Em 27 de maio de 1964, um ataque do exército colombiano contra a região de Marquetália, onde camponeses armados desenvolviam uma zona independente do Estado, marca a criação das FARC (Forcas Armadas Revolucionárias da Colômbia). Cinquenta anos depois, a guerrilha mais antiga das Américas ainda se encontra ativa, apesar de negociar há pouco mais de um ano um acordo de paz com o governo colombiano em Havana, Cuba.
Efe (16/05/2014)
Representantes das partes envolvidas dos diálogos de paz e dos países mediadores anunciam em Havana assinatura do terceiro ponto
Três dos seis pontos em debate já foram acordados, referentes à questão agrária, à participação política e ao combate ao narcotráfico. “Agora há que discutir a saída deste conflito, o que inclui a reparação das vítimas, o acordo para entrega de armas e o estabelecimento dos mecanismos de referendar os acordos e dar início a uma nova fase de democratização”, afirma Carlos Medina, professor da Universidade Nacional da Colômbia e pesquisador da história das guerrilhas.
50 anos das FARC: como a autodefesa camponesa virou uma guerrilha
Depois de vários fracassos anteriores, analistas afirmam que os diálogos atuais são mais bem estruturados, com uma agenda clara e uma disposição declarada entre ambas partes. Antes, “as FARC reivindicaram a solução política desde que desaparecessem os problemas que originaram o conflito. O fracasso dessas negociações aconteceu pela negativa dos governos de turno, pressionados pela classe dominante colombiana, pelos EUA e pelo militarismo, em aceitar essas mudanças estruturais, como a reforma agrária e a abertura democrática. Se sentavam na mesa buscando que a guerrilha entregasse as armas em troca de nada”, critica Carlos Lozano, membro da direção nacional do PCC (Partido Comunista Colombiano) e diretor do jornal Voz.
A pressão de setores militares e da extrema direita liderada pelo ex-presidente Álvaro Uribe contra os diálogos de paz – especialmente no atual período eleitoral – é outro tema delicado. “Esperamos que o governo siga entendendo a necessidade de uma saída política e não ceda a essas forças”, diz Lozano, que acredita que a política de altos investimentos militares contrainsurgentes implementada nos oito anos de governo de Uribe debilitou, mas não pôde derrotar a guerrilha, o que revela o fracasso da via militar como solução do conflito.
Vitor Taveira/Opera Mundi
Comemoração feita pelo Movimiento Bolivariano, braço político urbano das FARC, na sede da Universidade Nacional em Bogota
Outra fragilidade apontada pelo líder comunista reside na incapacidade dos setores democráticos e progressistas de criarem uma frente ampla para a paz, que pressione por mudanças e exija que governo e guerrilha não se levantem da mesa de negociações até que o acordo pleno seja concluído.
Conquistas e apoio popular
Álvaro Villarraba, pesquisador do Centro Nacional de Memória Histórica, ressalta que, embora tenham o rechaço da maioria da população, as FARC possuem apoio especialmente entre “setores camponeses e sociais de áreas rurais remotas e urbanas deprimidas”, onde fazem parte da “base social”.
A falta de presença do Estado permitiu que guerrilha e paramilitares ocupassem esses espaços e impusessem seu controle militar, jurídico, político e econômico. “Quando o Estado consegue entrar e controlar essas áreas, mudam as relações de poder e o comportamento da população em relação ao ator armado que está lá. É muito difícil para a população se comportar de forma distinta ao ator de forca que atua em seu território”, diz o professor.
Vitor Taveira/Opera Mundi
Carlos Medina acredita que um efeito positivo do movimento insurgente foi conseguir chamar a atenção do Estado para territórios antes esquecidos.
[Villarraba: FARC fazem parte da “base social”]
A criação das Zonas de Reserva Camponesa foram um avanço importante para o campo, na opinião de Lozano, que “não foram impostas pelas FARC mas se estabeleceram graças à organização e suporte político importante encontrado na guerrilha”.
O efeito da existência da luta armada para a esquerda democrática também gera opiniões distintas. Para Villarraba, os ativistas e movimentos sociais sofrem interferência da guerrilha e também estigmatização por parte dos paramilitares e agentes estatais, constituindo um fator de risco e um obstáculo para o desenvolvimento da esquerda democrática.
No entanto, para Lozano, se não fosse a existência do movimento insurgente, provavelmente o movimento popular e a esquerda democrática já haveria sido aniquilada pela violência política existente no país.
O deputado Iván Cepeda explica o apoio que os insurgentes possuem em certos territórios. “Para algumas populações, a guerrilha representou a resistência a políticas governamentais, como projetos de exploração da riqueza natural. Mas a guerra nunca será fator de desenvolvimento: ela é a destruição do entorno social e natural. Por isso, a Colômbia deve alcançar a paz por meio de um acordo dialogado”.
Causas do conflito
Segundo Cepeda, os dois principais fatores que levaram à criação das FARC e de outras guerrilhas ainda não foram resolvidos: reforma agrária e falta de liberdade política. “A Colômbia é um país com alto índice de desigualdade. Um por cento dos proprietários possuem 50% das terras. No outro extremo, há uma massa camponesa, indígena e de afrodescendentes que vive na miséria e ainda sofre com a expulsão de suas terras por conta da violência”, sublinha.
O outro ponto se relaciona com a biografia de Cepeda. Seu pai, Manuel Cepeda, era senador da República pela União Patriotica (UP), partido criado a partir de uma trégua entre o governo e as FARC, quando foi assassinado por paramilitares em 1994. A corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado colombiano como cúmplice do crime. Prestes a assumir o cargo de senador em julho, Iván vive sobre constantes ameaças.
Vitor Taveira/Opera Mundi
Cepeda: fatores que levaram à criação das FARC ainda não foram resolvidos: reforma agrária e falta de liberdade política
Lozano corrobora a análise de Cepeda. “Essas causas não só nunca desapareceram como se aprofundaram ainda ao longo desses 50 anos por conta de uma classe dominante mesquinha que se negou a fazer estas reformas de caráter burguês, como a reforma agrária e abertura política para a participação das agrupações de esquerda”, afirma, relembrando o chamado “genocídio político” da UP, que teve entre 3 mil e 5 mil militantes assassinados nos anos 80 e 90, segundo estimativas.
A questão agrária e a participação política foram justamente os dois primeiros pontos discutidos na atual mesa de diálogo. Também já foi fechado o acordo sobre drogas ilícitas. Ainda estão pendentes outros três temas de ressarcimento das vítimas, da finalização do conflito e entrega de armas e da implementação, verificação e referendação dos acordos. Os pontos parciais já acertados só terão validade caso o acordo completo seja efetivado.
Para o dirigente comunista, o reconhecimento do caráter político dos movimentos insurgentes e sua inserção na política legal, deixando a luta armada, é fundamental. “As guerrilhas colombianas são uma realidade e precisam ser levadas em conta para as mudanças políticas, econômicas e sociais”, diz Lozano. “Uma lição que o país aprendeu em meio à tragédia e o horror da guerra é a necessidade de mudança, de democracia, da construção de um novo momento na vida nacional”, completa.
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