Discutir a multipolaridade, os direitos humanos e o papel da sociedade civil na articulação das decisões globais foi a proposta do TEDx RuaMonteAlegre, ciclo de palestras que ocorreu nesta segunda-feira (14/10) no Tuca, Teatro da PUC (Pontifícia Universidade Católica), em São Paulo.
Treze palestrantes provenientes de oito países como Egito, Sudão, China, Síria, Estados Unidos e Brasil falaram sobre temas diversos que pautavam-se pela análise do papel dos múltiplos atores que compõem o cenário internacional nos dias de hoje, dentre os quais se encontram Estados, organizações internacionais e a sociedade civil.
Gabriela Néspoli
TEDx trouxe o tema da multipolaridade para o Teatro da PUC-SP
O evento, que têm caráter independente das conferências TED, conhecidas por apresentar temáticas inovadoras, foi promovido pela Conectas, organização não governamental para promoção dos Direitos Humanos, como parte da programação do XIII Colóquio Internacional de Direitos Humanos da instituição. Janine Salles, organizadora do evento, afirmou a Opera Mundi que o TEDx reuniu, além de acadêmicos e estudantes, diversos ativistas dos países do cone sul que serão treinados para articularem redes de trabalho conjuntas, pela defesa dos direitos humanos.
Mobilidade e direitos humanos
Deisy Ventura, professora do Instituto de Relações Internacionais da USP, apontou a mobilidade internacional como um dos principais desafios da multipolaridade. Ela mencionou o paradoxo que vivemos no mundo globalizado, que se caracteriza pelo fluxo intenso de mercadorias e pessoas, mas que ainda tolera acentuadas restrições dos direitos humanos das populações migrantes.
Ela citou que, apesar de muitos países reconhecerem o direito à migração por motivação política — o direito ao refúgio internacional — poucos o fazem com relação ao deslocamento de populações em busca de melhores oportunidades de trabalho. Segundo a professora, isso ocorre pois os países receptores dessas populações tendem a enxergar a migração como uma ameaça à segurança nacional, vinculando o aumento das taxas de criminalidade locais à maior presença de imigrantes em seus territórios.
Há cerca de duas semanas, o naufrágio de um barco que transportava 500 imigrantes que tentavam cruzar o Mar Mediterrâneo, a partir do Norte da África, resgatou o debate a respeito dos milhares de migrantes que são criminalizados e discriminados por buscarem melhores condições de vida em outros países.
Questões de gênero
Complementando a temática dos direitos humanos, a psicóloga social Glória Careaga levantou o questionamento sobre as questões de gênero: “A estrutura jurídica não é suficiente [para garantir os direitos], é preciso que haja uma mudança cultural”.
A professora de filosofia da Universidade Nacional Autônoma do México, que trabalha com direitos humanos para mulheres de diferentes orientações sexuais desde 1992, aponta uma necessidade de aprofundamento das políticas públicas voltadas para esse grupo, pois ainda existe um forte preconceito que está enraizado em culturas como a brasileira, e é ligado ao sexismo, ao machismo e à homofobia.
Apesar de já existir um grande avanço do ativismo LGBT, demonstrado pelo aparecimento de diversas organizações internacionais preocupadas com os direitos dessa comunidade, Glória aponta que esta questão precisa ser colocada como prioridade pelos governos, para que se convertam em políticas claras que articulem a mudança cultural.
O que ocorre atualmente é que grande parte dos documentos que possuem tal caráter acaba sendo arquivada, pois “sempre estamos sujeitos a outros interesses e condições”, pontua. Com isso, a psicóloga criticou posicionamentos como o do Brasil que, em 2003, anunciou que apresentaria uma declaração em defesa da população LGBT e acabou retirando a proposta por conta de um acordo comercial estabelecido com países islâmicos.
NULL
NULL
Situação Oriental
“Sou um advogado onde não há estado de direito, um escritor onde não há liberdade de expressão, e um defensor de direitos humanos onde não há direitos humanos”. Teng Biao, fundador da organização China Contra a Pena de Morte (China Against Death Penalty), falou sobre as imensas contradições existentes na China.
Gabriela Néspoli
Teng Biao destacou que há mais de um século o povo chinês luta pela democracia
Teng questionou: “qual o futuro de um país que não conta com liberdades políticas e sociais básicas, possui extrema desigualdade social, possui um assento no Conselho de Segurança da Nações Unidas e é, atualmente, a segunda maior economia do mundo?”. De acordo com o ativista, as projeções serão negativas, a menos que a China se converta em uma democracia real e instaure políticas que protejam a liberdade de seus cidadãos. Do contrário, ela será uma ameaça tanto para o povo chinês quanto para todos os outros países do mundo, pois “um país economicamente forte e militarmente poderoso, mas que é politicamente corrompido, só poderá pisar em toda a humanidade”.
Para reverter esse quadro, Teng ressaltou o papel do ativismo social e da Internet. Segundo ele, o engajamento político dos chineses, apesar de fortemente reprimido na forma de detenções e da prática da tortura, vem dado resultados, criando uma maior consciência jurídica e democrática nas populações. Assim, apesar de o grande número de internautas chineses não ter o direito de acessar plataformas ocidentais, ele afirma que “a Internet é o maior presente que deus deu a China”, pois os ativistas do país a utilizam para disseminar uma rede de defesa aos direitos humanos, a qual ele denomina como uma “organização desorganizada”.
A inexistência do direito à liberdade de expressão também pautou a fala de Julie de Rivero, representante da organização internacional Human Rights Watch, que abordou a situação da Coreia do Norte.
No país, segundo ela, qualquer um que protestar ou for flagrado criticando a atual liderança do país é considerado traidor e pode ser condenado à morte, pelo crime de “deslealdade ao governo”. No entanto, sustentou Rivero, a maioria dos criminosos políticos é enviada, juntamente com a família, para campos de trabalho compulsório, vilas extensas que abrigam milhares de norte-coreanos. Nesses locais, além de serem obrigados a exercer trabalhos pesados diariamente, os detentos raramente são alimentados e muitos morrem de fome, afirmou a representante da HRW.
Mas não só nos campos de prisioneiros políticos se sofre da escassez de alimentos. Julie ressalta que, após o fim da Guerra Fria, o sistema de distribuição de comida da Coreia do Norte entrou em colapso e o principal problema atual da população é encontrar comida.
Ela também criticou a posição da comunidade internacional: “o mundo está apenas preocupado com a situação nuclear do país”. Para Julie, os países precisam denunciar a situação e enviar uma resposta internacional em caratér urgente, pois apesar de muitas convenções de Direitos Humanos terem sido adotadas pelo país, as violações continuam ocorrendo.
Genocídio em Darfur
Salih Osman, advogado sudanês de direitos humanos, falou sobre o conflito em Darfur, no Sudão. Para o ativista, que já foi preso e torturado, “a comunidade internacional tem falhado em prevenir o sofrimento das pessoas e o genocídio que ainda está em progresso no país”.
O conflito de Darfur, que se iniciou há mais de dez anos, acumula números devastadores. Mais de 50 mil cidades do Sudão foram destruídas, milhares de pessoas foram mortas e cerca de quatro milhões foram obrigadas a deixar suas casas, na condição de refugiadas. Atualmente, ainda existem três milhões de sudaneses que se encontram em campos de refugiados, impossibilitados de retornar ao seu país de origem.
Osman também levantou o problema da violência sexual, cujos alvos principais são mulheres e meninas. Outro grupo que sofre com a violência é o dos defensores de direitos humanos. “A maioria foi morta ou presa. Eles não podem ver seus advogados ou ter contato com a família.”
Para ele, o único alívio possível da situação vem das organizações internacionais que poderiam trabalhar para conscientizar a sociedade civil da situação no Sudão. “Assim mesmo, as vítimas estão confusas. Elas não veem atos, não veem justiça. Isso é inaceitável.”