“Não estamos muito otimistas em relação ao [próximo] resultado”, diz Stephen Ekka sobre sua ação. Ele é diretor de uma das três ONGs que enfrentam a maior corporação da Índia pelos direitos dos trabalhadores indígenas do chá em Assam. O Compliance Advisor Ombudsman, instância de fiscalização do Banco Mundial à qual recorreram, “é muito frágil”. A Amalgamated Plantations Private Ltd (APPL), empresa criada por Tata com quase oito milhões de dólares financiados pelo banco – que detém cerca de 20% das ações –, poderia continuar impune quanto a suas ações.
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Por sua vez, a Tata Beverages, dona dos jardins e de uma das marcas mais conhecidas de chá no mundo, a Tetley, anunciou no último dia 7 de março uma avaliação independente sobre a situação denunciada nos jardins da APPL durante os próximos 60 dias. A empresa prometeu atuar em consonância “com as recomendações” que surgissem da avaliação.
Wilson Hansda, da Ação Popular para o Desenvolvimento (PAD, em sua sigla em inglês), disse que já receberam informações de melhorias nas condições de moradia e de saúde. Mas tanto ele como Stephen Ekka, diretor do PAJHRA (Promoção, Avanço, Justiça, Direitos Humanos para os Adivasi ou Indígenas), insistem em manter um nível de ocultamento quanto a alguns fatos, pois a administração da Tata acossa os líderes.
Ekka explica que, quando os funcionários do Banco Mundial estavam para visitar os jardins, “os líderes dos trabalhadores foram chamados aos escritórios e interrogados aleatoriamente. Sua cota de trabalho aumentou ou lhes foram passadas tarefas mais difíceis de realizar. Coisas desse tipo”.
Um gigante com muitas mãos
Os Tata são uma dinastia familiar de uma casta privilegiada na Índia, que ganhou muito dinheiro nos últimos 100 anos – sobretudo com seus agressivos empreendimentos mineiros. Em Kalinganagar, no estado de Orissa, a polícia e grupos de choque assassinaram 12 ativistas indígenas que se opunham à construção de sua fábrica de aço em 2006. Até o momento, já foram mortas por volta de 20pessoas, entre elas duas crianças.
Também fizeram parte das fraudes para a concessão de licenças de operação da rede de telefonia 2G na Índia. Ou poderíamos mencionar Sukinda, também em Orissa, considerada pelo instituto Blacksmith um dos dez lugares mais contaminados do planeta em 2007, graças, sobretudo, à forma como a colossal mina de cromo que os Tata detêm joga seus dejetos nas fontes de água natural da região.
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Os negócios dos Tata, tanto na Índia como na África e na Europa, incluem a propriedade global de duas renomadas empresas automotivas: Jaguar e Land Rover. Obviamente, a Tata Beverages não sabe o que faz a Tata Steel ou o que fez a Tata Teleservices. Trata-se de uma corporação moderna, terceirizada e quase anônima.
Advogados de Nova York
Em 2010, um grupo de advogados trabalhistas, apoiando uma central sindical internacional, teve notícias de uma morte em Assam. Um trabalhador da APPL havia falecido por exposição a pesticidas. E, como um sindicato de trabalhadores do chá fazia parte da central, decidiu investigar o assunto.
PAJHRA/Divulgação
Trabalhadores que atuam na coleta de chá fazem assembleia com pesquisadores em Assam, onde ficam as principais plantações
“O que mais nos deixou surpresos foi a resposta agressiva da Tata”, explicou a advogada Ashwini Sukthankar em 16 de abril durante uma coletiva de imprensa. “Fomos atacados, queimaram nosso carro e quebraram nossas câmeras. Por isso, decidimos investigar mais”.
Sukthankar, advogada independente radicada em Nova York, trabalhou junto com Peter Rosenblum na elaboração do informe da Columbia Law School apresentado naquele dia, “Quanto mais as coisas mudam…”, que documenta casos flagrantes de violações aos direitos humanos e trabalhistas dos trabalhadores indígenas da APPL em Assam.
Durante a coletiva, Rosenblum falou sobre as características e as metas da empresa criada por Tata com dinheiro do Banco Mundial. Uma delas era diversificar seus negócios, “ir mais além do chá”. E um dos seus empreendimentos, a piscicultura, foi tão exitoso, que hoje a APPL é uma das principais produtoras piscícolas em Assam.
Agora, “para construir seu tanque, a empresa usou a terra que os trabalhadores indígenas utilizavam para cultivar seus alimentos, parcelas que haviam sido estabelecidas em seus contratos originais de trabalho quando decidiram ir para os jardins” há 20, 50 ou mais anos, conforme detalhou Peter Rosenblum.
Sócios pobres e sem benefícios
Subodh Ekka, um indígena oraon com raízes no estado de Jharkhand, é um trabalhador da terceira geração nos jardins de Assam. Desde 1993, é supervisor da APPL e diz estar feliz com a ação contra seus patrões. “Fui acompanhar dirigentes estudantis para eu mesmo apresentá-la”, lembra-se. “As ações da PPL são só no discurso, nada mais. Outro dia, fui a um banco estatal retirar minhas economias e não recebi nada”.
Assim como ele, milhares de trabalhadores que vivem nos jardins aparentemente receberam como propriedade pacotes acionários da APPL. O relatório da Columbia Law School documenta, por exemplo, como em um dos jardins a administração lhes comunicou que “era uma ordem eles se tornarem acionistas”.
De qualquer maneira, já que, na teoria, as coisas foram feitas como ditam as regras do Banco Mundial para seus financiamentos, a APPL e a Tata conseguiram uma certificação internacional da The Ethical Tea Partnership (ETP), uma entidade que recebe fundos das empresas privadas e outorga certificações “verdes” com base apenas nas palavras de seus financiadores e sócios.
Logo que tomou conhecimento da ação, a ETP prometeu avaliar o tema dos baixos salários recebidos pelos funcionários e sócios da Tata nos jardins de Assam.
Wilfred Topno, indígena filho de trabalhadores do chá e diretor da PAD, explicou na conferência de 16 de abril que eles apresentaram a ação “porque nossa gente não tem voz e seus problemas nunca foram documentados. Não estamos contra a empresa, queremos que cumpram com seus compromissos com o Banco Mundial. E que respeitem os mínimos direitos ao trabalho, à saúde e à educação. Topno, em um depoimento emotivo, lembrou-se da sua infância e de como todos os seus amigos daquela época hoje fazem parte desse grupo de mal pagos: nasceram e cresceram em um dos jardins investigados.
Enquanto o processo é concluído, o logo da Ethical Tea Partnership desapareceu das caixas comercializadas pela Tetley, e em seu lugar ficou um círculo verde que não diz nada. Os trabalhadores não veem mudanças importantes em suas formas de vida e por isso, no que parece agora um processo sem fim, as jovens continuam desaparecendo, tragadas por grandes cidades como Mumbai, Nova Délhi ou Bangalore. Procurando um futuro melhor, milhares de meninas indígenas de Assam são vendidas como trabalhadoras domésticas ou sexuais por grupos de traficantes, às vezes duas ou três vezes. E quase nunca conseguem escapar de seus amos.