Na primeira reunião do Conselho de Segurança Nacional após o golpe de 1964, o principal foco de discussão foi a suspensão das relações bilaterais com Cuba. Colocado no poder com o apoio dos Estados Unidos, o presidente Humberto de Alencar Castello Branco defendeu a manutenção do laço com a ilha caribenha, maior inimigo norte-americano desde a chegada de Fidel Castro ao poder, em 1959.
Por 12 votos a 7 (o posicionamento de Daniel Agostinho Faraco, ministro da Indústria e do Comércio, não é conclusivo), predominou a opinião do ministro das Relações Exteriores, Vasco Tristão Leitão da Cunha Silva, que defendeu o rompimento imediato com Havana.
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Castello Branco preferia esperar um parecer da OEA (Organização dos Estados Americanos), que acabou se reunindo em julho de 1964 em Washington. O líder do golpe contra João Goulart queria ter tempo para mostrar que seu governo instalaria medidas pelo “bem-estar do povo”.
“Somos um governo novo que ainda não tomou nenhuma medida para o povo, a não ser o restabelecimento da ordem e de uma certa tranquilidade. Não podemos tomar uma medida de ordem internacional, no plano ideológico, sem nos termos voltado para o povo com medidas que ele reclama para seu bem-estar”, argumentou Castello Branco, antes de abrir a votação aos demais ministros.
Orlando Brito/Opera Mundi
Castello Branco em discurso no ano de 1964, quando participou ativamente da derrubada de João Goulart
A sessão de 24 de abril foi iniciada com a apresentação de um relatório pelo ministro das Relações Exteriores. Vasco Tristão Leitão da Cunha Silva, ao final de sua fala, fez um parecer específico sobre Cuba. “As relações entre Brasil e Cuba já não servem a qualquer propósito útil, para não dizer mais. O caminho claramente aponta para o rompimento imediato.”
Outro argumento usado pelo chanceler foi o de que o Brasil poderia demonstrar sua liderança na região suspendendo imediatamente os laços, caso tal atitude fosse seguida por outros governos. “Os países que ainda não se animaram a romper relações se sentirão fortalecidos para tomar essa atitude.”
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Leitão da Cunha Silva ainda reclamava que Fidel não reconhecera o governo brasileiro que derrubou Goulart. Entre os ministros que apoiaram essa posição vencedora estavam o futuro presidente Arthur da Costa e Silva (Guerra), Milton Soares Campos (Justiça) e Flávio Suplicy de Lacerda (Educação e Cultura).
Ao lado de Castello Branco ficaram Roberto Campos (Planejamento), Pery Constant Bevilacqua (Estado-Maior das Forças Armadas) e Octavio de Gouveia de Bulhões (Fazenda).
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Ex-embaixador em Washington, Campos pode ser considerado o ideólogo da posição do grupo castellista. “Se não rompermos com outros países socialistas, não haveria consequência lógica em rompermos com Cuba. […] Mantendo relações, apesar da discordância ideológica, não é uma atitude de fraqueza. É um reconhecimento prático de que o governo controla a situação em seu território.” De fato, o Brasil não rompeu com a União Soviética durante o regime militar, apesar de nenhum presidente desse período ter visitado o país.
Depois do posicionamento de todos os ministros, Castello Branco concluiu: “Assistimos aqui a uma verdadeira manifestação da opinião pública. Cada ministro falou com a responsabilidade de Ministro de Estado e, sem o querer, interpretando correntes da opinião pública brasileira. Compete a mim interpretar a resultante.”
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Derrotado no Conselho de Segurança Nacional, o primeiro presidente da ditadura nacional cedeu e, 19 dias depois, anunciou o rompimento com Havana por “repetida interferência de Cuba nos negócios internos brasileiros e pelo desejo do governo de não permitir ação comunista no Brasil”.
Wikicommons
Relação entre Brasil e Cuba só foi normalizada no governo Sarney; na imagem, Fidel na posse de Lula, em 2003
Na reunião da OEA que poderia ter definido a posição do Brasil sobre Cuba, ficou decidido que nenhum país do continente poderia manter laços com Fidel e seu governo. Já rompida com a ilha caribenha, a chancelaria brasileira teve destaque na IX Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores da OEA, presidindo os trabalhos.
Ao suspender as relações com Cuba, o Brasil sinalizou o fim da chamada Política Externa Independente, implementada durante os governos Goulart (1961-1964) e Jânio Quadros (1961) e que tinha o objetivo de diversificar os laços do país, diminuindo a importância dos Estados Unidos.
O temor de que o Brasil pudesse seguir o exemplo de Cuba e se aproximar da URSS foi um dos motivos para o apoio norte-americano ao golpe de 1964. As relações bilaterais com Havana foram restabelecidas em 1986, no mandato de José Sarney.