A partir do primeiro dia de janeiro de 2014, Bulgária e Romênia completam o processo de integração à União Europeia (UE), sendo incluídas oficialmente na zona Schengen, território que abrange os 27 países membros do bloco no qual é permitida a livre circulação de pessoas, sem a necessidade de apresentar documentos. Por conta disso, Estados membros têm defendido reformas no bloco, a fim de dificultar uma “onda” de imigração vinda dos novos integrantes.
A entrada dos países ao bloco está aprovada desde janeiro de 2007, quando foi efetivado o Tratado de Adesão República da Bulgária e da Romênia à UE, formulado em 2005. Desde então, chefes do Interior e da Justiça das nações europeias têm adiado a adesão dos novos integrantes à zona de livre circulação de pessoas, além de impor restrições trabalhistas aos cidadãos búlgaros e romenos. Em 31 de dezembro, acaba o período limite de imposição destas restrições.
Políticas migratórias
Em março, o então ministro do Interior da Alemanha, Hans-Peter Friedrich, afirmou à revista Der Spiegel, que uma das justificativas para a interdição dos búlgaros e romenos à Schengen é que estes não seriam capazes de controlar a concessão de vistos a cidadãos de outros países, se tornando uma porta de entrada de “cidadãos duvidosos” na União Europeia.
Carlos Latuff
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O temor alemão é compartilhado por outros líderes europeus, como o primeiro ministro britânico David Cameron. Pressionado por membros da coalizão que sustenta o governo, o premiê tem se posicionado a favor de retomar para o país responsabilidades atualmente a cargo da União Europeia. Isso permitiria ao Reino Unido articular uma reforma profunda nas políticas migratórias.
Em artigo publicado no Financial Times, em novembro, o primeiro ministro anunciou o corte de benefícios concedidos pelo Reino Unido a imigrantes oriundos de países europeus. A partir de 2014, os não nacionais residentes em território britânico só poderão utilizar benefícios sociais concedidos pelo governo por seis meses, após terem permanecido ao menos três meses no Estado sem recebê-los.
Livre circulação de pessoas
No texto, Cameron demonstra estar descontente com a livre circulação de pessoas na União Europeia, pontuando que esta condição teria se tornando “um gatilho para grandes movimentos populacionais, causados por enormes disparidades de renda”, entre os Estados-membros.
Agência Efe
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O premiê britânico afirma também que o Reino Unido buscará suporte de outros países europeus para que uma nova medida seja estabelecida, exigindo que futuros Estados membros da UE tenham de atingir a média de renda do bloco para que sejam concedidos direitos trabalhistas e de livre trânsito aos seus cidadãos.
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Se esta determinação já estivesse em vigor, a entrada dos búlgaros e romenos na zona Schengen permaneceria suspensa. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2012, a Bulgária e a Romênia registravam um PIB per capita de cerca US$ 14 mil e US$ 13 mil, respectivamente. Estes valores estão bem abaixo da média da UE, de US$ 31,5 mil por pessoa, e do Reino Unido, de US$ 36,5 mil.
Além de registrar uma dos maiores rendas per capita do bloco, o Reino Unido é um dos maiores polos de atração populacional, anualmente. De acordo com estatísticas levantadas pelo Eurostat, em 2011 o país foi o maior receptor de imigrantes da UE, registrando a entrada de cerca de 313 milhões de cidadãos não europeus. Espanha (273 milhões), Itália (240 milhões) e Alemanha (172 milhões) completam o grupo dos países mais atrativos a cidadãos de provenientes outros Estados, concentrando 60,3% da população imigrante presente na UE no período.
Agência Efe
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O órgão não registra o número de imigrantes não documentados nos países da União Europeia. O estudo mais recente sobre o assunto foi feito pela Comissão Global de Migração Internacional das Nações Unidas há oito anos. Intitulada “Migração em um mundo interconectado: novas diretrizes para ação”, a pesquisa revela que entre 10 a 15% dos 56 milhões de estrangeiros presentes nos Estados europeus no ano de 2005 não possuíam documentos. Além disso, relata que todos os anos cerca de 2.000 pessoas morrem tentando atravessar o Mediterrâneo em direção a Europa.
Reformas institucionais
Para Kai Lehmann, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, se a livre circulação deixasse de existir entre os Estados membros, “a UE perderia o seu sentido”. No entanto, o professor afirma que a restrição a esta condição intrínseca está sendo levantada por outros governos além do britânico, como o alemão e o francês, por ser uma medida extremamente popular entre os cidadãos destes países.
“Medidas que dificultam a mobilidade de imigrantes e estrangeiros fazem parte do jogo político dos líderes europeus. Eles as utilizam para obter apoio no cenário interno, pois grande parte dos nacionais se preocupa com a possibilidade de perderem seus empregos ou terem seus benefícios econômicos e sociais reduzidos após a chegada de outros trabalhadores”, diz Leihmann.
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Por se tratar de uma questão delicada, o professor afirma que a reforma da regulação envolvendo o trânsito de pessoas na UE ainda está sendo discutida “a portas fechadas”, mas que este quadro deve ser alterado nos próximos meses com a formação de uma nova Comissão Europeia.
“Reino Unido, Holanda, Bélgica, França e Alemanha são alguns dos países que devem selecionar representantes favoráveis a uma revisão das normas atuais da UE para compor o parlamento europeu, que terá eleições no início de 2014.”, afirma.
Outro ponto que poderá ser submetido à votação é a própria permanência do Reino Unido na União Europeia. Cameron já anunciou que, caso permaneça na presidência após o pleito de 2015, renegociará os termos da adesão do país ao bloco e organizará um referendo popular para legitimar os resultados da negociação.
Em relação a isto, Lehmann pontua a diferença entre as politicas migratórias britânicas atuais e as praticadas há dez anos.
“O Reino Unido foi um dos países que mais incentivou a expansão da EU, nos anos 90, quando também contava com um governo conservador [partido de Cameron]. A economia estava indo bem, então a inclusão de ex-repúblicas soviéticas ao bloco era considerada vantajosa”, relata o professor, ressaltando que a forma com a qual o Estado encara a mobilidade internacional é fortemente influenciada pelo contexto econômico doméstico.