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Política e Economia

Beneficiada pelo chavismo, professora foi a primeira da família a completar estudos

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Mesmo após ter um filho, Duglaimes Nieves se diplomou com auxílio das missões Mercal e Ribas

Luciana Taddeo

2014-02-01T15:00:00.000Z

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Fome não era uma sensação nova para Duglaimes Nieves. Sentiu na infância, quando morava com a mãe no estado venezuelano de Lara, antes de, ainda adolescente, ir para a casa do pai em uma comunidade pobre em Caracas. Voltou a senti-la na paralisação geral promovida pela oposição e por câmaras empresariais no final de 2002 e início de 2003, em uma tentativa de derrubar o governo de Hugo Chávez, após o rápido golpe contra o então presidente em abril daquele ano.

A vida de Duglaimes, assim como a de milhares de venezuelanos, se entrelaça com a história da denominada “Revolução Bolivariana”, iniciada há 15 anos, quando Chávez, um tenente-coronel de paraquedistas, chegou ao Palácio de Miraflores, no dia 2 de fevereiro de 1999. Duglaimes tinha apenas 13 anos na chegada do líder ao poder.

Luciana Taddeo/Opera Mundi

Duglaimes hoje trabalha como professora em escola pública


Durante a paralisação iniciada com quatro anos de governo Chávez, a alimentação na casa desta venezuelana, na época grávida, se restringia a uma refeição diária. Seu trabalho como caixa de uma padaria perigava. A farinha de trigo não chegava, afetando a produção do produto central do negócio. Com o pai e a madrasta sem trabalho, Duglaimes conta a Opera Mundi que trabalhou “até o momento de parir” e sustentou a casa durante aqueles meses de incertezas. Parou de estudar e achou que estava destinada, assim como seus pais, a não terminar o Ensino Médio pela falta de condições financeiras.

Relembre os fatos mais importantes dos 15 anos de chavismo na Venezuela

No entanto, sem sucesso no objetivo de derrocar o governo, o protesto opositor chegou ao fim. Para evitar episódios similares e garantir o abastecimento alimentar às camadas de menor renda, Chávez criou, em abril de 2003, a Missão Mercal (Mercado de Alimentos) para a venda de alimentos a baixos custos. O programa existe até hoje e, ao lado de outras iniciativas do governo venezuelano, como vans itinerantes e hipermercados populares, fez com que a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) reconhecesse os esforços do país na luta contra a fome.

Em declarações realizadas ao canal estatal no ano passado, o representante do organismo na Venezuela afirmou que, no início da década de 1990, quatro milhões de pessoas passavam fome no país - o equivalente a 15,5% da população – enquanto a cifra passou menos de 2,5% na atualidade. “Na Venezuela há uma ampla rede pública, jamais vista, do Estado, para garantir a disponibilidade dos alimentos”, afirmou sobre os 23 mil pontos de abastecimento alimentar, onde os produtos são subsidiados em até 80%.

Duglaimes, hoje com 28 anos, conta que produtos difíceis de encontrar, como leite e frango, são encontrados no Mercal a preços menores do que em supermercados privados, o que ajuda a driblar o desgaste de ingressos frente à alta inflação do país, que fechou 2013 com um índice de 56%. No entanto, diz que desde o ano passado as jornadas do programa não são realizadas perto de sua casa, o que a faz gastar mais.

Foi no Mercal que ela fez as primeiras compras do mês quando passou a morar com o marido e tentou estudar novamente. Conta que não aguentou 15 dias, devido à intensa rotina de estudo, trabalho e cuidados do bebê que, “graças a deus”, nasceu saudável. “Nessa época eu fazia o controle natal em um hospital público. Os médicos cubanos ainda não tinham chegado ao país. Quando eles passaram a atuar nas comunidades, meu filho já tinha um ano, e fui para que ele fosse atendido em algumas oportunidades”, conta ela sobre a Missão de saúde “Barrio Adentro”, que até hoje conta com a importação de profissionais da ilha.

Sem seguir o destino da família humilde, Duglaimes conseguiu terminar o Ensino Médio com a Missão Ribas, criada para reinserir a população que não concluiu os estudos no sistema educativo. “As pessoas estavam muito entusiasmadas com esse programa. Tinha jovens, adultos e até uma pessoa de 63 anos no meu grupo. Até meu pai se inscreveu, mas acabou não terminando o curso”, lembra.

O programa era realizado através de vídeos e um “facilitador” que ajudava os estudantes. “O nosso facilitador era um professor de matemática, que nos guiava. Eu ia estudar e levava meu filho, deixava o carrinho de bebê ao lado da mesa. Era difícil para as pessoas que estavam há anos sem estudar, elas se enrolavam muito”, lembra.

Posteriormente, a jovem venezuelana continuou estudando graças a iniciativas do governo. “Soube que iam promover uma graduação em Educação com menção em Desenvolvimento Cultural aí mesmo onde nos formamos no Ensino Médio”, lembra sobre o curso universitário dado na comunidade mediante um convênio entre a Missão Cultura – criada para garantir o acesso, além de proporcionar a divulgação e criação cultural - e uma universidade nacional para formar educadores na área.

Além do curso realizado por Duglaimes, foi criada a Missão Sucre, destinada à formação superior, e, segundo o governo, pelo menos 30 universidades foram abertas nos 15 anos chavistas. No início de 2014, a ministra da Comunicação, Delcy Rodríguez, afirmou que a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) classificou a Venezuela como o segundo país da América Latina e o quinto do mundo com maior matrícula universitária. De acordo com o presidente Nicolás Maduro, esta chegou a 2,6 milhões.

Realizada em outubro do ano passado pela fundação GIS XXI (Grupo de Investigação Social Século XXI), a 2ª Pesquisa Nacional da Juventude Venezuelana apontou que 79% dos jovens com idade entre 15 e 24 anos afirmam estudar atualmente, enquanto 67% destes dizem estudar em uma instituição pública. Ainda segundo o estudo, baseado em entrevistas com cerca de 10 mil jovens e apresentado pelo ministério da Juventude, 77% pretendem permanecer no país após obter o título.

Apesar dos altos índices de jovens inscritos em cursos superiores, no entanto, a qualidade da educação venezuelana é questionada. Para Nacarid Rodríguez Trujillo, docente do doutorado em Educação da UCV (Universidade Central da Venezuela), o aumento da matrícula em todos os níveis educativos se deu em detrimento da qualidade. “Principalmente no nível superior, no qual aumentou muitos os inscritos, mas os equipamentos, instalações, professores, recursos, isso não melhorou”, disse a Opera Mundi.

“Além disso, quantidade de matrícula não é o mesmo que o número de formados e disso há pouca informação”, explica ela, acrescentando que, no caso das missões educativas, estas foram criadas como organismos paralelos em vez de reforçar o sistema já existente. “As universidades tradicionais, autônomas, que são as que mais realizam pesquisas, mantêm um orçamento no mesmo nível há seis anos. Aparentemente não se reduziu, mas com a inflação, isso representa muito menos”, afirma.

Reprodução

Apresentação do projeto musical do qual faz parte o filho de Duglaimes


Apesar dos questionamentos, a formação superior foi fundamental para Duglaimes, que hoje é professora de teatro em uma escola pública. Seu filho está inscrito há quatro anos no Sistema de Orquestras e Coros Juvenis e Infantis, com o qual aprendeu a tocar flauta e violino. Criado em 1975 pelo músico José Antonio Abreu, o sistema cresceu e se fortaleceu com o apoio da gestão chavista e incorpora 400 mil crianças e jovens de todo o país. Espera-se que em 2014 mais 100 mil sejam matriculados.

Duglaimes também comprou uma casa própria com o marido, em uma comunidade nas cercanias do bairro 23 de Enero, onde antes morava em um quarto. A professora se queixa do salário dos docentes e afirma estar preocupada com a situação do país. “Está difícil comprar as coisas”, lamenta.

Seu filho, hoje com dez anos, ainda não sabe se quer seguir o caminho da música ou treinar baseball, esporte muito popular paixão na Venezuela. Duglaimes prefere a primeira alternativa, mas acredita que o filho terá mais possibilidades de prosperar que as suas. “Independentemente do que acontecer com Maduro, não voltaremos à situação de antes. Como disse Chávez, hoje temos pátria.”

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Análise

Patentes na OMC é uma derrota para os países do Sul Global

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Pandemia de covid-19 reativou a debate sobre a quebra de patentes para medicamentos e vacinas. Apesar de sua união em torno do tema, países subdesenvolvidos sofreram uma derrota

Alessandra Monterastelli

Outras Palavras Outras Palavras

2022-07-06T22:35:00.000Z

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No dia 17 de junho, saiu fumaça branca das chaminés da Organização Mundial do Comércio (OMC). A entidade, responsável pela regulação de patentes internacionais, anunciou que chegara a uma conclusão sobre as vacinas contra o coronavírus. Tratava-se do pedido de isenção do acordo TRIPS – sigla em inglês para Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio. Firmado na virada do século, tal compromisso obriga os países-membros da OMC a adotar padrões mais rigorosos de proteção patentária. Consequentemente, encarece o acesso às inovações tecnológicas, inclusive no setor farmacêutico. Mas a decisão final foi amplamente criticada por ativistas da saúde e movimentos populares em todo o mundo, já que a OMC rejeitou a isenção total do TRIPS. 

Em 2020, diante da disseminação do novo coronavírus, África do Sul e Índia protocolaram a proposta de isenção do Acordo, que obteve amplo apoio dos países em desenvolvimento e de baixa renda – com exceção do Brasil. A nova decisão foi saudada pelo Secretariado da OMC e por representantes de países ricos como um resultado sem precedentes, mas ativistas condenam que, na prática, a decisão não atende as necessidades mínimas da maior fatia do mundo. “Houve um esvaziamento da proposta pelos países mais ricos. O texto perdeu totalmente sua força, não trouxe nada novo”, explica Felipe Carvalho, Coordenador Regional da Campanha de Acesso do Médicos Sem Fronteiras ao Outra Saúde.

A conclusão do órgão concedeu uma exceção temporária à restrição das quantidades de vacinas que podem ser exportadas sob licença compulsória; diagnósticos e tratamentos não estão incluídos e devem obedecer ao limite de exportação durante o tempo de licença compulsória – decretada durante emergências sanitárias, como é o caso da pandemia. Além disso, a concessão vale apenas para responder à covid-19 e não tem validade diante de outras crises de saúde. O acordo final não inclui o compartilhamento de segredos comerciais e know-how de fabricação, o que prejudicará a produção de vacinas com tecnologia avançada por países de baixa renda – como é o caso dos imunizantes de RNA.

Carvalho conta que o problema é abordado com frequência em reuniões escpecais da OMS e da ONU.  “Existe um consenso entre especialistas e órgãos multilaterais de que as patentes causam constantes crises de acesso e inovação na saúde”. Em maio, o The Guardian divulgou que a Pfizer lucrou 25,7 bilhões de dólares só no início de 2022 – mais da metade do valor está relacionado à venda de vacinas contra a covid-19. Tim Bierley, ativista do Global Justice Now, denunciou ao jornal britânico que apesar do apelo da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de outras organizações, a farmacêutica seguia se recusando a compartilhar a tecnologia de produção do imunizante. O diretor da OMS, Tedros Adhanon, afirmou em 2021 que a pandemia estava sendo prolongada por uma “escandalosa desigualdade” diante do acúmulo de doses de imunizantes por países ricos enquanto países pobres não conseguiam avançar em sua meta de vacinação em massa. 

“Desde a criação do acordo TRIPs nós temos um cenário de constantes crises de acesso a medicamentos essenciais”, conta Felipe. Ele relembra o caso emblemático da epidemia de HIV/AIDS, na década de 1990. “Em 1996 surgiu a primeira terapia para a doença. As pessoas pararam de morrer e passaram a conviver com o vírus. Mas essa terapia não chegou nos países onde o cenário era mais grave”, explica. O ano de 1996 foi também quando o acordo TRIPS entrou em vigor, após sua criação em 1994 e preparação em 1995. “A partir daí se criou uma coalizão na sociedade civil, da qual fazemos parte, chamada Movimento de Luta pelo Acesso a Medicamentos. A pergunta era: por que os preços eram tão altos e o tratamento se tornava inacessível para milhões de pessoas? Nos aprofundamos no sistema de patentes e entendemos que o monopólio era a causa”, relembra.

Apesar do TRIPS possuir cláusulas que permitem flexibilizações, elas são de difícil utilização devido a dois fatores principais: sua não-incorporação completa em leis de países-membros e a pressão que as farmacêuticas exercem sobre as decisões da OMC. Na década de 1990, diante da grave situação vivida na África do Sul – país com maior número de mortes pela AIDS na época – o governo então liderado por Nelson Mandela aprovou uma das medidas previstas no TRIPS para importar genéricos. Na ocasião, Mandela sofreu o processo de 39 farmacêuticas que se opuseram à decisão tomada para conter a crise de saúde pública. Apesar da derrota das corporações na justiça, “esse é um exemplo de como essas empresas e seus países-sede tentam barrar as normas legítimas existentes no TRIPS”, exemplifica Carvalho.

A OMC é uma instituição formada por 164 membros e opera com base na tomada de decisões por consenso. “A OMC falhou em fornecer uma isenção. O acordo coloca os lucros à frente das vidas e mostra que o atual regime de propriedade intelectual falha em proteger a saúde e promover a transferência de tecnologia. Essa não-renúncia estabelece um mau precedente para futuras pandemias e continuará a colocar vidas em risco” declarou Lauren Paremoer, médica e integrante do Peoples’ Health Movement na África do Sul. 

A Health Action International, referência no trabalho para expandir o acesso a medicamentos essenciais, argumentou em nota que a decisão da OMC impõe obstáculos ao licenciamento compulsório, uma das poucas flexibilidades existentes no TRIPS, em troca de uma abertura tímida para a facilitação da exportação de vacinas. Outras entidades representantes da sociedade civil já denunciaram a atuação dos países ricos e vêm aumentando a pressão sobre os governos. O objetivo, segundo seus porta-vozes, é que sejam tomadas medidas concretas para desafiar as regras de monopólio farmacêutico da OMC e garantir mais acesso a medicamentos e tecnologias. 

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