O presidente da Armênia, Serzh Sargsian, afirmou que seu país está “preparado para normalizar relações com a Turquia, sem precondições”. Em entrevista publicada no jornal turco Hurriyet nesta sexta-feira (24/04), data que marca o centenário do genocídio armênio perpetrado pelos turcos, Sargsian ressaltou que “não há nenhuma reivindicação territorial por parte da Armênia”, sinalizando também uma eventual reabertura das fronteiras entre os países.
A declaração de Sargsian pode ser um passo para a retomada do diálogo entre os dois países, já que nenhuma precondição — como o reconhecimento do genocídio armênio — seria imposto para as conversas.
Leia também, sobre o centenário do genocídio armênio:
Nos 100 anos do massacre que matou 1,5 milhão, Armênia luta por reconhecimento do genocídio
Artigo: A memória da diáspora e a resistência da infância
A história do genocídio armênio e as consequências da negação
Agência Efe
Cidadãos armênios seguram fotos de familiares vítimas do massacre, em cerimônia em memória do genocídio armênio
O presidente armênio disse ainda que “a abertura da fronteira entre a Turquia e a Armênia criaria uma atmosfera de confiança, beneficiaria negócios e ajudaria a desenvolver as províncias do leste da Turquia”. A fronteira entre os dois países está fechada desde 1993, por decisão da Turquia em solidariedade ao Azerbaijão, que perdeu territórios para a Armênia em uma guerra que durou seis anos (1988-1994).
Para Sargsyan, “a abertura das fronteiras proporcionaria um contato mais ativo entre as sociedades civis [dos dois países], fazendo com que eles se informassem melhor sobre o ponto de vista um do outro”.
Hostilidades
O otimismo do presidente armênio não parece ser compartilhado pela população do país. Apenas metade (51%) dos armênios é favorável à reabertura das fronteiras, segundo pesquisa do CRRC (Centro de Pesquisa do Cáucaso, na sigla em em inglês), e 82% dos entrevistados acreditam que não se pode confiar na Turquia.
Carlos Latuff/Opera Mundi
Charge do cartunista Carlos Latuff: Há cem anos, Turquia nega e tenta esconder o genocídio armênio
“Não acho que seja uma boa ideia abrir as fronteiras. Isso vai prejudicar a nossa economia, já que eles são mais fortes e contam com o apoio dos EUA. Os pequenos empreendedores locais não vão conseguir competir com a Turquia”, conta o economista armênio Tigris Barsamian. “E tem mais: tudo é possível vindo dos turcos”.
Do lado turco, o clima também é de hostilidade. Quase 74% dos entrevistados dizem ter uma visão negativa dos armênios, de acordo com pesquisa do think tank turco Fundação para Pesquisa Econômica e Social (SETA, na sigla em turco).
Genocídio armênio
O tema mais controverso na relação entre a Turquia e a Armênia é o não reconhecimento, por parte dos turcos, do massacre organizado pelo Império Turco-Otomano contra a população armênia, em 1915.
NULL
NULL
O primeiro-ministro turco, Ahmet Davutoğlu, declarou recentemente que “partilha a dor comum” e defende que os dois países devem “curar suas feridas e restabelecer suas relações humanas”. Mas não usou o termo genocídio para se referir ao massacre de 1915. O governo turco alega que as mortes foram “lamentáveis consequências da guerra”, mas sem a intenção deliberada por parte dos otomanos em eliminar os armênios.
O historiador brasileiro Heitor Loureiro, especialista em genocídio armênio, está em Ierevan e discorda da posição oficial da Turquia. Em conversa com Opera Mundi, ele disse que há provas de que o governo otomano agiu com intenção de eliminar a população armênia.
“Há documentos oficiais otomanos e leis promulgadas pelo governo da época que legitimavam a deportação e a expropriação [dos armênios]. E há também relatos de observadores internacionais, como o do embaixador dos EUA no Império Otomano, que ouviu da boca do Talaat Paxá (acusado de ser o perpetrador do genocídio) que eles queriam exterminar os armênios”, explica Heitor. “Foi criada também uma organização especial paramilitar com esse fim”, completa.
Segundo o historiador, o negacionismo turco vem do medo de que o reconhecimento do genocídio implique em futuras punições. “Genocídio é classificado como crime sob o direito internacional desde 1948. Usar o termo genocídio significa abrir a possibilidade de pedido de reparação, inclusive territorial, por parte da Armênia”, pontua Loureiro.
De acordo com a Convenção das Nações Unidas sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, sua ocorrência é fruto da ação deliberada para infringir a uma minoria étnica, nacional, racial ou religiosa um estado físico ou mental de degradação.