A população de Donetsk, uma das maiores cidades do leste da Ucrânia, se prepara para uma possível ofensiva do Exército ucraniano nos próximos dias. As forças de Kiev, capital do país, tentam recuperar a região, controlada pelos separatistas pró-Rússia desde abril, depois da queda do então presidente, Viktor Yanukovich.
Donetsk tem 1 milhão de habitantes, mas está vazia. Mesmo em horário comercial, a vasta maioria dos estabelecimentos está fechada e há pouquíssimo movimento de carros e pessoas.
“Quem ficou, comprou comida e está escondido em casa. Quem conseguiu ir para outra cidade, teve sorte”, conta em tom de desabafo Masha, que trabalha em um quiosque de pasteis e hambúrgueres.
Sandro Fernandes/Opera Mundi
Rua do hotel da reportagem de Opera Mundi está bloqueada por barricadas
À noite, o silêncio da cidade é interrompido por fortes explosões de artilharia, quase sempre vindas da região do aeroporto da cidade, onde já há confronto entre o Exército de Kiev e os separatistas.
No último fim de semana, 14 civis foram mortos nos enfrentamentos. Milhares de pessoas já deixaram suas casas, a maioria delas em direção a outras partes do país ou para a península da Crimeia, anexada em março pela Rússia.
Estima-se que pelo menos 160 mil pessoas, das regiões de Donetsk e da vizinha Lugansk, tenham emigrado, temporariamente ou em definitivo. Há registro de que aproximadamente 600 pessoas já pediram asilo na Polônia.
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Em Lugansk, os separatistas criaram nesta terça-feira (29/07) um corredor humanitário para que as pessoas possam sair da região. O local é controlado por voluntários da autoproclamada República Popular de Lugansk.
Na estação de trens de Donetsk, o movimento de saída é intenso. Ontem, depois de um intenso bombardeio ao meio-dia, que podia ser ouvido com clareza até mesmo no centro da cidade, as rodovias que passam pela cidade ficaram congestionadas e a estação de trens também registrou grande movimento. A fumaça podia ser vista e sentida a pouco quilômetros da estação de trem.
“Meus filhos já foram para Kiev, mas eu quero ficar aqui. Fui, mas voltei. Este é o meu lugar. Confio nos nossos meninos (separatistas)”, relatou Nastya, professora na cidade.
Sandro Fernandes/Opera Mundi
“Donetsk, cidade russa”, argumenta pichação em muro
A vizinha Irina é menos otimista. “Eu estou aqui porque não tenho para onde ir. Não há maior sensação de impotência. As bombas vêm do alto e você sabe que elas podem cair em cima de você”.
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Por telefone, o estudante Denis, de 19 anos, conversou com Opera Mundi e aconselhou a reportagem a buscar um refúgio. “Ontem eu ouvi os disparos bem perto aqui de casa e nem moro longe do centro. Fui com toda a minha família para uns esconderijos que achamos que são seguros. Tenho medo que o Exército ucraniano atire na nossa casa. Busque na internet algum local seguro perto do seu hotel”, recomendou o jovem.
Masha, dona de uma pousada, também teme o avanço das forças do governo. “A guerra está cada vez mais perto”.
Hoje, Avdeyevka, cidade-satélite situada 15 quilômetros ao norte de Donetsk, foi reconquistada pelas tropas ucranianas. A cidade era um dos pontos mais importantes dos separatistas no leste da Ucrânia.
Sandro Fernandes/Opera Mundi
Cidade com 1 milhão de habitantes, Donetsk está cada vez mais vazia por causa do iminente conflito entre o Exército ucraniano e os separatistas pró-Rússia
O Exército ucraniano mais uma vez negou a utilização de artilharia pesada. Os separatistas afirmam o contrário. Por telefone, um morador da cidade confirmou a versão das milícias.
Percalços da reportagem
O território é oficialmente parte da Ucrânia, mas o controle de facto é dos separatistas. As equipes de imprensa necessitam de uma autorização das autoridades da República Popular de Donetsk para trabalhar na região. O credenciamento é conseguido ao instante e exigido pelos separatistas em controles nas estradas e no centro da cidade.
A reportagem de Opera Mundi chegou a Donetsk no último domingo. A viagem de trem entre Kiev e Donetsk, que duraria 12 horas, durou 17. Durante o trajeto, o trem não parou em algumas estações previstas e o caminho foi alterado sem prévio aviso. Os passageiros, resignados, entendiam que era por alguma questão de segurança.
Encontrar hotel também não foi simples. A rua do local, reservado por Internet, bem no centro da cidade, está bloqueada com uma barricada dos separatistas pró-Rússia. “Se houver confronto com o governo de Kiev, haverá mortes por aqui. Pow, pow, pow. Melhor buscar outro lugar”, sugeriu o soldado separatista, que não aparentava nem 20 anos. “Você tem um cigarro?”.