia ou não. “A Constituição é democrática, mas as medidas do presidente são totalmente antidemocráticas”, afirmou.
Segundo ele, Putin conseguiu ser reeleito porque tinha “uma mão forte”, mas hoje o povo tenta “retomar as ruas”. Cohen lembrou que a Rússia também foi afetada pelos movimentos sociais iniciados na Tunísia em 2010, quando milhares de pessoas saíram às ruas para protestar contra o autoritarismo do governo, dizendo que, “hoje, os russos tentam encontrar a força das ruas com muita dificuldade. As formas que o poder aceita são muito limitadas”. Como exemplo, ele citou os piquetes, que devem ser permitidos e comandados pela polícia.
“Manifestações de cidadãos são muitas. Inúmeras delas são pequenas, mas são muitas”, disse. Entretanto, Cohen ressaltou que a possibilidade de mobilizações não torna a Rússia um país necessariamente democrático. “Ainda é democracia ou não? Difícil de responder, porque a democracia demanda um longo processo para se instalar, através de muitas dificuldades políticas”, concluiu.