A cúpula das Américas reunida na Cidade do Panamá esta sexta-feira (10/04) e sábado (11/04) merece finalmente o próprio nome: pela primeira vez de sua historia, ela inclui todos os países da região, inclusive Cuba, excluída da OEA (Organização dos Estados Americanos) em 1962. A reaproximação histórica entre o presidente Barack Obama e Raul Castro, em 17 de dezembro de 2014, permitiu esta reunião. Se a normalização entre os dois países ainda demora – EUA devem antes primeiro tirar Cuba da lista de nações apoiadoras do terrorismo – o gesto pareceu como o símbolo de uma nova política externa dos EUA em relação à América Latina.
É o que acredita Nicholas Birns, professor na universidade The New School, em Nova York, e pesquisador do Conselho de Assuntos Hemisféricos (Coha) em Washington. Para ele, “a tendência de longo prazo é positiva” apesar das ameaças feitas em relação à Venezuela. Ele considera que, mesmo atravessando problemas internos, o Brasil tem um papel central na região e no mundo em desenvolvimento em geral. “EUA precisam de um Brasil amigável, mas independente”, diz.
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Nicholas Birns: No longo prazo, direita reconhece que abertura para Cuba traz potenciais oportunidades de negócios positivas para os EUA
Opera Mundi: O senhor acha que os EUA estão construindo uma nova abordagem para a América Latina?
Nicholas Birns: Sim e não. A decisão sobre Cuba é extremamente importante. Mas o que foi feito em relação à Venezuela mostra sinais de retrocesso baseados em pressupostos falsos que se explicam pela arrogância dos EUA. Apesar disso, eu acho que a tendência de longo prazo é positiva, com os Estados Unidos percebendo que não podem impor uniformidade ideológica na região como no passado.
OM: Como o senhor vê a ordem executiva da Casa Branca, qualificando a Venezuela de “ameaça incomum e extraordinária para a segurança nacional e política externa dos EUA”?
NB: Ben Rhodes, o assessor de segurança nacional do presidente, já está tentando negar um pouco esses comentários, dizendo que isso é a retórica padrão de ordens executivas, não necessariamente aplicável à Venezuela. A administração Obama fez um grave desserviço ao empregar esta linguagem. De qualquer maneira, eu acho que os EUA podem estar tentando separar Cuba de Venezuela aproveitando o declínio dos preços do petróleo e a crescente independência energética de Washington. Acho, sobretudo, que o recado é o seguinte: os EUA podem voltar a ter laços com Cuba, mas isso não significa que capitulam frente ao que Washington percebe como forças antiamericanas na região. A ordem executiva da Casa Branca é uma tentativa de mostrar que os EUA ainda têm dentes e podem morder. Isso me parece inútil, provocador, e belicoso.
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OM: Quão importante é a pressão que vem da direita contra a normalização com Cuba e quanto eles podem afetar as políticas de Obama em relação à Venezuela, por exemplo?
NB: Talvez a direita tenha um peso, embora a comunidade emigrante cubana na Flórida e em Nova Jersey não se importe com a Venezuela. Mas alguns representantes da direita republicana se importam e Obama poderia estar tentando acalmá-los deste jeito. No longo prazo, a direita reconhece que a abertura para Cuba traz potenciais oportunidades de negócios muito positivas para os EUA. Mesmo se os republicanos ganharem a Presidência em 2016, eu não acho que vamos ter uma volta atrás na relação com Cuba.
OM: O senhor acredita que os EUA têm qualquer tipo de apoio dos países latino-americanos em sua cruzada contra a Venezuela?
NB: Mínimo, realmente mínimo. Nem mesmo a Colômbia acredita nesta estratégia.
OM: Qual é o impacto da política latino-americana sobre a vida política local, especialmente as eleições de 2016?
NB: Realisticamente o único lugar onde a política latino-americana afeta as eleições nos Estados Unidos é a Flórida com o voto cubano. Os democratas podem não ganhar a maioria deste voto, mas eu acho que eles estão confiantes, especialmente se a relativamente linha-dura Hillary Clinton é a candidata, que pode reunir um percentual suficiente para ser viável no estado. Há muitos latinos no resto do país, mas o voto deles não tende a ser motivado por questões de política externa.
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OM: O senhor acha que os EUA estão tentando mudar a postura tradicional do Brasil em assuntos venezuelanos aproveitando as dificuldades da presidente Dilma Rousseff neste segundo mandato?
NB: Tenho certeza de que os formuladores de políticas dos EUA percebem a posição fraca da presidente Dilma, mas também acho também que eles colocam isso em perspectiva com o fato que presidentes latino-americanos que servem muito tempo tendem a ser impopulares – veja a caso de Humala no Peru. Os EUA querem que o Brasil seja amigável, mas também independente: o Brasil tem relações de amizade com Cuba e, apesar da recente desaceleração, o Irã, e estes são os países que os EUA querem alcançar.
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O Itamaraty também tem uma boa relação com países africanos, como Moçambique, cuja estabilidade está atraindo cada vez mais investimentos. Timor Leste é outro país onde os EUA precisam de ajuda brasileira. Mesmo fora dos países de língua portuguesa, o Brasil é respeitado nos países em desenvolvimento de uma forma que os EUA não são. Por isso, um Brasil amigável, mas independente, seria a melhor opção para Washington.
OM: O apoio brasileiro é crucial para a Venezuela?
NB: É importante, mas não essencial. A Venezuela tem o seu núcleo de apoiadores com a Bolívia, o Equador e, em um sentido diferente, Argentina e Uruguai, mas o Brasil certamente é o jogador central nesta historia. Se [Brasília] decidisse se afastar um pouco de Venezuela, seria uma má notícia para Maduro.
OM: O senhor percebe a política externa brasileira como em declínio?
NB: Bem, o Brasil não é economicamente tão dinâmico como alguns anos atrás. Mas ele mantém laços positivos com a maioria das nações, incluindo países em oposição ou em rivalidade um com o outro. O trabalho que o Itamaraty fez, especialmente durante a época do ministro Celso Amorim, continua a produzir resultados positivos. E nós temos as Olimpíadas chegando, que, espero, devem ser positivas para o Brasil. Acho que este eventual jantar de trabalho de Dilma com Obama pode ser a oportunidade para destacar a posição única do Brasil. É o único país que pode se um mediador honesto entre os EUA e as nações nas quais não necessariamente confiam, como o Irã, Cuba e Rússia.
OM: O senhor acha que a OEA é ainda relevante?
NB: Sim, mas apenas como uma forma de manter os EUA e Canadá engajados na região. Já não pode ser um veículo para a dominação dos Estados Unidos. Deste ponto de vista, a nomeação de Luis Almagro é importante. Ele é relativamente jovem, dinâmico e de um país, o Uruguai, que, com o Brasil, está fazendo o seu melhor para forjar uma posição intermediária inteligente na situação entre os EUA e Maduro.
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OM: A maioria dos últimos conflitos entre os países da região foram contemplados dentro da Unasul. O senhor acha que esta organização, ainda jovem, seria capaz de recuperar o papel tradicional da OEA na região?
NB: Potencialmente. Mas, lembre-se: Unasul se limita à América do Sul e a OEA inclui todas as Américas, até mesmo o Canadá. Idealmente, deve ser como a relação da União Europeia com as Nações Unidas; eles devem engrenar. Mas o surgimento da Unasul certamente pressagia a emergência de mais pluralismo nas Américas e o declínio da hegemonia dos EUA.