Ex-capitão acusa marinha argentina de participação em crimes durante a ditadura
Ex-capitão acusa marinha argentina de participação em crimes durante a ditadura
O ex-capitão da marinha Adolfo Donda, que está sendo julgado por violações aos direitos humanos durante a última ditadura militar argentina (1976-1983), acusou todos os membros da marinha de participação em crimes naquele período. Durante mais uma etapa do julgamento de 19 repressores argentinos realizada ontem (15), ele mencionou um acordo feito entre o governo da UCR (União Cívica Radical) e as forças armadas na década de 1980, que julgaria apenas um grupo de repressores, garantindo a impunidade aos demais.
Donda disse que a marinha negociou com o “poder político” para decidir quem iria depor, para “encobrir o restante”. Segundo ele, sua atuação durante o regime foi “institucional”, afirmando que as ações eram protegidas pela “estrutura institucional”, ou seja, a justiça deveria considerar as ordens emitidas naquela ocasião.
Donda negou ter participado de interrogatórios, como ele mesmo já havia admitido em 1986. Na época, ele disse também que dentro de uma estrutura militar, cada um tem uma função. “A minha era a chefe de operações: a apreensão e entrega dos terroristas.”
Além de ser acusado de crimes cometidos principalmente na ESMA (Escola Mecânica da Marinha) uma das principais prisões clandestinas da época, em Buenos Aires, por onde passaram cerca de cinco mil pessoas, Donda é conhecido por ter supostamente seqüestrado a sobrinha, Victoria Donda. Hoje deputada federal, Victoria foi entregue a militares ainda bebê, após os pais, José María Donda e María Hilda Pérez, serem capturados. Os dois eram membros da guerrilha Montoneros, facção do partido peronista opositora à ditadura. Victoria nasceu em 1977 na “sala das grávidas” da ESMA e, em 2003, descobriu sua verdadeira identidade.
Leia mais:
Perfil: roubada por militares na ditadura, deputada argentina luta pelos direitos humanos
“Anjo da Morte”
A maioria dos mais de 17 acusados por violação de Direitos Humanos durante a última ditadura se recusa a depor. Em 17 de março será ouvido o ex-capitão da marinha Alfredo Astiz. Conhecido como “anjo loiro da morte”, Astiz estaria envolvido em grande parte das prisões, torturas e desaparecimentos da ESMA. Ele trabalhou durante a década de 1970 como espião infiltrado em grupos de diretos humanos, especialmente no movimento das Mães da Praça de Maio. Entre outros crimes, Astiz é tido como o responsável pelas mortes das três das fundadoras do movimento: Mary Bianco, Esther de Careaga e Azucena Villaflor. O ex-capitão já foi condenado à prisão perpétua à revelia na França, em 1990, e na Itália, em 2007, pelo desaparecimento de duas freiras francesas, Léonie Duquet e Alice Domon.
O julgamento, iniciado em dezembro de 2009, segue hoje (16). Será ouvido também Antonio Bussi, de 84 anos, militar e ex-governador da província argentina de Tucumán, acusado pelo desaparecimento de 22 pessoas.
Na Argentina, o governo militar é suspeito pelo desaparecimento de cerca de 18 mil pessoas – em sua maioria jovens. Há entidades não governamentais que afirmam que esse número pode chegar a 30 mil desaparecidos.
Siga o Opera Mundi no Twitter
Tabata Tesser: Católicas pelo Direito de Decidir exigem aborto legal, seguro e gratuito no Brasil
Mulheres cristãs são as que mais abortam, e progressismo vira conservadorismo quando se trata de direitos femininos, diz ativista; veja vídeo na íntegra
A socióloga Tabata Tesser, ativista da organização Católicas pelo Direito de Decidir, esteve no programa SUB40 desta quinta-feira (30/06), com Haroldo Ceravolo Sereza, e descreveu a dupla militância do movimento, simultaneamente junto à Igreja Católica e aos poderes constituídos no país.
“Defendemos que esta pauta esteja no debate político e eleitoral e, no que concerne às Católicas pelo Direito de Decidir, iremos pressionar um futuro governo progressista pelo aborto legal, seguro e gratuito no Brasil”, disse.
O tema ganhou repercussão adicional nos últimos dias após os casos da menina de 11 anos que foi estuprada em Santa Catarina e impedida por decisão da juíza Joana Ribeiro de realizar o aborto, a que tinha direito por lei, e da atriz Klara Castanho, que teve sua intimidade revelada após entregar para adoção, também sob amparo legal, um bebê que era fruto de um estupro.
Nos Estados Unidos, na sexta-feira (24/06), a Corte Suprema revogou na prática o direito ao aborto, em vigor desde 1973, transferindo a cada estado do país a responsabilidade de legislar sobre o tema.
Tesser afirma que a sociedade e as instituições brasileiras, inclusive a Igreja Católica, humanizam e “cidadanizam” o feto ao mesmo tempo que desumanizam a menina ou mulher, ao restringirem e combaterem o poder de decisão sobre seus próprios corpos. “Essa concepção punitivista de pecado, que mais quer punir a vítima que entender seu sofrimento, é um processo que viola a liberdade de consciência e o direito de escolha, questões fundamentais para o cristianismo desde Santo Agostinho”, afirma.
Católica praticante e filha de um ex-pastor evangélico e de uma aviadora, a socióloga exerce o ativismo a partir de dentro, num trabalho iniciado em proximidade com a Teologia da Libertação, na Pastoral da Juventude e nas Comunidades Eclesiais de Base. No processo, diz que foi convencida tanto teologicamente como politicamente de que lutar pelo aborto no Brasil significa lutar por justiça social.
Essa concepção se aprofundou em 2013, no contexto das chamadas Jornadas de Junho, quando travou contato com o grupo Católicas pelo Direito de Decidir e encontrou respostas a questionamentos que fazia sobre atravessamentos machistas, coloniais e racistas dentro da instituição.

Reprodução
Tesser defende que debate sobre o aborto é uma 'urgência' atual
“Podemos falar sobre justiça social, mas não sobre o direito de decidir. Historicamente, o papel das mulheres na Igreja Católica é de reprodução e maternidade. A concepção de virgindade de Maria retira qualquer possibilidade sexual no ato de gravidez”, critica.
Questão de saúde pública
O movimento Católicas pelo Direito de Decidir defende o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) como plataforma para o exercício dos direitos reprodutivos, à base de planejamento familiar, cuidados pré-natais, combate à violência obstétrica e a violações contra a mulher nos períodos de gestação, parto e pós-parto.
De acordo com Tesser, a concepção católica antiaborto se desconecta da realidade e na prática penaliza preferencialmente mulheres pobres e negras, enquanto as classes média e alta realizam os mesmos procedimentos sob proteção privilegiada em clínicas particulares.
"As mulheres que mais realizam abortos no Brasil são cristãs, católicas ou evangélicas”, pontua. Ela cita iniciativas semelhantes à das Católicas pelo Direito de Decidir no neopentecostalismo, como a Frente Evangélica pela Legalização do Aborto, as Evangélicas pela Igualdade de Gênero e a Rede de Mulheres Negras Evangélicas.
A reação conservadora contra os direitos femininos não se restringe a setores reacionários e fundamentalistas, mas se verifica também entre progressistas, que, afirma, se tornam conservadores quando o assunto é aborto. Um exemplo é o da reação de políticos a uma fala recente do candidato petista Luiz Inácio Lula da Silva, na direção de que a legalização é questão de saúde pública. “O movimento feminista ficou espantado com lideranças que afirmaram que não era hora de falar nesse assunto. Há muitos anos sempre falam para nós que nunca é a hora. Ficou muito evidente como setores progressistas não estão preparados para o debate sobre o aborto. A urgência é agora", defendeu.
A socióloga descreve o ataque aos direitos femininos pelo lado bolsonarista: “vivemos um momento em que direitos que eram assegurados estão sendo violados por um governo que tem na sua lógica a criminalização máxima do aborto, logo a criminalização máxima das mulheres e meninas”.