Após cinco anos na liderança do ranking dos melhores países para se viver, é natural que a Noruega chame a atenção de um número cada vez maior de pessoas que pensam em trocar de país. Hoje em dia, o crescimento da população norueguesa se dá mais pelo fluxo de imigrantes do que pelo nascimento de bebês. Mas como a Noruega lida com a chegada de mais dezenas de milhares de estrangeiros por ano, sendo um país com apenas 6 milhões de habitantes?
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Os imigrantes representam atualmente cerca de 13% da população da Noruega. Os direitos previstos pelo Estado norueguês, tal como uma bolsa para os jovens até os 18 anos, também são concedidos aos estrangeiros que vivem no país, mas estes têm percebido algumas alterações nos últimos dois anos.
Desde 2013, o governo local é liderado pela primeira-ministra Erna Solberg, do Partido Conservador, em coligação de centro-direita com o Partido do Progresso, conhecido por propor políticas contrárias aos estrangeiros. Erna Solberg substituiu Jens Stoltenberg, líder do Partido Trabalhista que governou a Noruega por dois mandatos (2000-2001 e 2005-2013) e que é o atual secretário-geral da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte).
“A sociedade norueguesa não está preparada para a imigração. Mas, mesmo com a chegada ao poder de partidos que são mais restritivos com os estrangeiros, eles não podem simplesmente nos expulsar, pois devem respeitar regras internacionais, como das Nações Unidas”, diz o etíope Tesfay Medhani a Opera Mundi.
Mesmo tendo que seguir as leis internacionais, a Noruega viu explodir o número de deportações de estrangeiros em 2013. Foram 6.000 casos, aumento de 20% em relação ao ano anterior. Além disso, o novo governo pretende realizar um plebiscito sobre a questão dos imigrantes, cuja população cresceu em 2014 no menor ritmo desde 2006.
Durante a campanha eleitoral que consumou a troca de governo no país, um dos principais temas foi justamente a imigração, segundo Axel West Pedersen, pesquisador do Instituto de Pesquisa Social, que já desenvolveu trabalhos para a União Europeia.
“É indiscutível que a sociedade norueguesa está em transformação e a imigração tem entrado cada vez mais no debate político. Temas relacionados com imigrantes são um dos motivos pelos quais temos o Partido do Progresso aqui na Noruega. Esse partido populista de direita é neoliberal e tem as políticas anti-imigração como um dos seus tópicos prioritários. O novo governo, do qual esse partido faz parte, tem se mostrado muito preocupado com a exportação de bolsas destinadas a crianças que vivem fora da Noruega, por exemplo. Imigrantes especialmente do leste europeu que vêm trabalhar aqui, sem os filhos, mas que solicitam a bolsa e enviam o dinheiro para seus países de origem. As pessoas têm considerado que esse movimento é problemático e o governo pretende brecar isso. Na realidade considero que isso deveria ser tratado como algo menor, pois, pensando no valor que representa para o Estado norueguês, é nada. Mas o pensamento do Estado prevê o dinheiro para criança, enquanto que, na Europa o foco dos benefícios é nas mães”, lamenta Pedersen, que é dinamarquês.
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Para o comerciante paquistanês Arshad Hussain, o que os governos recentes têm feito é dificultar a chegada de novos estrangeiros. “Cheguei à Noruega em 1973 e realmente era mais fácil quando eu vim. Mas acho que estamos bem integrados à sociedade norueguesa”.
O etíope Medhani, por sua vez, diz que, apesar da boa infraestrutura no país, os imigrantes negros sofrem mais preconceito do que os demais, que representam uma parcela maior do número de estrangeiros. De fato, poloneses (91 mil pessoas) e suecos (36,9 mil) são as duas nacionalidades que estão mais presentes na Noruega. “Mas eles acabam passando despercebidos por terem a mesma cor de pele dos noruegueses”, completa o estudante de teologia.
Interesse na União Europeia
Questões imigratórias – puxadas pela série de naufrágios no mar Mediterrâneo – também preocupam a União Europeia. O bloco discute, por causa disso, a criação de “cotas de distribuição de imigrantes” pelos membros.
A Noruega rejeitou a entrada no bloco em duas oportunidades, por meio de consultas populares: em 1972 (quando o bloco de países europeus ainda se chamava Comunidade Econômica Europeia), e em 1994.
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Noruegueses rejeitaram por duas vezes a entrada na União Europeia; na foto, o parlamento do país, em Oslo
“Depois da crise de 2009 e das derrotas dos plebiscitos, ninguém mais pensa aqui em entrar na UE. É uma questão passada na Noruega”, diz Pedersen.
Apesar de a rejeição à UE ter ocorrido por pequena margem nas duas ocasiões (de menos de cinco pontos percentuais), os governos noruegueses têm considerado que, nos últimos anos, que não há espaço para novas consultas. O desinteresse de entrar no bloco, porém, não significa um afastamento político do resto do continente europeu.
Um exemplo disso é a chegada de Stoltenberg à Secretaria-Geral da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) em 2014. “Nós estamos muito próximos da União Europeia e temos inclusive uma liderança no continente, sem conflitos com outros países. No caso de Stoltenberg, pesaram também as boas relações com a Rússia”, analisa Marit Nybakk, legisladora do Partido Trabalhista, o mesmo do ex-premiê.
Para o parlamentar do Partido Socialista Heikki Holmås, o bom entendimento com os países europeus é fundamental também para o comércio norueguês. “A Noruega é parte da Europa e a maior parte de nosso comércio vai para países europeus. Então nós queremos ter sempre uma cooperação profunda com a Europa, mesmo estando melhor em alguns quesitos, como qualidade de vida e direitos trabalhistas”, afirma.