Depois chamar a atenção dos meios de comunicação da Espanha e da Europa como uma das grandes surpresas das últimas eleições europeias, o movimento Podemos tenta organizar-se internamente e preparar-se para repetir, ou melhorar, seu desempenho nas eleições municipais espanholas de 2015. Segundo membros do grupo, criado há menos de seis meses, este processo de estruturação política passa por encontrar novas caras para o partido – para tentar solucionar o problema de vinculação do movimento à figura do idealizador, o professor universitário Pablo Iglesias.
Leia também: Após surpreender em eleições, 'Podemos' tenta superar desafios para se consolidar na Espanha
Dentro da cúpula do partido, um dos nomes que mais se destaca e que atualmente é um dos grandes porta-vozes do movimento é o de um jovem de apenas 30 anos. Apesar da pouca idade, Íñigo Errejón já militou em outros partidos e movimentos espanhóis e formou-se doutor em Ciências Políticas pela Universidade Complutense de Madri. Com grande interesse nas recentes mudanças políticas na América Latina, Errejón foi escolhido por Iglesias para liderar a campanha que resultaria na eleição de cinco deputados do Podemos para o Parlamento Europeu, somando 1,2 milhões de votos em todo o país.
Reprodução/Facebook
Íñigo Errejón liderou o Podemos nas eleições europeias e levou o movimento a eleger cinco deputados
Em entrevista exclusiva à reportagem de Opera Mundi, Errejón critica os dois principais partidos da Espanha, os quais ele chama de “casta”, e defende uma reforma política no país. Apesar do tom firme das palavras, o jovem também assume que, por ser uma iniciativa tão recente, o Podemos deverá enfrentar alguns desafios importantes antes de se consolidar como uma força de peso no cenário político espanhol.
Opera Mundi: Depois das eleições europeias, parte da mídia e dos grupos políticos criticou bastante o Podemos e, principalmente, Pablo Iglesias. Como vocês analisam esta reação?
Íñigo Errejón: Acho que é normal e algo para estarmos orgulhosos. O dia 25 de maio [dias das eleições europeias] mostrou que o cenário político espanhol, que esteve monopolizado por muito tempo pelos dois principais partidos do regime, ou seja, o Partido Socialista e o Partido Popular […], se abriu de maneira radical. Os partidos socialista e popular somaram juntos nas eleições europeias de 2009 81% dos sufrágios. Nestas eleições, em conjunto, chegaram a apenas 49%. Perderam 30 pontos [percentuais] e dois milhões e meio de votos cada um. Além disso, aparecia uma força que não tinha o apoio de grupos econômicos nem o apoio institucional e que havia nascido pouco tempo antes interpelando um descontentamento cidadão que até então estava órfão. […] Todo este conjunto desenha um panorama de esgotamento das velhas elites, sem propostas de país e sem capacidade de recuperar a confiança geral dos cidadãos. Além da erupção de novos canais que expressam a vontade de mudança. [Vontade] dispersa e difusa, mas crescente. É normal que, neste cenário, uma parte da velha elite, que nós chamamos de casta, esteja muito agressiva e nervosa com a iniciativa Podemos. Este grupo fechado, mesmo que tenha diferenças em seu interior, compartilha um mesmo projeto de país. Entretanto, eles se equivocam porque atacam o sintoma em lugar de reflexionar sobre as causas que fizeram com que centenas de milhares de cidadãos votassem pela mudança.
Leia também: Líder da oposição na Espanha renuncia ao cargo após 21 anos como deputado
OM: Alguns dos críticos do Podemos dizem que vocês são os chavistas da Espanha. O chavismo é realmente uma fonte de inspiração?
IE: Para a casta espanhola, falar do seu país é um problema. Vivemos em um país onde aproximadamente 500 famílias são despejadas de suas casas pela polícia, a serviço dos bancos, a cada semana. Um país com 6 milhões de desempregados e com quase 20% [da população abaixo da linha] de pobreza. Então como não querem falar do seu país, a casta tem que falar de exceções que acontecem a milhares de quilômetros. Tentam utilizar o medo para recuperar uma parte da cidadania que tinham perdido. Nós nunca negamos que diferentes processos de mudança política e expansão democrática na América Latina serviram-nos de inspiração. Mas também não negamos que cada país é uma experiência única e que nenhuma receita tem aplicação imediata em nenhum outro lugar. Dito isso, não deixa de ser surpreendente que pessoas que teoricamente ainda têm o projeto de governar o país, diante da crítica e da vontade de mudanças de uma parte substancial da cidadania, tenham como resposta falar de experiências longínquas no tempo e no espaço.
NULL
NULL
OM: O Podemos é um movimento bastante novo e não está 100% estruturado. Quais são os próximos passos a seguir para a consolidação do partido?
IE: Uma comissão técnica […] tem que preparar o que chamamos de Assembleia Cidadã “Sim, Se Pode” no outono. O outono será para o Podemos o momento de constituição política, no qual terá que construir duas coisas: por uma parte, uma estrutura mais sólida que favoreça o fluxo de informação e também umas linhas de atuação comuns, e, por outra parte, continuar sendo uma ferramenta útil para seguir somando o descontentamento e formando uma vontade popular nova. O que isto significa? Isto significa que, para nós, não é o momento de formar mais siglas na Espanha, já existem muitas siglas, mas é o momento de construir e estruturar instrumentos para aglutinar uma maioria popular descontente e fazer com ela um projeto político novo, de mudança e de refundação de ideias.
OM: A ausência de Pablo Iglesias, que estará no Parlamento Europeu em Bruxelas, supõe um problema neste processo de estruturação do Podemos?
IE: O processo está avançado e o Podemos é fundamentalmente [composto] pelas pessoas. Estas pessoas que criaram esperança com esta iniciativa e que estão dando horas de trabalho, recursos e tanto conhecimento. Entretanto, Pablo seguirá exercendo o mesmo papel de referência e de catalisador simbólico do Podemos e compaginará sua atividade como eurodeputado em Bruxelas com a manutenção de sua presencia mediática e política na Espanha.
Divulgação
Podemos classifica partidos tradicionais espanhois como “castas” – na foto, os líderes de PP (Mariano Rajoy) e PSOE (Alfredo Rubalcaba)
OM: Vocês já pensaram sobre possíveis coalizões com outros partidos de esquerda?
IE: Nós acreditamos que é importante confluir com outros setores que defendem a mudança, mas também queremos advertir que este debate sobre a unidade das forças de esquerda vem principalmente de uma tentativa dos partidos do regime de apresentar-nos em um espaço político estreito. Ou seja, apresentar o Podemos como uma força muito à esquerda do PSOE. […] A verdade não é esta. A verdade é que os resultados eleitorais do último dia 25 de maio mostram que Podemos é uma força popular que recebe votos de setores muito diferentes. […] Por isso, dissemos que é importante a unidade das formações políticas de esquerda, mas é muito mais importante que isso a unidade popular, a unidade do conjunto dos cidadãos.
OM: O que representa para você e para o Podemos que, no mesmo ano em que os dois principais partidos perderam milhões de votos, o rei Juan Carlos tenha abdicado?
IE: Que estamos chegando ao final de um ciclo político. Nas Espanha, existiu durante 30 anos uma considerável estabilidade política em torno da arquitetura cultural, jurídica, institucional e política do regime de 1978. O regime falido da transição, da negociação entre uma parte das forças que lutava contra a ditadura e as forças, digamos, da oligarquia que estavam no poder com a ditadura. Este ciclo político, este regime, está em uma situação de colapso. Que esteja em uma situação de colapso não significa que existam possibilidades de revolução na Espanha, significa que a conservação do [regime] existente já não é uma opção. Se não é mais uma opção, quais são as opções que temos diante da gente? Em minha opinião, temos duas: ou as pessoas continuam governando a transformação do sistema política e do Estado espanhol em um sentido oligárquico, ou seja, de transferência de mais poder e mais riqueza para uma minoria […] ou ocorre uma confirmação de uma maioria política nova capaz de reabrir o processo de definição democrática, do pacto social que foi quebrado pela parte de cima. Isto, para nós, significa um processo constituinte.
OM: Qual é o principal desafio do Podemos em relação ao futuro?
IE: Eu diria que temos dois. Diria que por um lado o Podemos tem que estruturar-se e organizar-se pensando sempre, não em si mesmo, mas em ser uma ferramenta útil para conformar está nova maioria política, para seguir sendo um instrumento agregador de vontades populares. Isso exige sempre uma dose de amplitude de visão e de engenhosidade. Ao mesmo tempo, o Podemos vai sofrer o ataque de ser classificado dentro das categorias que as velhas elites se sentem cômodas. O Podemos ter que ser suficientemente hábil para seguir rechaçando esta classificação de posições. A capacidade do Podemos de estruturar-se sem deixar de ser nunca uma plataforma que some mais gente por uma parte e, por outra, esquivar-se das manobras de ser classificado no terreno no escolhido pela casta. Isso vai depender da capacidade do Podemos de jogar junto com outros um papel definitivo para formar um bloco popular alternativo.