Fotos: Ludmilla Balduino/Opera Mundi
Garçom em Folegandros exibe camiseta sugestiva sobre quem trabalha com turismo: 'Crise na Grécia – sem emprego, dinheiro e problema'
Os termos “crise econômica”, “plano de austeridade”, “calote”, “cortes em gastos sociais” — tão comuns no noticiário sobre a Grécia —, aparentemente, não fazem parte de quem vive do turismo nas Cíclades. Em um passeio pelo exuberante e mais famoso arquipélago da Grécia, que se esparrama pelo mar Egeu, a sudoeste de Atenas, o que mais se nota são as belíssimas paisagens e a hospitalidade sorridente dos gregos que vivem na região.
“Não queremos que o turismo seja afetado pela crise. Estamos trabalhando duro para manter tudo funcionando, para quando o pico da alta estação chegar, possamos receber os turistas normalmente”, diz Panagiotis Koudouris, proprietário da agência de turismo Dioplous Travel, em Folegandros, uma ilhota de 12 quilômetros de extensão, cuja população não passa de 1.000 habitantes.
Koudouris está otimista e espera fechar muitos pacotes e passeios entre meados de julho e o fim de agosto — quando a alta estação chega ao ápice de visitantes. “Há problemas, mas não são tão grandes quanto parecem ser. Nós que trabalhamos com turismo podemos nos unir, conversar e pensar em soluções. As companhias que fazem o transporte de balsas entre as ilhas, as agências de viagem, os hotéis, todos estão empenhados em manter tudo funcionando”.
Ilha de Folegandros, nas Cíclades, recebe, além de turistas, gregos que deixam trabalho nas cidades por más condições
A jovem Samantha Moraitou-Politzi, que aos 19 anos gerencia a empresa de mergulho da família em Folegrandos, diz que sua rotina não mudou com o aprofundamento da crise e com as indecisões sobre o futuro da Grécia — neste domingo (05/07), os cidadãos devem participar de um referendo que poderá decidir se o país vai acatar as medidas de austeridade que a troika de credores internacionais (formada por FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu) insiste em estabelecer ou se vai brigar para evitar mais cortes em gastos sociais.
Samantha nasceu na Grécia e se mudou para Nova York ainda criança. Há dois anos, ela retornou com a família para montar a empresa de mergulho Sea-U, fazendo o caminho contrário de grande parte dos gregos, que fogem para outros países na tentativa de encontrar salários melhores, sempre que a crise se agrava.
“Vários amigos meus que vivem nos Estados Unidos ficaram preocupados com a nossa situação aqui. Os jornais e a TV lá fora dizem que o país vive um caos completo, mas não é bem assim. As notícias são exageradas. Minha mãe e eu tivemos de mandar mensagens para amigos dizendo que está tudo bem. Claro que neste ano devemos receber menos turistas do que nos anos anteriores, mas nada que vá criar uma situação insustentável”.
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O Hotel Polikandia, em Folegandros, deve receber 50% da capacidade neste verão — a maior parte da desistências é de turistas gregos
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Vaggelis Pollalis, engenheiro agrícola altamente graduado, com PhD em física dos solos e manejo da água, trocou todo o seu conhecimento tecnológico para ganhar uns trocados trabalhando como instrutor de mergulho na empresa da família de Samantha. Vaggelis mora em Atenas e estava desempregado há um ano. Sem conseguir encontrar emprego, veio trabalhar temporariamente em Folegandros.
“Cheguei aqui em maio, que é quando começa a alta estação, e devo ficar até setembro. Espero voltar a Atenas e encontrar trabalho na minha área. Já mandei meu currículo para empresas no exterior e também estou esperando resposta. Se nada der certo, volto para cá no ano que vem para trabalhar novamente como instrutor de mergulho”, diz.
Nem tão otimistas assim
Apesar de ter aberto uma padaria há menos de um mês em Folegandros, a empresária Vivi Garala não enxerga o turismo como uma alternativa para a crise. “Nós, gregos, não estamos satisfeitos. Estamos com medo do futuro, e passamos esses temores aos turistas, que ficam receosos em visitar o país enquanto ele passa por tantas indecisões”.
Vivi trabalhava como secretária em Atenas e decidiu largar o emprego extenuante e mal remunerado para abrir seu próprio negócio na ilha, aproveitando que seu pai já tinha uma casa de dois andares em uma das principais pracinhas de Chora, a vila mais populosa de Folegandros. A padaria fica no térreo, com mesinhas na calçada e vista para o mar, enquanto ela, o marido e o pai moram no andar de cima.
Ela reclama que, mesmo tendo uma casa própria, sua família precisa pagar altos impostos anuais relacionados à moradia para o governo. “Meu pai trabalhou duro para comprar essa casa. Meu marido serviu a Marinha por 37 anos e o dinheiro de sua aposentadoria mal paga as contas. E agora a gente precisa pagar o governo, todo ano, para manter a casa. Todo o nosso dinheiro está indo pelo ralo. E não sei se o negócio que acabamos de abrir vai sustentar nossos gastos”, conta.
Vivi Garala e seu pai, que acabaram de montar uma padaria, não veem muitas alternativas à crise
Quem também não se sente satisfeita com a situação é a família de Maria Parasiri, que gere o hotel Polikandia desde 1993. Durante a baixa estação nas ilhas, Maria trabalha em uma secretaria do Ministério da Economia em Atenas, mas reclama do baixo salário e da carga horária injusta. Sua irmã, jornalista, desistiu da profissão e hoje é dona de casa. Apesar de haver dezenas de jornais circulando em Atenas, ela diz que a maioria deles não paga os funcionários em dia.
Durante a alta estação, toda a família se muda para Folegandros para trabalhar no hotel, cuja capacidade máxima é de 100 reservas por mês. Neste ano, o Polikandia deve receber a metade de hóspedes do que nos anos anteriores. Das 70 reservas feitas para julho, cerca de 20 foram canceladas. “O telefone do hotel quase não toca mais, e se toca, é para alguém cancelar a hospedagem”, conta.
Com poucos caixas eletrônicos na ilha, ela teme que os turistas estrangeiros também comecem a cancelar suas reservas por causa da falta de dinheiro vivo. “Não é todo mundo que gosta de viajar com grandes reservas na carteira. Há muitos estabelecimentos que aceitam cartões de crédito em Folegandros, mas já ouvi uma história de uma família ter de percorrer a cidade em busca de um caixa eletrônico ou uma máquina de cartão de crédito para pagar a conta de um restaurante”.
No entanto, Maria garante que a maioria dos cancelamentos são feitos por turistas gregos, que sentem-se inseguros em viajar em um momento tão instável. A vinda dos turistas estrangeiros segue confirmada. “Nós estamos vivendo em crise há um bom tempo e sabemos como lidar. O verão de 2012 foi o pior desde que o hotel foi inaugurado. Talvez 2015 seja pior ainda. O que resta é esperar para saber o que será de nós no futuro e trabalhar para manter tudo funcionando”, diz, desalentada.
Feriado bancário na Grécia fez corrida por saques em caixas eletrônicos aumentar; nas ilhas, muitos, entretanto, têm falta de dinheiro