Assim que a campanha de boicote, desinvestimento e sanções contra o regime israelense foi lançada, em 2005, Tel Aviv deu início a um programa de contrapropaganda para melhorar sua imagem em meio à comunidade internacional. Nomeada de “Brand Israel”, essa iniciativa se baseia em análises de marketing de que o mundo ocidental compartilha uma visão de Israel como “militarizado e religioso” e procura transformar essa percepção – uma tentativa analisada por muitos e batizada de “pinkwashing”.
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Com investimentos anuais milionários do governo de Israel, a campanha envolve de instituições estatais até grupos de lobby ao redor do mundo. De forma orquestrada, essas organizações disseminam ideias e imagens sobre Israel assim como sobre seus principais inimigos em meios de comunicação, redes sociais, eventos, filmes e outras produções artísticas e acadêmicas.
Apesar de não ter sido sempre seu principal foco, a campanha BDS passou a ocupar papel central nesta campanha nos últimos meses. Prova disso foi o discurso do premiê israelense, Benjamin Netanyahu, em março deste ano na AIPAC (um gos maiores grupos de lobby sionista nos EUA), no qual discorreu, longamente, sobre o movimento, chegando a mencioná-lo 18 vezes.
No site da ADL (Liga da Anti-Difamação da Israel nos Estados Unidos), por exemplo, é possível notar que o grupo está monitorando todas as ações realizadas por ativistas norte-americanos pró-BDS e orquestrando reações nesses mesmos locais. Foi assim nas universidades de Michigan e Loyola, onde estudantes haviam conseguido resoluções de desinvestimento e boicote, o que passou a ser disputado com a colaboração da ADL e outros grupos.
As principais figuras da ADL ainda procuram responder a maior parte dos artigos favoráveis ao BDS que saem na imprensa norte-americana, além de publicar textos sobre assuntos relacionados. A polêmica em torno da propaganda da empresa israelense Soda Stream, uma das boicotadas pela campanha, com a atriz Scarlett Johansson teve com fruto algumas publicações da ADL na mídia dos EUA.
Em junho do ano passado, o premiê já havia declarado o BDS como uma “ameaça estratégica” ao estado de Israel. E, no início deste ano, o governo israelense declarou a alocação de cerca de 30 milhões de dólares para “combater” a campanha além de aumentar espionagem contra seus apoiadores internacionais e pressionar governos aliados a combater, legalmente, o boicote em seus países.
“Essas medidas desesperadas indicam, claramente, que o BDS está funcionando”, afirma Omar Barghouti, co-fundador do movimento, a Opera Mundi. Mas, a contra campanha israelense sobre o movimento internacional é forte. Conheça alguns deles:
Sergio Koei
Manifestação em São Paulo no Dia da Terra Palestina, em 2012
1. BDS é antissemita
“Os fundadores do movimento de BDS já deixaram claro quais são seus objetivos. Eles querem ver o fim do Estado judeu. E eu acho que é importante expô-los pelo que eles são: eles são antissemitas clássicos em roupagem moderna”. Foi assim que Netanyahu, descreveu a campanha em uma conferencia com organizações judaicas e sionistas que fazem lobby nos Estados Unidos em fevereiro deste ano.
O premiê ainda comparou a atual iniciativa com o boicote realizado por antissemitas na Europa na primeira metade do século XX, incluindo o período do nazismo. “Nós temos de lutar contra eles; está na hora de deslegitimar os ‘deslegitimadores’”, concluiu, em meio a aplausos.
O mesmo raciocínio aparece em um breve comentário de Michael Salberg, diretor de assuntos internacionais da ADL (Liga Internacional de Anti-Difamação de Israel na tradução para o português), a um artigo publicado no jornal New York Times de Barghouti no dia 2 de fevereiro.
A acusação do movimento de BDS ser antissemita também está presente em tantos outros textos e declarações de figuras vinculadas a instituições estatais israelenses ou a grupos de lobby judaico e sionista. A ideia que esses grupos tentam passar é a de que a campanha de boicote é, assim como o nazi-fascismo, um “discurso de ódio”.
Ativistas judeus, incluindo alguns israelenses, já atentaram para o fato de Israel e organizações de lobby sionista utilizarem acusações de “antissemitismo” para deslegitimar seus oponentes, sobretudo contra aqueles que problematizam o princípio religioso (e, portanto, excludente) do Estado de Israel.
Existem, inclusive, importantes organizações judaicas antissionistas envolvidas na campanha do BDS. A Jewish Voice For Peace é um desses grupos que, como afirmam, “nós estamos entre os muitos judeus norte-americanos que dizemos aos governos dos EUA e Israel: ‘não em nossos nomes!’”.
Judith Butler, pesquisadora renomada e professora na Universidade da California, tratou desta questão durante uma palestra na Universidade Brookly College, em Nova York, que foi quase cancelada por pressão de organizações pró-Israel. “Por que um movimento não violento que busca conquistar direitos políticos básicos para palestinos pode ser entendido como antissemita?”, pergunta ela.
“Apenas se aceitarmos a proposição de que o estado de Israel é exclusivo e representante legítimo do povo judeu um movimento pedindo desinvestimentos, sanções e boicote contra este Estado poderia ser entendido como direcionado contra o povo judeu de forma geral”, afirma Butler, ela própria de família judia. “Existem dois problemas com esta visão: em primeiro lugar, o Estado de Israel não representa todos os judeus e nem todos os judeus acreditam ser representados por Israel; em segundo lugar, o estado de Israel deveria representar toda sua população de forma igual, independentemente se são ou não judeus, independentemente de sua raça, religião ou etnia”, conclui.
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A professora ainda afirma que a campanha de BDS tem como princípio básico a oposição a toda forma de racismo e lembra que o movimento atinge apenas agencias estatais e corporações vinculadas diretamente ao regime de ocupação dos territórios palestinos e não todos os cidadãos israelenses. E por todas essas razões, conclui ela, o movimento não pode ser taxado de “antissemita”.
Segundo Butler, as comparações realizadas entre a campanha e boicotes realizados durante o nazismo tem como propósito a intimidação: “se você deixar essas pessoas (aqueles que pedem o boicote) falarem, você será responsável por crimes de ódio ou pela destruição do povo judeu”, diz ela, reproduzindo as afirmações do lobby pró-Israel.
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2. BDS prejudica trabalhadores palestinos
Em texto sobre a polêmica em torno da fábrica da empresa israelense Soda Stream, construída em território palestino ocupado, o diretor nacional da ADL, Abraham Foxman, escreveu: “Soda Stream está longe de ser um ‘aproveitador’ mal, com a intenção de subjugar palestinos. A empresa emprega 500 palestinos da Cisjordânia de seus 1,3 mil funcionários”.
Para Scarlett Johansson, a nova garota propaganda da empresa, este é um ponto importante de ser explicitado. “Eu não vejo que existe problema relacionado a essa empresa – ao menos até alguém aparecer com uma solução com o fechamento da fábrica, que deixará centenas de desempregados”, afirmou ela, respondendo a acusações da Soda Stream violar os direitos humanos e lucrar com a ocupação da Palestina.
Até mesmo o CEO da Soda Stream, Daniel Birnbaum, rse pronunciou. “Nós não vamos demitir nossos funcionários, prejudicando-os, para promover uma agenda política”, disse. “Eu não consigo ver como ajudaríamos a causa palestina se os despedirmos”, acrescentou.
No entanto, todos os sindicatos palestinos compõem a organização do movimento de BDS e 82% dos palestinos que trabalham em colônias israelenses ilegais prefeririam largar seus empregos por alternativas mais decentes.
O trabalho nessas empresas baseadas em assentamentos ilegais é altamente precarizado e implicam em uma relação coercitiva entre colonizadores e colonizados, segundo os trabalhadores.
“O argumento de Israel de que boicotar as colônias afetará pobres trabalhadores palestinos não é apenas dissimulado e intencionado em desviar a atenção dos assentamentos ilegais israelenses, mas também é um plágio do discurso utilizado por empresas sul-africanas que lucravam com o apartheid quando passaram a sofrer boicote nos anos 1980”, afirma Barghouti.
Sergio Koei
“Rolezinho” feito em uma das lojas da rede “Spicy”, que vende o Sodastream
3. BDS prejudica a própria economia palestina
Seguindo o mesmo raciocínio de que o movimento de BDS prejudica trabalhadores palestinos, alguns ainda alegam que a campanha só traz efeitos negativos para a já incipiente economia palestina. Em entrevista, Birnbaum afirmou que a Soda Stream está nos territórios palestinos para ajudá-los.
Mas, uma série de estudos econômicos indicam que a ocupação israelense é altamente prejudicial à economia palestina. Segundo relatório recente do Banco Mundial, a economia palestina deixa de ganhar cerca de 3,4 bilhões de dólares por ano – o equivalente a 35% de seu PIB (Produto Interno Bruto).
A economia palestina deixa de ganhar cerca de 3,4 bilhões de dólares por ano – o equivalente a 35% de seu PIB – em decorrência da ocupação militar israelense. A conclusão é do relatório do Banco Mundial “Area C e o futuro da economia palestina” divulgado recentemente. O estudo é o primeiro a avaliar os impactos econômicos da ocupação israelense dos territórios palestinos, mais especificamente, da área C, que constitui 61% da Cisjordânia.
Apesar dos Acordos de Paz de Oslo (1993) estipularem a transferência da área C para as autoridades palestinas até 1998, Israel mantém o controle sob o território, não liberando nem para a produção e comércio ou para residência de palestinos. O relatório estima que a permissão da atividade econômica na área poderia resolver, em grande parte, a situação econômica palestina, marcada por altas taxas de desemprego entre os jovens (em torno dos 37%) e pouco desenvolvimento produtivo.