Atualizada às 8h25
Na metade de 2009, quando o presidente Mauricio Funes assumiu, El Salvador já estava sofrendo os violentos embates da crise econômica mundial e de um modelo de desenvolvimento interno excludente e classista. Entre 2008 e 2009, o PIB (Produto Interno Bruto) caiu 3,1% e as receitas fiscais, as exportações, o crédito, o consumo privado e até mesmo as remessas familiares, que em El Salvador representam a segunda maior fonte de divisas, se reduziam de forma acelerada.
Leia mais:
Eleições em El Salvador: vítimas da guerra civil criticam oposição e pedem mais direitos
Essa situação teve um impacto direto sobre o emprego, gerando um aumento significativo do desemprego e do subemprego. “O país estava estagnado e sem sinais de recuperação. Funes encontrou as reservas do Estado vazias e a necessidade de coletar 800 milhões de dólares para poder terminar o ano, honrando compromissos e dívidas herdadas das administrações passadas”, disse César Villalona, economista dominicano radicado em El Salvador, a Opera Mundi.
Giorgio Trucchi/Opera Mundi
Villalona: “verdadeiro desafio é dinamizar mercado interno para que se tenha mais dinheiro e possa ampliar o investimento público”
A recuperação do comércio norte-americano e a austeridade orçamentária do novo governo, somadas à implementação de novos programas dirigidos à pequena e média empresa e à aplicação de estratégias econômico-financeiras, permitiram a El Salvador uma lenta recuperação e um crescimento médio anual de 2%. “O país saiu do buraco e entrou em uma leve recuperação, reduzindo o déficit fiscal, aumentando as receitas públicas e reativando a economia. No entanto, o verdadeiro problema é que as grandes empresas privadas seguem sem investir no país e preferem mandar seu dinheiro para o exterior”, explicou Villalona.
De acordo com dados do economista, entre 2001 e 2010, os oito grandes grupos econômicos salvadorenhos teriam tirado do país cerca de 8,7 milhões de dólares para investi-los no exterior. Apesar das limitações para levar adiante suas estratégias, o primeiro governo de caráter progressista da história de El Salvador aumentou sensivelmente o investimento social, sobretudo com programas dirigidos a reformar e melhorar a saúde e a educação.
Também investiu em obras públicas e na reativação da produção agrícola, privilegiando a pequena e a média empresa e as cooperativas agropecuárias. Isso permitiu reduzir sensivelmente a importação de alimentos, o desemprego e o subemprego.
Leia mais sobre primeiro turno em El Salvador:
“Campanha do medo” marca processo eleitoral salvadorenho
Memórias de uma radialista guerrilheira às vésperas da eleição em El Salvador
Maioria, mulheres devem decidir eleições presidenciais em El Salvador
De acordo com dados da DIGESTYC (Direção Geral de Estatística e Censo), entre 2009 e 2013, os lares que viviam na linha de pobreza foram reduzidos de 30% para 29% e os que viviam em pobreza extrema, passaram de 12% a 6%. “O futuro governo terá de manter essa linha progressista, tomando conta da macroeconomia ao mesmo tempo em que segue implementando os programas sociais, a redistribuição da riqueza e o apoio à pequena e à média empresa”, afirmou o economista.
Para fazer isso, Villalona acredita ser necessário aumentar as receitas públicas, ampliar o acesso ao crédito e reduzir o déficit fiscal, atacando com força a evasão de impostos – que está na casa do 1,7 milhão de dólares – e combatendo a “evasão legalizada” das exonerações fiscais. Além disso, deverá recuperar os quase 400 milhões de dólares das grandes empresas que que endividam o Estado em termos de mora e promover uma reforma tributária progressiva.
Efe (07/03/2014)
El Salvador realiza segundo turno das eleições presidenciais neste domingo. Na foto, soldado vigia centro de cotação em San Salvador
Segundo a CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), El Salvador continua sendo um dos países com a carga tributária mais baixa da América Latina, limitando o investimento estadual em obras e programas sociais e aumentando a dívida pública e o déficit fiscal. “Os neoliberais dizem que para eliminar o déficit é necessário reduzir o gasto público. Eu prefiro pensar que o verdadeiro desafio é dinamizar o mercado interno para que o Estado tenha mais dinheiro e possa ampliar o investimento público e seus programas”, afirmou Villalona.
Leia mais:
A duas semanas do pleito em El Salvador, governista mantém liderança em pesquisa eleitoral
Direitos trabalhistas e sindicais
Quando, depois do primeiro turno eleitoral do último dia 2 de fevereiro, o Ministério do Trabalho salvadorenho informou que 164 empresas – incluindo 22 prefeituras – foram processadas por terem coagido seus trabalhadores a votarem em um determinado partido, em quase todos os casos no partido de oposição Arena (Aliança Republicana Nacionalista), ninguém se surpreendeu.
Para Gilberto García, coordenador do CEAL (Centro de Estudos e Apoio Trabalhista, na sigla em espanhol) essa situação anacrônica é reflexo de uma oligarquia empresarial salvadorenha que “não quer perder o controle econômico do país, nem muito menos pagar impostos. Pretende simplesmente voltar ao passado e parar a história.”
NULL
NULL
Durante os 20 anos de governos da direita salvadorenha, foram implementadas as receitas mais duras do modelo neoliberal. Depois da assinatura dos Acordos de Paz (1992), o partido Arena deu todas as facilidades para que o setor financeiro se impusesse à indústria nacional. “Dolarizaram a economia e entregaram as reservas internacionais aos bancos; substituíram a indústria nacional pela importação de bens e a instalação de empresas montadoras, e venderam os bancos a companhias estrangeiras, permanecendo como acionistas minoritários e administradores. Finalmente, se aliaram ao capital transnacional e todos os industriais se transformaram em importadores”, lembrou-se García.
Segundo ele, as dificuldades que o governo atual enfrentou e os desafios para o futuro têm a ver com elementos macroeconômicos e modelos de desenvolvimento, mas também com a necessidade de reformar a legislação trabalhista e garantir direitos trabalhistas e sindicais e um emprego digno. “O movimento sindical é um sobrevivente de 60 anos de ditadura militar, de 12 anos de conflito armado interno e de 20 anos de neoliberalismo. Precisamos de reformas profundas de toda a legislação que rege o emprego e o bem-estar social”, afirmou García.
Entre 2009 e 2013, foram criadas 13 mil novas empresas e gerados 113 mil novos empregos. No entanto, em El Salvador o emprego informal continua representando mais de 50% do total.
Entre os pontos mais urgentes a serem abordados pelo presidente que for eleito neste domingo (09/03), o especialista em questões sindicais aponta uma reforma legal-institucional que promova a negociação coletiva com as indústrias e que elimine os requisitos excessivos dos centros de trabalho. Além disso, “deve combater o antissindicalismo generalizado que existe no setor privado e promover um novo censo sindical nacional”, afirmou.
Atualmente, a taxa de sindicalização em El Salvador é de 7,38% da PEA (População Economicamente Ativa) e está concentrada no setor público. Além disso, no setor privado, somente 0,46% dos trabalhadores fazem parte da negociação coletiva. “Apesar de, nos últimos anos, ter havido um aumento na taxa de sindicalização, são necessárias reformas que permitam combater de frente o antissindicalismo e o que outorguem uma maior capacidade coercitiva às autoridades trabalhistas”, disse García.
O coordenador o CEAL pediu que o futuro governo condicione os incentivos econômicos previstos para as empresas ao respeito irrestrito das liberdades sindicais e dos direitos trabalhistas. “Os trabalhadores são vítimas de chantagem pela necessidade de trabalhar e pelo medo de serem objetos de ações de represália por se organizarem. O futuro governo deverá não apenas implementar a criação de emprego, mas promover o emprego digno, lutando contra as violações trabalhistas e sindicais que continuam acontecendo em El Salvador”, concluiu.