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Política e Economia

As filhas perdidas de Lakhimpur: indústria do chá condena indianas à escravidão sexual

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Meninas viajam para grandes cidades em busca de melhores salários e condição de vida. No caminho, são capturadas

Luis A. Gómez

2014-05-13T09:00:00.000Z

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Quando a Tata Beverages decidiu que seu negócio seria a comercialização e não a produção de chá, encontrou alguns milhões de dólares do Banco Mundial para ajudar a reorientar os negócios. Mas, desse dinheiro, muito pouco foi parar nas barracas onde vivem os milhares de trabalhadores de seus jardins com suas famílias: quartos pequenos, muitas vezes sem água corrente e sem eletricidade. Com isso, muitas jovens adivasi (indígenas) foram deixando os jardins e suas famílias para buscar um futuro melhor nas metrópoles da Índia. E se perderam no caminho.

Leia mais sobre o tema:
Escravidão nas plantações: o obscuro negócio do chá na Índia
Seminus e mal alimentados, indianos que colhem chá querem melhores condições de trabalho

Rhinus Mitta
Wilson Hansda, da Ação Popular para o Desenvolvimento (PAD, segundo a sigla em inglês), diz que a faixa etária das jovens “perdidas” varia entre 10 e 19 anos de idade.

[Trabalhadora de plantação de chá no estado indiano de Assam]

Em uma maquinaria na qual centenas de pessoas operam, as meninas são traficadas para serem transformadas em escravas – esposas ou escravas sexuais. Poucas conseguiram escapar e não existe legislação que proíba a exploração de seu trabalho ou sua venda como esposa.

No distrito de Lakhimpur, em Assam, está grande parte dos mais importantes jardins de chá do estado, incluindo os que são propriedade da Amalgamated Plantations Private Ltd (APPL), empresa fundada pela Tata e que paga mais ou menos o mesmo salário que as demais propriedades (pouco menos de um dólar por dia), sem oferecer qualquer seguridade social.

Por esses motivos, desde 2012, centenas de jovens mulheres deixaram a região, atraídas por agentes que prometem salários, estabilidade, um futuro.

“Os primeiros que entram em contato com elas são também adivasis”, explica Hansda. O caso da comunidade de Delohat é um exemplo recente. Ali foi fechado um jardim de chá há alguns meses. Os agentes apareceram distribuindo seus cartões de visita.

“Como a maioria dos indígenas da região são cristãos, os nomes das agências eram algo como “Agência de Empregos Santa Maria” ou “São João Empregos”, com endereços e telefones verificáveis”.

Foi assim que Dolon, um adivasi que já foi preso por tráfico de pessoas, conseguiu levar Duolotti, uma jovem que deixou sua mãe para trabalhar em uma casa em Délhi. O traficante confessou não somente que existem dezenas de agentes como ele, mas também que recebem até 130 dólares para cada menina que entregam. Enquanto isso, elas são mantidas encarceradas e aglomeradas em pequenos cômodos, muitas vezes sendo violentadas.

Segundo estatísticas do governo, há mais de 10 mil agências de emprego na Índia, sobretudo em Nova Délji, Bombaim e em outras grandes cidades. Todas deveriam estar registradas na polícia e ter licença de operação do ministério do trabalho, mas não há informação disponível a respeito.

O preço de uma menina “contratada” como trabalhadora doméstica é de aproximadamente 500 dólares por ano, pagos em dinheiro ao agente. As garotas podem ser vendidas a cada ano nas mesmas condições. Impedidas ter contato com seus familiares, nem sempre conseguem escapar de seus patrões ou de seus “agentes”, e acabam aceitando essa realidade, vivida por muitas até completarem maioridade.

Algumas meninas perdidas voltaram. Laxmi, de 21 anos, saiu de Lakhimpur há alguns meses e foi encontrada em dezembro do ano passado no estado de Haryana (noroeste da Índia). Ela estava casada com um homem de mais de 50 anos, que pagou cerca de 1.400 dólares por ela.

Resgates e prevenção nos jardins

Apesar de o tráfico de jovens mulheres não ser exatamente um fenômeno novo, em Assam, o problema se transformou em algo massivo nos últimos anos. Por isso, as ONGs que entraram com a ação contra a Tata, acompanhadas pelos líderes dos trabalhadores dos jardins, começaram a prestar atenção em seu trabalho de campo porque os desaparecimentos passaram a ser cada vez mais mencionados.

National Anthropological Archives, Smithsonina Institute
Recentemente, relata William Hansda, tanto a PAD como a PAJHRA, outra das organizações envolvida na ação, começaram a realizar pequenas intervenções. “Estamos tentado entender o fenômeno no nível das pessoas que o sofrem”, explica Hansda, “e assim apareceram alguns casos que registramos”.

[Retrato de 1870. Poucas coisa mudou ao longo dos séculos em Assam]

Em dezembro do ano passado, Wilfred Topno, diretor da PAD, fez parte de um grupo de 20 pessoas, entre elas alguns pais das desaparecidas que viajaram a Délhi para tentar encontrar e resgatar algumas meninas em parceria com a polícia local. Na capital, os ativistas entraram em contato com as outras ONGs que trabalham com a temática do tráfico de pessoas. Conseguiram encontrar algumas, como Laxmi.

Em Assam, porém, o problema é constante, conforme explica Raju Mandtra, presidente da AASAA, Associação dos Estudantes Adivasi de Assam. Mantra sabe que a pobreza afastará as jovens, que são enganadas por uma longa cadeia de traficantes. A AASA realizou operações de resgate. “Várias vezes, prendemos ônibus aonde suspeitávamos que viajavam meninas capturadas pelos agentes”, detalha o dirigente.

Tiveram êxito mais de uma vez e, em um país no qual a polícia não está sempre presente, Mantra e os demais estudantes indianos decidiram operar da forma mais tradicional: levaram os agentes às comunidades para que fossem julgados de acordo com os costumes locais.

“Agora começamos uma intervenção pedindo para as meninas que forem trabalhar em outra cidade que nos solicitem uma autorização junto à aprovação dos país”, relata Raju Mantra. Assim, as jovens precisam entregar cópias de seus documentos de identificação e também dos empregadores, bem como dados de contato, caso aconteça algum problema.

Lavando as mãos

Tão logo se tornou pública a denúncia contra a Tata, a empresa argumentou que não tem nada a ver com os desaparecimentos e com o tráfico de jovens em Assam. Mas tanto a empresa como a Ethical Tea Partnership aceitaram reavaliar o problema fundamental dos baixos salários e das pobres condições de vida nos jardins da APPL. E os problemas associados a esse fenômeno, que comoveram a opinião pública da Índia nas últimas semanas.

As jovens são perdidas ou são resgatadas. São notícia de vez em quando – assim como a malária, que é endêmica, e os preços das diferentes variedades de chá nos jardins de Assam. Mas a situação geral de pobreza e os abusos em Assam não têm o mesmo efeito midiático, ainda que não faltem reportagens e documentários a respeito.

Em 16 de abril do ano passado, a entrevista coletiva para apresentar o relatório da Columbia Law School sobre a vida nos jardins da Tata teve pouca repercussão. Ali estavam representantes das ONGs, da Columbia Law School e da Nazdeek, ONG com sede em Nova York que trabalha em temas legais e sociais.

Wilfred Topno e Stephen Ekka, diretores da PAD e da PAJHRA, insistiram de todas as maneiras ao apelar aos consumidores para acabar com os abusos e ajudar os indígenas de Assam a encontrar melhores condições de vida e de trabalho nos jardins de chá que fazem fortuna há mais de cem anos. “Esperamos, por fim, que assim haja justiça concreta para as pessoas nos jardins de chá”, concluiu Ekka. 

(Os nomes das meninas foram alterados)

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Hoje na História

Hoje na História: 1920 - Império Otomano e nações aliadas da Primeira Guerra Mundial assinam tratado de paz

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O Tratado de Sévres pôs fim ao Império Otomano. Duro demais e impraticável, o documento despertou a ação dos nacionalistas turcos que se negaram a aceitá-lo, defendendo a independência turca

Max Altman

São Paulo (Brasil)
2022-08-10T14:15:00.000Z

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O Império Otomano, aliado da Alemanha durante a Primeira Guerra Mundial, assina em 10 de agosto de 1920 a paz em Sèvres (Hauts-de-Seine). Os Aliados impõem um desmembramento do Império Otomano, cujo território fica reduzido à Anatólia, ou península anatoliana, uma região do extremo oeste da Ásia que corresponde hoje à porção asiática da Turquia, em oposição à porção européia, a Trácia.

A Grécia ontem a costa do mar Egeu, a Armênia e o Curdistão obtêm o direito à independência e as províncias árabes são colocadas sob mandatos britânicos e franceses. Os nacionalistas turcos, comandados por Mustafá Kemal Ataturk, rejeitariam esse tratado. O tratado seria revisto em Lausanne (Suíça) em 1923.

O período final do Império Otomano aconteceu durante a Segunda Era Constitucional do Império Otomano. Durante a Primeira Guerra Mundial, na região do Oriente Médio, a batalha aconteceu entre as Forças Aliadas, formadas pela Grã Bretanha, França e Rússia e as Forças Centrais, formada basicamente pelo Império Otomano.

O Império Otomano foi bem-sucedido no início da guerra. Os Aliados foram derrotados nas batalhas de Galipoli, Iraque e Bálcãs. No entanto, alguns territórios anteriormente perdidos foram reconquistados. A Revolução Russa também foi um fator favorável para a reconquista de territórios Otomanos, como Trabzon e Erzurum. As ofensivas incessantes dos ingleses mostraram-se decisivas e o Império Otomano acabou sendo derrotado em 1917.

As tropas aliadas vitoriosas, lideradas pelo general inglês Edmund Allenby, com apoio das revoltas árabes e assistência da recém declarada República da Armênia, anexaram territórios otomanos.

O Tratado de Sévres pôs fim ao Império Otomano. Este tratado mostrou-se duro demais e impraticável, o que despertou a ação dos nacionalistas turcos que se negaram a aceitá-lo, passando a defender a independência da Turquia. Em resposta a tal partilha surge a figura do mito nacional Mustafa Kemal Pasha, logo renomeado Ataturk (Pai dos Turcos), mobilizando o nacionalismo turco e reorganizando parte do extinto exército otomano na Anatólia.

Wikimedia Commons/Cumhuriyet
Os quatro signatários do Tratado de Sévres, que entrou na história ao por um fim ao Império Otomano, em 1920

Vitorioso na luta da independência, que resultou na expulsão das forças aliadas, Ataturk funda a República da Turquia em 1922, tornando-se seu primeiro presidente. Muda o nome de Constantinopla para Istambul e transfere a capital para Ancara, no centro do país, além de extinguir os vestígios do sultanato otomano ao exilar o último sultão.

O tratado de Lausanne de 1923 reconheceu a Turquia em suas atuais fronteiras. Ataturk implantou reformas radicais no país: tornou a Turquia um país secular; unificou o sistema educacional e fez com que o turco passasse a ser ensinado no alfabeto latino em vez do persa-árabe, com o intuito de se alfabetizar a maioria da população; baniu o uso do véu feminino nas universidades e em locais públicos e concedeu às mulheres direitos civis iguais aos homens; aboliu os trajes típicos que expressavam a hierarquia religiosa e social dos cidadãos.

Para Ataturk, o fato de a Europa cristã ter tido sua super-estrutura (leis, escolas, comércio) drasticamente alterada por eventos como o Renascimento, o Iluminismo e a Revolução Francesa estabeleceu a diferença com o mundo islâmico, que preservara suas próprias estruturas em que a religião ainda determinava o funcionamento da sociedade e se constituiu na causa real do fim do império otomano.

O fato de tais reformas terem ocorrido muito rapidamente e sem consultas maiores aos líderes das antigas estruturas causou e ainda causa certa tensão entre uma sociedade mais modernizada, visível nos grandes centros urbanos, e outra mais apegada aos antigos costumes, no interior e em povoados afastados, que não as absorveram por completo. 

Cerca de 85% dos atuais 70 milhões de habitantes do país são turcos étnicos, 97% islâmicos, sunitas em sua maioria. Quatro milhões e meio vivem na capital Ancara e cerca de 12 milhões, vivem no coração cultural e econômico do país, na área metropolitana de Istambul.

Cerca de 12 milhões de turcos vivem fora do país, 3 milhões só na Alemanha. Persistem ainda três fontes de tensões internacionais: o conflito com a Grécia pelo Chipre; as rebeliões da minoria curda (12 milhões) por autonomia no sudeste do país e o reconhecimento turco do genocídio Armênio ao fim da primeira guerra mundial, quando 1.5 milhão de Armênios, que chegaram a compor 25% da população otomana, foram massacrados ou deportados.

(*) A série Hoje na Hist´ória foi concebida e escrita pelo advogado e jornalista Max Altman, falecido em 2016.

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