Nedzad Avdic não passava de um adolescente quando deixou sua cidade natal, a pequena Vlasenica, no norte da Bósnia-Herzegóvina. Não que estivesse prestes a entrar na faculdade ou em em busca de melhores oportunidades, como muitos garotos de sua idade. Sair de casa naquele ano, 1993, era questão de sobrevivência. A Guerra da Bósnia estava em seu auge e o único porto seguro para a população da região parecia ser a pequena Srebrenica, 120 km ao norte de Sarajevo.
Em abril daquele mesmo ano que mudaria para sempre a vida de Avdic, o Conselho de Segurança da ONU votou a Resolução 819, declarando Srebrenica “uma zona segura”, que não deveria ser exposta a nenhum ataque armado ou a qualquer outro ato de hostilidade. Rapidamente, a cidade e seus entornos se tornaram um grande campo de refugiados.
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Reprodução/Remembering Srebrenica
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A Iugoslávia e seu governo comunista se esfacelavam no começo dos anos noventa e a Bósnia, a exemplo das vizinhas Croácia e Eslovênia, queria se tornar independente. Mas a Sérvia de Slobodan Mlosevic e os próprios bósnios de origem sérvia, organizados em um exército, não queriam ver frustrados seus planos de uma grande Sérvia. O resultado foi a Guerra da Bósnia, tragédia da família de Avdic e de milhares de outras.
Na Srebrenica de 1993 faltava luz, faltava comida. Avdic conta que as Nações Unidas jogavam pacotes de alimentos por via aérea e mandavam caminhões com mantimentos, mas as estradas eram bloqueadas pelos sérvios e a comida que caía do céu nem sempre era encontrada. “A situação era muito difícil, mas pensamos que não duraria para sempre, que estávamos protegidos. Foi um tremendo engano”, lembra.
No começo do ano seguinte, mais um grupo de capacetes azuis seria designado para proteger a área. O famoso batalhao holandês da Força de Proteção das Nações Unidas montaria sua base em uma fábrica de baterias na localidade de Potocari, 6 km ao norte de Srebrenica. Não havia lugar mais seguro para estar naquela região, pensaram milhares de refugiados, quando, em julho de 1995, Srebrenica foi tomada pelos sérvios. Mais de 5 mil pessoas se abrigaram na base da ONU e outras milhares se concentraram nos arredores.
Agência Efe
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Nedzad Avdic temeu pela sua vida e fugiu com o pai e um tio para as montanhas, tentando alcançar uma localidade sob domínio bósnio. Dos três, ele foi o único sobrevivente. “Eles atiraram no meu pai e no meu tio. Eu estava muito machucado e só esperava pela morte”, conta Avdic. “Mas os sérvios me deixaram e foram embora; não sei se pensaram que eu já estava morto”, diz.
Os tiros haviam ferido o jovem na barriga, no pé e na cabeça. “Pensei que fosse morrer. Foi quando vi a montanha de corpos se mexendo e de lá saiu um homem. Conseguimos desamarrar um ao outro e fugimos. Ficamos na floresta por quatro dias e quatro noites. Às vezes, vinham soldados sérvios e tínhamos que nos esconder. Quando estávamos quase chegando, eu estava exausto, meu corpo não aguentava mais. Ele então me colocou no ombro e me carregou até o final. Se estivesse sozinho, não teria sobrevivido”, diz.
Silêncio rompido: os culpados
Outros tios de Avdic, que buscaram proteção na base da ONU em Potocari, não tiveram a mesma sorte. Temendo pelas suas próprias vidas, com o avanço de forças sérvias e o fracasso das negociações, o batalhão holandês ordenou que todas as milhares de pessoas que ocupavam sua base deixassem o local. O resultado foi o pior massacre em território europeu desde a Segunda Guerra Mundial. Mais de 8.300 homens e garotos foram assassinados pelas forças sérvio-bosnias.
“O primeiro culpado do genocídio foi [o general Ratko] Mladic. Depois, a Sérvia, que instigou o massacre, depois os holandeses, que não protegeram os refugiados, e depois a ONU”. Avdic é categórigo ao falar de Srebrenica. “Por 20 anos, eu me mantive em silencio, até que pensei 'chega!'. O mundo inteiro já sabe o que aconteceu e hoje já está muito claro porque eles fizeram aquilo”, conta.
Hoje com 37 anos, Avdic opina que uma das principais lutas dos sobreviventes hoje é pelo reconhecimento do genocídio. “Nós temos uma nova geração de crianças em escolas em partes sérvias da Bósnia que tomam Mladic por herói. Políticos sérvios negam o que aconteceu lá. Isso é um problema muito grande”, diz.
Avdic voltou a morar em Srebrenica, que fica na parte sérvia da Bósnia (Republika Srpska), 12 anos após o massacre, a exemplo da mãe e da irmã. O aspecto mais difícil de viver na cidade, ele conta, é justamente a negação do que aconteceu: “Meus filhos não estão aprendendo na escola sobre o massacre”.
Sobre as lições que o massacre poderia ter deixado para a comunidade internacional, Avdic é pessimista: “Há tantas, tantas, guerras hoje. Infelizmente, o mundo não aprendeu nada sobre Srebrenica, sobre como o ódio e a inolerância podem nos dominar”.